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Quarta-feira, 26/12/2007
White Stripes, Icky Thump e a unanimidade burra
Rafael Fernandes

Boa parte da crítica do rock (isso existe?) quer nos enfiar goela abaixo que o novo disco do White Stripes, Icky Thump, é sensacional. Mas é um lixo. Querem que acreditemos que essa banda é o máximo. Não é. Com boa vontade, dá até para dizer que tem umas três ou quatro lampejos de boas canções. Mas, além de ser pouco pelo que é alardeado, são tão porcamente executadas que fica difícil ouvir. E avaliar Jack e Meg White como instrumentistas é como opinar sobre aquele seu sobrinho de 8/10 anos que tem aula de guitarra/bateira há uns seis meses. Ela tocando bateria é de uma infantilidade inacreditável. E já li que Jack White seria um virtuoso da guitarra. Lamentável... Mas, felizmente, não estou só contra essa porcaria branca e vermelha, nem serei inédito ao escrever sobre eles. O Mário Marques já escreveu aqui mesmo neste Digestivo o quão ridícula é a banda. Detalhe: há três anos. De lá pra cá, o endeusamento da dupla podre só aumentou. Lá estão observações importantes, principalmente como a "estética" (hein!?) punk predomina como exemplo a ser seguido e como uma certa turminha quer impor certos estilos e bandas como imprescindíveis.

A ascensão do White Stripes é a prova da democratização cultural: qualquer um pode gravar um disco e virar um ídolo ― o talento é coadjuvante, não mais pré-requisito. Também é sintoma de preguiça, acomodação e estagnação do rock. Ainda que haja diversos artistas interessantes por aí, o que predomina é a repetição descarada de clichês, sem qualquer tentativa de mudanças. O triste disso é que muita gente compra essa repetição como "novidade". E, mais, há a defesa desse estilo como "arte suprema". Muitos roqueiros defendem seus gostos com uma aura de intocável, blasé. Calma lá, pessoal. Subvertendo os Rolling Stones: eu gosto, mas é só rock.

Voltando aos "irmãos" listrados. Tosco é a palavra-chave desse texto pela técnica duvidosa de ambos. Não sou defensor da música tocada apenas por músicos profundamente estudiosos, com execução irrepreensível, mas não tolero músico ― de novo ― tosco. No rock há vários exemplos de músicos excepcionais, sem serem tecnicamente perfeitos: nenhum dos Beatles era virtuoso, Jimmy Page sempre dava umas mancadas ao vivo, Jeff Beck é um guitar hero, mas é o que é pela criatividade, não por uma técnica exemplar. Os nomes não páram aqui, todos no mínimo bons instrumentistas e grandes músicos ― isso sim, eu defendo. O White Stripes não tem nada disso e ainda exagera numa podridão com embalagem cool. Qualquer argumento contra é visto como "farofada", tocar bem é coisa de nerd mala, um chato de galochas que teria se perdido no progressivo nos anos 70, um anti-social que prefere ficar estudando música ao invés de ir à balada ― como se isso fosse uma aberração.

Falam que é "genial" só ter guitarra e bateria. Pra mim é preguiça de procurar um baixista ― ou falta de convívio social. O show do Living Colour no final de agosto é a prova de que uma cozinha bem amarrada faz enorme diferença. Aliás, "genial" é a palavra que muitos críticos usam para envernizar a porcaria que é a música do White Stripes, já que a palavra os protege de possíveis detratores, como eu. "Como não gosta? É genial, você que não entende". Tocam um teclado desafinado? "É genialidade". Tocam mal? "Não, na verdade é tudo calculado, o que importa é a 'música'". São marketeiros? "Não, é visão musical". E os "músicos" são tão bons atores que muita gente cai na artimanha.

Quando a referência de genialidade se esgota, também se pode apelar para explicações cheias de descrições complexas e referências a outros artistas ― fantasiar uma obra de arte, que na realidade não existe. São bobagens que tentam justificar o que a banda não é. São chamados de excêntricos, mas são apenas bobos. Como prova a patética apresentação de uma nota só que levou a orgasmos os baba-ovo da banda. O jogo de cena prevalece. Aliás, um grande artifício da indústria da música: embale bem, crie um clima, um frisson, um contexto interessante. Fortaleça a marca, seja blasé, excêntrico, faça qualquer coisa para seu produto se tornar cult. Afinal de contas, não é apenas necessário vender ― e bem: é preciso criar um "conceito".

No mais recente disco da dupla, a faixa título é um bazar de riffs toscamente executados, com um teclado bisonho no meio, tudo isso num tempo errado. Não, não é contratempo, é falta de noção de tempo! Uma união de pequenos rascunhos musicais recortados e colados ― com Pritt por duas crianças da pré-escola. Haja sujeira. Quando a música chega aos 2 minutos há uma mudança de andamento que é ridiculamente forçada e mal aplicada. "You don't know what love is (You just do as you're told)" é horrível. "300 M.P.H. torrential outpour blues", "Prickly thorn, but sweetly worn" e "Effect and cause", maçantes. "Conquest" é uma deprimente repetição de clichês ― é uma sucessão de (poucos) acordes e intenções melódicas que dezenas de roqueiros já usaram para parecerem influenciados por música espanhola. "Bone Broke", "Rag and boné" e "Little cream soda" são até bons rocks, mas além de não trazerem nada de novo ou realmente relevante, apresentam performances tão fracas dos dois "instrumentistas" que comprometem o resultado.

Muita gente disse que o disco é esquisito. Não, é ruindade mesmo. No final das contas, eles regurgitam o que o Led Zeppelin fez ― muito melhor, diga-se ― há 40 anos; mas, ei, em certos meios musicais é bastante feio dizer que o Led é legal. Meg White é uma ofensa a todos os (no mínimo) bons bateristas do mundo. O disco todo é nada mais que ordinário ― na verdade, até menos que isso. Não há nada de novo, apenas reciclagem de fórmulas já consagradas embaladas em papel de jornal amassado.

Apesar de Icky Thump ser um arremedo de canções ruins, execuções primárias, arranjos ridículos e timbres asquerosos, a banda nem me incomoda tanto assim ― afinal, há espaço para tudo nesse mundo, até para a pior porcaria. O que me incomoda é essa "verdade" criada de que é fantástico. Que é a melhor coisa dos últimos anos, quando provavelmente é uma das piores. Tentam mostrar inteligência onde não existe. Querem extrair inovação, criatividade, brilhantismo onde não há. O que me incomoda, mais que a música ruim, é essa unanimidade burra que permeia a mídia atual ― tanto a mainstream quanto a alternativa. É bem possível que o White Stripes entre para a história da música. Mais por críticas equivocadas e histeria coletiva do que por qualidade própria. O caso deles se encaixa bem na famosa frase: "uma mentira contada mil vezes torna-se verdade".

Nota do Editor
Leia também "White Stripes: porque o rock não começa no punk".

Rafael Fernandes
São Paulo, 26/12/2007

 

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