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Terça-feira, 23/10/2001 Uma encantadora imbecilidade Eduardo Carvalho "Saiba como aproveitar a estupidez. Aquele que se faz de bobo não é bobo." (Baltazar Gracian) Você pode achar que beisebol é um esporte inventado por e para americanos assistirem enquanto bebem cerveja quente, se lambuzam de frango e são traídos pelas suas mulheres. E ele é. Mas como tudo que é complexo, o beisebol, apesar de ser simples, não é só isso. Explico: o esporte é mesmo muito simples - mas o motivo que o faz tão popular, ao menos nos Estados Unidos, não é. Apesar de entreter tantos adultos, o beisebol deve ter sido inventado por crianças, e deveria ser jogado apenas por elas. O exercício de se tentar acertar uma bola com um taco pode até desenvolver alguma habilidade motora em uma criança de oito anos, mas é difícil acreditar que a repetição desse mesmo movimento entretenha um adulto civilizado. E é preciso, ainda, uma imaginação infantil para acreditar que na próxima tentativa, enfim, vá acontecer alguma coisa de diferente. Durante três horas, o jogo, com pequenas variações, continua o mesmo: dificilmente uma boa rebatida se desdobra em uma jogada, digamos, interessante - e, mesmo que isso aconteça, não dura mais do que alguns segundos. Somados, os poucos instantes que poderiam ser emocionantes não compensam o resto, e o risco de perdê-los quando já não se esta mais prestando atenção no campo ainda é alto. Para prestar atenção no campo ou não, porém, os americanos continuam lotando suas arquibancadas. Se o esporte já não é lá dos mais dinâmicos, assistí-lo pela televisão, em que a câmera é surpreendida pelas poucas rebatidas inesperadas, fica insuportável. Futebol americano pode ser o esporte mais chato do mundo, mas é perfeitamente adequado à transmissão televisiva. Beisebol, não. A quem realmente se interessa pelo esporte ou a curiosos desocupados, resta, então, ir ao estádio. Lá, pelo menos, apesar de ser o óbvio pretexto, não é o jogo que importa. É a festa. Nas noites de dia de semana, todos os jogos do New York Yankees no Yankes Stadium, no Bronx, estão lotados. Famílias inteiras se sentam ao lado de grupos de estudantes, velhinhos que não desgrudam o rádio da orelha se misturam com meninas que vão ver o jogador bonitão, executivos engravatados trocam observações com negrões carregando brilhantes correntes no pescoço, o chinês entregador de pizza, que foi sozinho, arruma companhia comentando o jogo para o casal ao lado. Se você se sentar em um bom lugar, pode ter a sorte - ou azar - de se sentar ao lado do Bruce Springsteen, e mais tarde, quando voltar pra casa, descobrir que o próximo entrevistado do David Letterman é aquele magrinho que estava sentado na sua frente, campeão do Tour de la France de bicicleta. Em Nova York, o Yankees é unanimidade. Seu símbolo, o "N" e o "Y" entrelaçados, é ubíquo na cidade estampado em adesivos nos carros, camisetas, jaquetas e muitos bonés, e no resto do mundo é praticamente símbolo da própria cidade. Não é à toa que, mesmo jogando um esporte tão monótono e provinciano, o Yankees ainda seja, entre todos os esportes, o time mais popular do mundo. É natural que um jogo do Yankees seja, mesmo para quem não gosta da festa, uma grande festa. Pode ser que ela seja imbecil. E, em grande parte, ela é. Durante as aproximadamente três horas de jogo, não ha sequer um comportamento espontâneo da torcida: todos os seus movimentos são controlados por um telão e seus apitos. Se aparece nele uma mão batendo palma acompanhada por uma irritante buzina, toda a arquibancada, como chipanzés em um laboratório, bate palma, sorrindo. Se no telão aparece escrito "Charge Yankees!!", todo mundo grita, imediatamente, "Charge Yankees!". Ou, quando varia, "Go, Yankees, go!". E o Yankees, aos poucos, vai. Depois trocarem sete vezes de arremessador, os times fazem um intervalo. Os empregados que rastelam o campo entram, a arquibancada se levanta e, liderada pelos cinco rasteladores, começa a dançar a coreografia de "YMCA". São mais de cinqüenta mil pessoas, do vovô ao netinho, movimentado os seus braços, como os do chipanzé incomodado pelas suas pulgas, para acompanhar a música e os cinco rasteladores de boné laranja. Realmente, não há nada mais imbecil. Mas há algo de puro e de encantador quando a imbecilidade é plenamente assumida. Os jogos costumam acabar lá pelas nove e meia da noite, mas muita gente vai embora um pouco antes, preocupada com o congestionamento da Yankees Stadium Station. No céu, a lua está cheia, e a brisa, porque a estação é aberta, refresca a plataforma. Esperando o trem para voltar pra casa, a loirinha judia conversa com o latino de boné para o lado, o avô faz sua análise do jogo para o neto, os amigos de faculdade, hoje trabalhando em lugares diferentes, escolhem um bar para estender a noite. Do estádio, começa a se ouvir Frank Sinatra cantando "New York, New York", e fica-se sabendo que o Yankees, enfim, ganhou. Difícil um clichê maior, uma cena menos criativa - mas é entre o repetitivo e o óbvio que a civilização, como o beisebol, diverte e encanta. Eduardo Carvalho |
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