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Quarta-feira, 5/12/2007
Literatura pop: um gênero que não existe
Luiz Rebinski Junior

A editora Rocco vai publicar no Brasil, até o final de 2007, Slam, novo livro de Nick Hornby. O romance é o sétimo trabalho do autor inglês lançado por aqui (todos pela mesma casa editorial) e o primeiro dedicado ao público adolescente.

Dono de um público fiel no Brasil, Hornby costuma ganhar destaque no meio literário a cada novo lançamento. Seus livros também chegam rapidamente às telas de cinema - pelo menos três de seus sete romances já viraram filme e há outros na fila para serem adaptados, incluindo aí Slam.

Desde que surgiu no mercado editorial, Hornby tem sido reverenciado como baluarte de um tipo de literatura que muitos denominam como "pop". Isso graças a livros como Alta Fidelidade e Um grande garoto, obras que utilizam referências do mundo pop (cinema, artes plásticas, HQs e, principalmente, música) como pano de fundo das narrativas.

Mas Hornby não é o único a ganhar a estranha classificação de escritor "pop". Autores de livros famosos como O apanhador no campo de centeio (J.D. Salinger), Pergunte ao pó (John Fante) e On the road (Jack Kerouac) são comumente colocados no balaio de gatos da tal "literatura pop". São apenas os mais conhecidos, é claro. Há outros, um pouco menos lidos, como Baixo astral, do chileno Albert Fuguet, Trainspotting, de Irvine Welsh, e Abaixo de zero, do americano Bret Easton Ellis - na lista ainda cabe qualquer trabalho de Charles Bukowski, autor reverenciado pelo público jovem e desprezado pela crítica. Já no Brasil, o best-seller de Marcelo Rubens Paiva, Feliz Ano Velho, é o romance que freqüentemente também ganha a etiqueta "pop".

Mas o que faz desses livros e seus respectivos autores serem identificados como "pop"? Quais são os critérios para definir se um texto é ou não "pop"? Certamente há alguma semelhança entre os assuntos abordados pelos escritores e livros citados acima. A pouca idade dos personagens, os dilemas existenciais enfrentados na juventude e o sentimento de estranheza típico da puberdade, com certeza encontram eco tanto em Holden Caulfield, o garoto-problema criado por Salinger, quanto nos amalucados Sal Paradise e Dean Moriaty, a dupla que costura os Estados Unidos naquele que a crítica preguiçosa tacha como "Bíblia Beat". Bem como há alguma relação entre Matias Vicuña, personagem do romance mais famoso de Fuguet (abertamente inspirado em Caulfield) e o adolescente Chinaski de Bukowski.

Mas isso parece ser pouco para forjar um subgênero literário. Afinal, personagens jovens sufocados por pensamentos existenciais não são privilégio desses escritores, tampouco da literatura do século XX. Dostoiévski, nos idos de 1866, criou um dos personagens jovens mais emblemáticos da literatura em seu fabuloso Crime e Castigo. Raskólnikov, estudante pobre e desgraçado, erra pelas ruas de São Petersburgo oprimido por um sentimento de revolta e atormentado por uma pouco ortodoxa teoria que o leva a cometer dois assassinatos. Além de transcender gêneros da literatura, o romance traduz com perfeição as angústias de um jovem da Rússia czarista.

Literatura urbana
A "literatura pop" também seria identificada por uma suposta sinergia com as mudanças do cotidiano impetradas pela sociedade de consumo. Ou seja, seria uma literatura essencialmente urbana e que daria cabo, hoje, de ser representativa dos jovens que escrevem em blogs, que baixam músicas pela internet e que vêem de perto as transformações do mundo globalizado, sempre pelo viés do entretenimento. É uma idéia pouco clara e redundante na essência. É óbvio que o escritor que escreve nos anos 2000 será influenciado pelo que ocorre ao seu redor, seja em maior ou menor grau. A não ser que escreva romances de época ou ficção científica, o autor estará, necessariamente, falando de (e sobre) seu tempo.

O problema aí é que toda literatura que se diga relevante, seja de qualquer época, explica e reflete, com maior ou menor intensidade, o seu tempo. Portanto isso não é exclusivo dos autores contemporâneos que têm como matéria-prima as diversas variações da cultura pop. A idéia de uma escrita que privilegie e seja identificada por temas essencialmente urbanos também parece pouco consistente, já que aí uma gama enorme de autores e livros entraria na classificação "pop". Nesse caso, Rubem Fonseca seria o pai do "pop", já que toda sua obra está ligada aos problemas comuns dos grandes centros, como violência e pobreza.

Ao invés de se falar em "literatura pop", o mais correto seria dizer que há autores que incorporam elementos da cultura de massa em sua literatura, fazendo disso uma característica narrativa - o que, volto a repetir, não é exclusivo de autores contemporâneos que cresceram com um olho na televisão e outro no computador. O que os ditos autores "pop" escrevem - se o fazem realmente com presteza e habilidade - é literatura, apenas isso. O que não quer dizer que criam algo novo. O que Nick Hornby faz é um tipo de ficção descompromissada e que adota a indústria do entretenimento como personagem. Alta Fidelidade, sua obra mais famosa, é também o reflexo mais bem-acabado dessa literatura, pois se escora na música pop para contar as desilusões amorosas de um inglês comum. Mas citar um disco clássico do rock a cada dois parágrafos não faz de ninguém escritor. E supõe-se que não seja pelos artistas que Hornby admira e faz questão de citar que seus textos são lidos. Se for esse o motivo, aí a literatura está realmente mal. Certamente o grande mérito de Hornby como escritor, acredito, está em ser sensível aos problemas de uma parcela da população que até então não era retratada com fidelidade pela literatura. A classe média (inglesa, no caso), tema de seus livros, sempre passou ao largo dos grandes escritores, que sempre se dividiram entre o retrato da miséria humana (Tolstói) e a pujança das classes abastadas (Fitzgerald). E essa foi a grande sacada da literatura de Hornby.

Mesmo On the road, que é insistentemente citado como uma obra "pop", tem como maior mérito ter mostrado um lado até então desconhecido do american way of life, com jovens desvendando de forma alucinada os recônditos norte-americanos. O livro não é importante porque fala de drogas e bebedeiras, mas porque trouxe à literatura a idéia de um texto espontâneo que, controvérsias à parte, influenciou várias gerações de escritores. As referências ao jazz e à música de um modo geral ficam em segundo plano ou mesmo nunca são lembradas.

Mas o que mais incomoda nessa discussão, que parece meio fora de foco, é que a expressão "literatura pop" se tornou uma muleta que pouco ou nada diz a respeito de autores ou livros. Em um tempo em que os gêneros literários estão cada vez mais fragmentados (ou seria pulverizados?), é no mínimo pouco inteligente tentar enquadrar escritores tão diferentes em uma classificação que prima pela falta de critério. Como todo rótulo, esse é mais um que nada acrescenta na discussão da literatura. Depois de tantas transformações, a História nos provou que o que menos a literatura precisa é ser classificada. Persistir nessa idéia é querer reviver velhos e anacrônicos expedientes que há muito a própria literatura sepultou.

Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 5/12/2007

 

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