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Sexta-feira, 9/5/2008
Ao leitor, com estima e admiração
Ana Elisa Ribeiro

Cheguei atrasada. No entanto, foi divertido correr pelas esquinas da cidade em direção à livraria. O dia estava especialmente claro. Nem sombra de chuva. Uma brisa aveludada soprava sem escarcéu. Corri do elevador do prédio em direção ao centro da capital. Rua Sergipe, rua Antônio de Albuquerque. Era fácil. Quase em linha reta. Não cheguei a suar. Minha bata estampada nova me dava ares de quem ia para um piquenique. A bolsa pesada, cheia de papéis, incomodava um pouco, mas a cor de um céu inédito me distraiu. Com tanto edifício era difícil encontrar o sol, mas ele nem precisa de frestas grandes para aparecer. Virei a esquina com um susto no peito. Era o lançamento do meu livro, o terceiro, uma nova empreitada, agora com mais história para contar.

Antes que eu alcançasse a escadaria, vi minha mãe, meu marido, meu filho e minha irmã chegando antes de mim. Nem me deu remorso. Cheguei a tempo de ver as pessoas queridas procurando por mim na paisagem da livraria. Logo dali, ao pé da porta, ouvi um burburinho. O medo da véspera não se confirmou. Passei a noite sonhando que não iria ninguém, que os convites extraviaram, que os e-mails foram bloqueados, que éramos eu e meu livro de poemas. Mas ali estavam meus primeiros convidados: os familiares.

Não eram muitos. O feriado da semana passada atrapalhou a festa. Eram aqueles que receberam e-mails e outros que lêem os jornais diariamente. Um tanto assustados, me cobravam por não ter dito nada antes. Não sabiam que livros de poemas estão sempre sendo escritos. Não é como outras coisas. Não é necessário ter tempo para escrever obras poéticas. É diferente. E então me abraçavam, já com seus exemplares nas mãos, às vezes mais de um: vou dar de presente, vou guadar porque, da outra vez, roubaram o meu.

Atarantada. Não sabia direito onde me sentar. O gerente veio logo me dirigindo: sua mesa é esta. Em cima dela, um buquê de rosas vermelhas colocado pelo marido escritor. Era como ter mais um filho, menos doloroso, certamente. Há quanto tempo não ganho flores. Desconcertada. Aturdida. Sem olhar direito as pessoas. Sentei-me em uma mesa de tampo espelhado. Sempre que dava um autógrafo, via meu rosto de frente para mim. É mais ou menos o que faz a escrita quando ela vem.

Os primeiros a chegar estavam em outra sala, comendo pães de queijo. Não poderia ser outra coisa. Os parentes liam poemas aos sorrisos. Diante de mim, os primeiros amigos. Eliane e Luís chegam juntos, coloridos, animados. Luís vem logo perguntando: aquele poema do Suplemento Literário está aqui? Digo que não. E explico: aquele foi realmente uma edição especial, é para ser raridade. Ele lamenta, mas soluciona rápido: Então ponha no próximo livro. Então leio ali nas entrelinhas: ele quer que haja o próximo. E mais: ele sabe que haverá.

As pessoas iam me dizendo que me viram estampada nos jornais. Os amigos dos meus pais, os ex-alunos, os amigos da infância e da adolescência. Então fico agradecida aos jornalistas que colaboraram. Desta vez foi diferente. Eu sabia que estaria naquelas páginas. Desta vez, não me chamaram de "jovem poeta". Acho que conquistei algum respeito. O terceiro livro, os 33 anos de idade, os 11 anos de publicação insistente, a poesia lida em grandes eventos, o diálogo com outros escritores. Desta vez fui "a poeta mineira", não mais a iniciante, não mais a imprecisa menina. Desta vez mudei o jeito do título do livro. De Poesinha para Perversa já havia sido um pulo. Agora a Fresta por onde olhar me dava mais impulso. A certeza de não querer uma editora. A tranqüilidade de que poderia fazer sozinha. A direção do projeto editorial. A supervisão de todos os passos. A visita à gráfica. Os convites. Aí está: o livro se pagou. Porque poesia vende, sim, quando ela é legível. Quando as pessoas vão atrás do livro porque pareciam estar esperando por ele.

Meu amigo apresentador de tevê me xinga porque lhe fiz uma dedicatória chamando-o pelo nome, não pelo apelido. Foi deslize. Foram tantos Eduardos. Nem vi. Aliás, alunos, ex-alunos e colegas de trabalho. Todos sorridentes, desejando sucesso ao livro e à autora. Orgulhosos, ao menos os presentes. Quem não consegue ir, não vai.

Tantos poetas. Tantos contistas. Todos juntos. Enfim, senta-se à minha frente um homem bonito e simpático. Pede um autógrafo e me entrega o livro. Quando abro a capa, está ali a fichinha com o nome do leitor: Ronaldo Cagiano. Mal acredito. Depois de tantos anos (ao menos 6) por correspondência, depois de tanto desencontro, está o escritor e crítico (antes de Brasília, agora de São Paulo) bem ali na minha frente. Além dele, Luis Giffoni, que me elogia pela coragem de encher um café-livraria no sábado de manhã. Bom saber.

Os professores da minha vida de faculdade chegam em horários próximos. Um deles me abraça apertado. Mostro logo que a dedicatória impressa no livro tem o nome dele. É para você, Milton. Uma coisa os olhos dele cheios de emoção. Para quem gosta de palavra e de livro, este é o maior presente que alguém pode dar. Quando me dão poemas em livros, quase morro. Não morro porque, justo ali, fico meio imortal. Luiz Edmundo é um dos poetas que me deixou presa entre as páginas de seu último livro. Logo ali, na mesa espelhada, o poeta Milton Pontes vem me ler, ao pé do ouvido, um poema que me fez. Morri menos ainda.

Chegam mensagems pelo celular. Não posso atender. Diante de mim, uma fila impaciente. Não são aposentados nem pensionistas. São leitores do meu poema meio cru. Estão ali porque querem meu abraço. Não estava fácil me levantar. A caneta às vezes falhava. Fazer quase uma centena de dedicatórias à queima-roupa não é fácil. Nem é pra qualquer publicitário.

Meus ex-alunos são um capítulo à parte. Vêm com sorrisos e dúvidas: será que ela se lembra de mim? O nome nem sempre vem, mas os rostos me são completamente conhecidos. Annie e Amanda não são minhas alunas. São estudantes de uma escola muito boa e fazem, lá, a bela revista Carpe Diem, com a supervisão dos professores. Fizeram de mim, faz pouco tempo, um perfil. Estavam ali para comprar o Fresta... e vinham felizes porque já sabiam o que iriam ler. Traziam um amigo. Traziam iluminações.

Meu filho não entende nada: Mãe, o que você está fazendo aqui? Eu dizia: lançando um livro, meu amor. Ele dizia: posso dormir aqui no seu colo? Eu permiti. Enquanto eu me desfiava nas dedicatórias aos meus amigos, meu filho dormia no meu colo, quase embaixo da mesa. O livro e o filho. A árvore eu plantei quando era bem pequena, na porta da casa dos meus pais.

Várias pessoas não me conheciam direito ali. Eram leitores. Leitores de verdade, desses que conhecem a gente por meio dos livros anteriores, de declamações, e vêm caminhando junto com a gente para todo canto. Um deles virou amigo mesmo. Trazia livros para que eu autografasse e os jornais para me dar. Pediu um copo d'água para que eu não tivesse sede. Depois dele, outros.

O garçom me pede que vá a outra mesa. Dizem que querem me conhecer. Uma mulher, acompanhada do filho e da nora, me pede um autógrafo. Fiquei na dúvida se a conhecia. Será que me esqueci? E ela me explica: li sobre você no jornal, hoje. Gostei tanto que pedi a meu filho para me trazer. Só queria conhecer você.

A festa começou às 11h. São 16h30 e ainda não almocei. Os poetas também têm estômago. O corpo parece leve. A água me sustenta. Às 17h, tenho coragem de pedir um prato. Às 18h pude ir embora, depois dos parabéns do livreiro e do tchauzinho a uns convidados que ficavam bebendo cerveja. Lá na rua, quase depois de virar a esquina, escuto os passos apressados de uma adolescente. Ela vem afobada com meu livro nas mãos: por favor, escreve aqui pra mim. Não me lembrei dela. Saquei a caneta cansada e perguntei: Qual é seu nome? Ela disse. E contou que soube do lançamento, achou que não chegaria a tempo e então correu para a livraria. Teve uma decepção quando entrou no lugar e o garçom disse: ela já foi. Mas ainda me viu andando pela rua, quase virando a esquina e sumindo pela cidade. E ela vinha feliz, aliviada de encontrar a poeta de fim de tarde. A dedicatória foi animada tanto quanto a primeira do dia. Leitor é alguém que deve e merece ser muito bem tratado. Ela me abraça. Vou embora.

Abri a porta de casa com o sono entre as pálpebras. Deitei sem nem tirar o relógio do pulso. Os livros que restaram ficaram atrás da porta da sala. Será que dá azar? Dormi como dormem os poetas cansados. Este tipo de extenuação deixa a gente emocionado como o diabo.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 9/5/2008

 

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