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Sexta-feira, 28/11/2008 Coisa de menino Ana Elisa Ribeiro DreamWorks Meu filho assiste a Madagascar com tanta alegria que me disse que, quando crescer, quer ser um leão. Depois pensou bem. Não sabe se quer ser o leão ou a zebra. No mesmo dia, fui ao supermercado e vi uns bichos de pelúcia à venda na fila do caixa, do tipo que foi colocado ali para a compra por impulso. Fiquei hesitante entre a zebra e o leão. Na dúvida, achei mais edificante que meu filho crescesse pensando em ser leão. Sabedoria infantil Meu filho me disse que sonho é quando a gente pensa enquanto está dormindo. Psicologia infantil Ele me disse que arrumaria o quarto onde havia feito uma imensa bagunça. Não arrumou. Falei pra ele que não o aceitaria na minha cama de madrugada. Funcionou. Trocas Ele me vê diante da tela do computador por horas a fio. Chega perto, pede papel e caneta para "escrever", canta, traz dúzias de carrinhos para brincar atrás da minha cadeira, faz perguntas. Quando ouve a impressora imprimindo, pergunta: Mais um livro, mãe? Final de semana Mesmo quando é sábado, preciso sair para trabalhar. Ele já entende que se não vai para a escola, eu também não deveria ir. Mas por que será que eu vou? Posso ir também? Me leva? Não, lá só tem menino grande. Ah, mas eu sou grande. Ó. E mostra o meio metro que tem. Brigas Quando está com raiva de mim, ameaça: Você não vai ser mais minha namorada. Só vou namorar meu pai. Outro dia, com o maior amor do mundo, disse pra mim, olhando nos meus olhos e acariciando meu cabelo: Mãe, quando eu crescer, vou ser mulher. Resenha Outro dia, ganhei um CD. Era um disco de uma cantora mineira. O trabalho dela é para o público infantil, então não me senti totalmente autorizada a escrever sobre as canções. Pus o CD para tocar no carro, principalmente na hora de levar Dudu para a escola. E ele foi me dando dicas. Gostava de uma canção, estranhava a outra, inquietava-se, fazia perguntas interessantes e interessadas. Percebeu sons, instrumentos diferentes, disse que queria ser guitarrista. Deus conserve. Fiz a resenha em co-autoria. Dudu já cresce crítico. Índice Outro dia, soltou mais esta: Quando eu crescer, vou tomar cerveja. Polícia Outro sonho para quando crescer: quero ser polícia. Primeiro eu vou ser grande, depois vou ser polícia para matar todo mundo. Sábio. Paquera Ele disse pra prima dele que vai namorar a mim e a ela ao mesmo tempo. Depois, a lista cresceu: Vou namorar você, minha mãe e a Duda (coleguinha de escola). A prima respondeu: Se você conseguir... Leituras Eu resolvi ir até a cozinha com os originais do meu próximo livro de poemas na mão. Comecei a ler em voz alta para o pai dele. Mas Dudu aperreou. Mãe, lê pra mim, não pra ele! E gostou de ouvir os poemas declamados. Sorria e dizia: que bonito. Nunca terei leitor assim. Nunca. Marcas Ele reconhecia a marca do Itaú desde bebê. Na casa dos avós, só há dois tipos de carro: Vocêvaguen e Chebolé. Tá certo. Grama Quase nunca o levamos para viajar. É que a gente sempre pensa que vai tirar umas férias. Aquele "Ô mãe" insistente, o dia inteiro, a cada milésimo de segundo, deixa a gente meio doida. Mesmo quando ele não está em casa, escuto a vozinha de todo canto me chamando. Ultimamente, ele resolveu me chamar pelo nome. Não grita "mãe", mas "Ana" também é curto e também tem esse poder de encher a paciência. E então preferimos deixá-lo na casa da vovó quando viajamos. Não se trata de maldade, nada disso. Os pais sabem bem do que estou falando. Mas aí, dia desses, íamos fazer uma viagem curtinha, de um dia pro outro, para São João del-Rei, aquela cidade tão gostosa e tão aconchegante. Resolvemos levá-lo. Uma espécie de teste de aptidão para crianças que não viajam. No caminho, ele viu montanhas, imensas montanhas muito verdes. Tempo de chuva, o mato viçoso, montanhas cor de desenho animado. E ele disse: "Mãe, nunca vi tanta grama!". Tive pena. Menino de cidade acha isso ficção. Terror O filme era horroroso. Cabeças rolavam, pescoços partidos, ossos à mostra, sangue vermelhão escorria pelo azulejo, mulheres escalpeladas e quase peladas, homens sem pedaços, olhos esbugalhados, meleca. O garotinho ficava bem na frente da tevê, chupando o dedo, com aquele travesseiro de estimação pendurado na outra mão. Olhava calmamente para as cenas de nojo. Tentei proteger. Pensei que fosse minha missão perguntar: "Você não está com medo?". Ele, com cara de óbvio, disse: "É só um filme, mãe.". Presente de grego Quando é aniversário de algum coleguinha, a escola envia bilhete uns dias antes, dizendo que vai ter festa. Custei a entender que era preciso levar presente. Comprei um saco grande cheio de bugigangas para ter sempre à mão um agradinho para os pequenos. São crianças de 1, 2, 3, no máximo 6 anos. A escola é pequena, dessas de bairro, onde os meninos e meninas são alfabetizados com calma, as professoras são carinhosas e há horta. Meu filho entra lá sem nem se despedir de mim, reluta em sair quando vou buscá-lo e pede para ir até lá nos finais de semana. Deu para sentir? Pois é. Então tinha festinha dia desses. Aniversário do Davi, 4 anos. Abri o saco de presentinhos e meu filho correu para ajudar. Disse que queria escolher o que dar. Eu resisti. Procurei um pacote de cuecas M. Achei também um conjunto de canetinhas hidrocor. Tirei de lá, como um Papai Noel, um jogo de resta 1. Dudu não estava satisfeito. Queria um brinquedo. Essas coisas não precisam ser caras, elas têm que ser vivas. Cansei de ver menino feliz com brinquedo de 1 real. Feliz com carrinho de 5 reais. Ganhar brinquedo caro e gostar mais da caixa. Criança sabe muito mais do que adulto besta. E aí tirei de dentro do saco uns livrinhos. Acabei de comprar no Salão do Livro. Coisa boa. Guardei para dar de presente a meninos que pudessem curtir, ao menos aprender. Quem sabe a mãe lê para eles? Mas Dudu, muito preocupado, me disse: "Mãe, se eu der livro pro Davi, ele nunca mais vai ser meu amigo". Massinha Dia desses, fomos almoçar no shopping. Não que o restaurante ou o ambiente fossem especialmente bons, mas o garotinho curte aquela confusão. Ao lado do restaurante tem uma daquelas lojas de jogos, fliperamas e o escambau. É lá que Dudu curte passar uns minutos. Finge que sabe dirigir, sobe nas motos, escorrega, tira bolinhas das máquinas caça-níqueis e dá socos com luvas de boxe. Todo o almoço é resolvido à custa de muita chantagem. Dizem os médicos e os psicólogos que isso não se faz, mas eles também fazem isso às escondidas. Come a batata, engole o franguinho, olha o arroz, bebe o suco logo. Depois disso, tem carrinho e até caça ao jacaré. Lá pelas tantas, o menino entrou embaixo da mesa. Ninguém mais tira de lá. Vem aqui comer feijão, sô. Não vou. E os pais se esqueceram de olhar, afinal, ninguém é de ferro. Também se almoça no mundo dos adultos. Mas, de repente, a mãe nota que o menino, embaixo da mesa, está muito quieto. Meu Deus, o que é que esse garoto está arrumando? Dudu, está tudo bem aí? Por que é que você está tão quietinho, meu filho? Vale a pena separar num outro parágrafo: ― Mamãe, é que aqui embaixo está cheio de massinha pra eu brincar. Ana Elisa Ribeiro |
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