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Segunda-feira, 12/5/2008
No meio do caminho: 80 anos
Cristiane Carvalho

No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Em 2008, o mais enigmático poema de Carlos Drummond de Andrade completa oito décadas de publicação. De 1928 pra cá, a fortuna crítica de "No meio do caminho" é, sem dúvida, maior do que a de qualquer outro poema brasileiro. Contudo, diante de tantas especulações, ainda não foi encontrada resposta satisfatória para o enigma da pedra, e talvez daí venha sua inegável grandeza para a história da literatura nacional.

"No meio do caminho" foi publicado no terceiro número da Revista Antropofágica, um dos veículos-símbolo do Modernismo brasileiro. Vamos lembrar que Drummond era amigo epistolar do fabuloso Mário de Andrade, nada mais nada menos que o pai do Modernismo, que disse ser o poema um grande exemplo de cansaço intelectual. Um eterno cansaço, pelo visto, pois as pessoas, até hoje, ficam "fatigadas" tentando descobrir o que há por trás do poema.

Tanto já se falou sobre "No meio do caminho" que não é necessário cair na tentação de analisá-lo. O fato é que ele entrou para a vida cotidiana das pessoas e até o não-leitor conhece a expressão "no meio do caminho tinha uma pedra". Num país onde se lê pouco, realmente é uma conquista, em termos de popularidade, por parte de um poeta gauche que teve a coragem de enfrentar a crítica da época, quando ainda não era reconhecido.

Arnaldo Saraiva escreveu excelente prefácio no livro Uma pedra no meio do caminho ― biografia de um poema, cuja seleção e montagem foram feitas pelo próprio Carlos Drummond e editado em comemoração aos 40 anos da publicação do poema.

Para se ter uma idéia do teor do livro, transcrevi, abaixo, um dos comentários, publicado originalmente no Correio da Manhã, intitulado "Contra-a-mão. Os nossos atuais gênios poéticos". Data: 26 de agosto de 1938. O autor é Gondin da Fonseca e encontra-se nas páginas 32 e 33 do volume citado:

"Os nossos gênios poéticos atuais são todos mais ou menos como esse malfadado Carlos Drummond, que penetrou agora no Templo da Imortalidade conduzido pela mão do Sr. Manuel Bandeira e levando na cabeça a pedra sobre a qual burilou esse inimitável poema que há dias transcrevi e que hoje torno a transcrever, alucinado de entusiasmo:

Tinha uma pedra no meio do caminho.
No meio do caminho tinha uma pedra.
Tinha uma pedra:
Nunca me esqueceu este acontecimento,
Que se gravou na minha retina fatigada!
Tinha uma pedra no meio do caminho.
Tinha uma pedra!
No meio do caminho tinha uma pedra!


Se esse patusco morasse aqui para as minhas bandas não compunha apenas uma breve poesia: elaborava um longo poema em vinte ou trinta cantos, pois o material de sua inspiração é nesta zona abundantíssimo depois que a Light deliberou transformar as ruas em escombros a fim de mudar os trilhos dos bondes. Há pedra no caminho que não acaba mais! Dezenas, centenas, milhares! Os poetas antigos eram muito mais interessantes que a maioria dos de hoje. Ainda anteontem, domingo, eu reli, deliciado, alguns versos encantadores de Luis Delfino e dei depois uma boa gargalhada quando mentalmente os comparei à pedra de Drummond.

Ela andou por aqui; andou: primeiro
Porque há traços de suas mãos; segundo,
Porque ninguém, como ela, tem no mundo
Este esquisito, este suave cheiro.


[...] Hoje não se rima. Um cabra vai pela rua, tropeça por exemplo numa casca de banana, papagueia a coisa umas quatro ou cinco vezes e pronto! Está feito um poema:

Eu tropecei agora numa casca de banana.
Numa casca de banana!
Numa casca de banana eu tropecei agora.
Caí para trás desamparadamente,
E rasguei os fundilhos das calças!
Numa casca de banana eu tropecei agora.
Numa casca de banana!
Eu tropecei agora numa casca de banana!"


Por fim, a pergunta que não quer calar: passados mais 40 anos de fortuna crítica, por que não pensar numa reedição comemorativa do 80º aniversário?

E você? Já parou para pensar qual o significado do poema?

Cristiane Carvalho
Santos, 12/5/2008

 

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