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Segunda-feira, 24/12/2007
Entretenimento dá dinheiro, sim!
Pilar Fazito

"O show não pode parar" e o dinheiro não pode parar de circular




Há mais de um mês, os roteiristas de Hollywood cruzaram os braços, demandando uma participação maior nos royalties pagos por venda de filmes e seriados através de DVDs e da internet.

Talk-shows noturnos, que têm roteiros escritos em cima da hora e baseados nos fatos ocorridos ao longo do dia, foram os primeiros a serem afetados. Foi o caso do Late Show with David Letterman e do Saturday Night Live, que está suspenso desde o dia 3 de novembro e teve boa parte da equipe demitida pela emissora NBC.

As grandes redes de TV exibiram, inicialmente, um estoque de episódios inéditos das séries. Mas como a greve tem se prolongado, os canais aderiram a reprises fora de época e pelo menos sete produções já foram interrompidas, entre elas: Two and a half man, The Office, Til death, The new adventures of old Christine e Desesperate Housewives.

A paralisação de pelo menos 12 mil profissionais segue a determinação do Writers Guild of America (WGA). O sindicato, que anda peitando grandes estúdios e canais de TV, acaba de negar o pedido de liberação dos roteiristas para a escrita dos textos das cerimônias de entrega do Oscar e do Globo de Ouro.

Isso faz pensar que a queda-de-braço entre roteiristas e produtores não deverá terminar antes do Natal, como vazou na internet. A última greve de roteiristas nos EUA ocorreu em 1988 e durou 22 semanas. Com a continuidade da paralisação, os efeitos serão sentidos com mais intensidade a partir de março, quando espectadores chegarem ao limite do bombardeamento de reprises e de realitys shows.

Os produtores de realitys shows, aliás, são os únicos que têm rezado todo dia para essa greve não acabar. Com produção barata, baseada em improviso e total falta de criatividade, o gênero do lixo democrático, inaugurado pelo Big Brother, poderá ser uma das poucas opções de entretenimento ("entretenimento"?!) televisivo.

O calendário cinematográfico também já está comprometido. Com a paralisação das produções, grandes astros do cinema se vêem às voltas com férias forçadas. Johnny Depp, Penélope Cruz, Edward Norton e George Cloney são alguns dos cotados para filmes que não saíram completamente da cabeça dos roteiristas para o papel. Os atores tiveram que por as barbas de molho, à espera da resolução do impasse.

O caso de Brad Pitt é mais grave, já que o bonitão abandonou o projeto do suspense político State of play, da Universal, e deverá ser processado por isso. O qüiproquó se deu porque as alterações de roteiro, estabelecidas num acordo entre o ator e o diretor, Kevin MacDonald, não puderam ser efetivadas.

Mais do que uma simples greve de roteiristas, a paralisação gera um efeito cascata que afeta a indústria do entretenimento e tudo o que depende dela: turismo, anúncios publicitários e empresas de diversos ramos. A cidade de Los Angeles pode perder, sozinha, mais de U$ 1 bilhão com isso.

O fato é que os roteiristas norte-americanos formam uma classe bastante unida e lutam há anos para conquistarem um maior reconhecimento, tanto financeiro quanto autoral.

É claro que há roteiristas de elite, que chegam a faturar U$ 5 milhões por ano, mas a maioria não chega a embolsar U$ 5 mil. Em discussões recentes, os produtores ofereceram uma quantia fixa inferior a U$ 250 por um ano de utilização para cada episódio de série ou programa exibido online. A oferta não foi aceita e não é difícil imaginar o porquê, uma única reprise na TV rende US$20 mil.

Em termos autorais, embora a produção de filmes e séries seja um trabalho coletivo, é comum que produtores, diretores e público acabem se "esquecendo" de quem concebeu a idéia toda. Sem um bom roteiro é praticamente impossível haver um bom filme ou série. Ainda assim, a classe teve que brigar para incluir os créditos do roteiro no início dos filmes, ao lado do diretor e do produtor executivo.

Não só a remuneração de um diretor e de um produtor ultrapassa (às vezes, estratosfericamente) à de um roteirista como os principais prêmios do cinema e da TV são dedicados aos dois primeiros. Isso contribui para que o público guarde na memória o nome de todos os que aparecem, seja na tela ou nos eventos, e sequer imagine quem deu início a todo o processo.

A greve dos roteiristas põe em xeque a auto-suficiência das grandes produtoras, dos canais de TV, de diretores, elenco e equipes de filmagem, de anunciantes, agências de publicidade, empresários que dependem do entretenimento e dos meios de comunicação. Ela desperta a consciência de outros tipos de profissionais que, do mesmo modo, são relegados à falta de holofote. Exemplo disso são os contra-regras da Broadway que, há pouco tempo, conseguiram fechar teatros e deixar todo um país de cabelo em pé só de imaginar a perda econômica que poderia sofrer com a interrupção das temporadas.

A paralisação dos roteiristas mostra, finalmente, que entretenimento (e, eventualmente, arte) dá dinheiro, sim. O entretenimento é uma indústria e o dinheiro gerado deve ser mais bem distribuído para que o show possa continuar. E enquanto ele não continua, a greve continua...

Pilar Fazito
Belo Horizonte, 24/12/2007

 

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