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Quarta-feira, 24/10/2001 A mentira crítica e literária de Umberto Eco Paulo Polzonoff Jr Agora não tem como adiar. O Baudolino (Record) aqui na minha frente, com sua capa azul, algumas anotações ao lado e um texto que insiste em não sair. Estou no limite do limite do meu deadline. Pergunto-me, porém, por onde começar a destruir o mito que se criou em torno de Umberto Eco. É uma constatação tão óbvia, essa, que me trava os neurônios. Ando um pouco pela saleta que me serve de escritório, vou tomar um café e volto para o computador. Bem, um parágrafo está escrito já. Agora tenho de parar de fazer o leitor perder tempo. Começar a escrever sobre o livro. Faço-o, pois, contando a historieta de Baudolino, que a crítica inteira, sem exceções, elegeu já como livro do ano, antes mesmo de sair do prelo. Coisas de marketing, creio, sem querer crer. Bem, o livro de Umberto Eco, o mesmo autor de O Nome das Rosa e O Pêndulo de Foucault conta a história de um menino que mente e assim sobrevive. Grosseiramente é isso. Poderia dizer ainda que este menino se chama Baudolino, nome do santo padroeiro da cidade de Alexandria, na qual Eco nasceu. Poderia dizer ainda que este menino está empenhado em algumas missões, digamos, ilusórias, entre elas achar um reino perdido e encontrar o Santo Graal. Para completar o cenário, Baudolino, por força de sua mentira, vira um conselheiro do Sacro Império Romano, uma espécie de braço direito do imperador. Isso tudo porque, lembrem-se, ele mente. Seria subestimar a inteligência dos meus leitores escrever o que vou escrever agora me achando o mais original dos resenhistas. Estou longe disso. Digo, porém, para que fique registrado. Baudolino é uma alegoria para a força que a palavra escrita, aliada à imaginação, tem num mundo de brutos. É pela palavra que Baudolino se faz e se safa, quando precisa. Pergunto aos meus leitores, contudo: onde está a originalidade de se dizer isso? Umberto Eco faz uma coisa que todo mundo já adorara em O Nome da Rosa: mistura erudição (é como se convencionou chamar hoje em dia um conhecimento que vai um pouquinho além da cultura de massa) com entretenimento. Não sei por quê, os resenhistas acham que isso é assim uma espécie de ousadia pós-moderna. E dá-lhe elogios a Eco. A mim me parece inútil afirma o que afirmo neste texto, contudo, faço-o, antes por tédio do que por achar que vai de alguma coisa adiantar. Umberto Eco é uma mentira, assim como seu Baudolino. Como escritor de ficção, afirmo. Seus ensaios são bastante interessantes e recomendáveis, mas considerá-lo o melhor escritor dos últimos vinte anos, como fez a revista francesa Lire, é algo que extrapola minha capacidade de compreensão. Tenho uma pista, no entanto. Algo me diz que Umberto Eco, assim como Borges, é um destes escritores que todo intelectual sem talento gostaria de ser e, em encantando-os, encanta os resenhistas, que por sua vez admira os intelectuais que não são de fato. Nesta cadeia de encantamento é que se forjam mitos literários que, espera-se, não sobrevivam muito mais a seu tempo. Umberto Eco foi feito sob medida para as faculdades, para os estudantes entusiasmados com digressões sobre a Idade Média, com mapinhas de época. Ora, no fundo, a literatura de Eco, cravada em algum lugar da Idade Média, não é nem mais nem menos que uma história de cavaleiros e damas e ogros e fadas e elfos em bosques e pântanos encantados. Só que tem aquela “aura” de erudição. Dizem que é errado, mas gosto de fazer comparações. E lendo Baudolino pensei na grande literatura de um tempo que não o nosso (ao menos que não o meu). Já naquelas primeiras páginas do romance, que tentam resgatar um italiano original, por assim dizer, numa mistura de dialetos com latim, lembrei-me de Guimarães Rosa, que jamais fez conjecturas sobre a origem do nosso português em seus romances. Apenas escreveu-os, adicionando elementos antigos daqui, modernos dali, inventando acolá. E foi o criador de um universo que não pertence a nenhum período histórico facilmente datável. É um sertão de ontem, de hoje e de amanhã, o de Rosa. Depois, lendo aventuras de Graal e reinos perdidos, pensei em Swift, em como Swift criava alegoria simples sem recorrer a um possível conhecimento sobre eras passadas. Por fim, pensei até em Borges, que, quando não erudito, criava sua erudição — se bem que entediando a alguns, como a mim. Ao fim do livro, cheguei à mais nítida percepção de que O Perfume, de Patrick Süskind, este sim é um grande romance. Porque ri de pretensos homens de saber que popularizam o conhecimento de suas torres de marfim com intrincados jogos de quebra-cabeça detetivescos, numa mistura pseudo-moderna de Agatha Christie com, para usar uma figura brasileira, Houaiss. Olha que boa idéia, para estimular a leitura de dicionários, segundo os preceitos dos romances ecoanos: dicionários que sejam escritos na forma de romance. Um grande romance em muitos volumes, tipo Harry Porter, dividido em capítulos breves que são também verbetes e que vão se costurando através de uma historieta qualquer. Irritante é este lavapé dos resenhistas. Lendo Baudolino e me lembrando principalmente de O Nome da Rosa, pensei em como é badalado o escritor italiano. Os dois romances históricos de Eco não passaram pelo rigoroso (hahaha) crivo da nossa crítica especializada que, numa situação semelhantíssima, sobre o livro de Ruy Tapioca, A República dos Bugres, disse que “o romance histórico reflete certa falta de imaginação do escritor”. Ora, poupe-me. Ainda há o senão do público. Gente que compra Umberto Eco só para cobrir-se de verniz cultural. Eu já cansei de ver estas pessoas e tenho certeza de que o freqüentador assíduo de bibliotecas ou livrarias também. Gente que pede Umberto Eco com pompa de quem está comprando Patek Phillip. Gente que lê Umberto Eco com a pompa de quem tem a Caras na mão. E coisas do gênero. Eco foi feito sobre medida para certa elite econômica que faz questão de virar a cara para coisas infinitamente melhores que aqui mesmo se faz. Ah, sim, mas Umberto Eco é sinônimo de semiologia, não se pode esquecer. E não se pode esquecer também que semiologia, no Brasil, é sinônimo da mais elevada das inteligências, que a nós, leitores pobres e mortais, só é dado o direito de se curvar. O livro de Umberto Eco nada mais é do que um Pinóquio contemporâneo. Cheio de mentirar, frases feitas e uma inteligência mastigada, onde falta sobretudo ironia e sutileza. Um ensaio, em suma, pontilhado por um romance detetivesco. Uma paródia do que se tornou o saber no século 21. Paulo Polzonoff Jr |
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