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Sexta-feira, 30/5/2008 Igual, mas diferente: a Bienal de Minas Ana Elisa Ribeiro Tem lugar de sobra para parar o carro. Esta foi a primeira coisa que pensei quando soube que a Bienal de Minas (a primeira) seria no Expominas. Trata-se de um imenso espaço, cheio de pavilhões, onde são feitas as festas e feiras de grande porte. Estacionamento para centenas de veículos, sob a guarda de uma empresa privada, claro. No caso da Bienal, R$ 7,00 pelo tempo total de permanência. Caro para os padrões belo-horizontinos. Talvez para qualquer padrão. De qualquer forma, muito mais confortável que o... Salão do Livro. As comparações são inescapáveis. Salão? Não? E quanta gente ainda acha que o Salão tomou Biotônico e se tornou a Bienal? Difícil desvencilhar uma idéia da outra. No fundo, uma coisa fica clara: o Salão é uma festa querida das pessoas. Mesmo sem perceber, todos já haviam se acostumado com ela. Bom sinal. O Salão do Livro e Encontro de Literatura continua lá. Não mais com esse nome, mas na mesma época e sob as asas da Fundação Municipal de Cultura. A Bienal é outra coisa, com a Câmara Mineira do Livro e a produção logística experiente da Fagga, empresa carioca que faz outras bienais. Já fui a várias bienais no Rio e em São Paulo, mas não me lembro mais se são muito diferentes desta daqui. A produção e a propaganda agressiva parecem idênticas. Cartazes e dizeres nos ônibus, na televisão, no rádio, na rua. Não há como escapar. A Bienal está em todos os cantos, divulgando os nomes de escritores que aparecem por lá. Convite Há meses, começaram os contatos. Fui convidada para participar. O trelelé de bastidores começou quando algumas pessoas me questionaram sobre por que aceitei o convite mesmo sem cachê. Fazer o quê? Estou em casa. Se fosse em outro estado, é claro que eu não toparia. Mas em casa, não me custa nada. A mordomia até existe, mas o cachê, de fato, não. Ganhos não se medem só assim. Não é mesmo? Acabei ficando em uma mesa do Café Literário junto com o Affonso Romano de Sant'anna. Para discutir o processo de criação? Não. Para falar ds amor e paixão. Não sei nada sobre o assunto, mas talvez seja engraçado tentar o diálogo sobre essas encrencas. No fundo, meus livros de poesia são todos sobre isso, de uma maneira ou de outra. A ida Pensei que só fosse até a Bienal no dia da minha participação, assim mataria todos os coelhos juntos, mas um jornalista me pediu uma entrevista bacana. Ele queria passear comigo pelo pavilhão e colher minhas observações. Não apenas como participante do evento, mas, principalmente, como pesquisadora da leitura. E fomos nós. Num final de tarde, véspera de feriado, estacionei meu pé-de-boi bem na porta do pavilhão. Não houve sequer disputa pela vaga. Tudo fácil, desde que eu me dispusesse a pagar R$ 7,00 pela permanência. E eu me dispus. As idas anuais ao Salão do Livro só aconteciam depois de muito me debater contra a preguiça que tenho pela região em que ele acontece. A Serraria Souza Pinto, em Belo Horizonte, é um espaço lindo, mas em uma região central, em que é difícil estacionar e amedrontador andar a pé. A Linha Verde e as reformas da Praça da Estação melhoraram muito o ambiente, mas não chegaram a criar vagas para carros. Catracas emperradas As portas imensas de vidro transparente são imponentes. Uma espécie de templo, com pé direito muito alto e potentes lâmpadas embutidas. Um amplo sagüão cujo chão brilha, seguranças postados em todos os cantos, catracas para os visitantes. Não havia fila, talvez porque ainda fossem 17h de um dia comum. Encontrei logo o jornalista, que me esperava de azul bem no meio do sagüão. Dirigimo-nos aos guichês e tive dúvidas sobre a abordagem: eu poderia entrar como convidada ou como professora. Em ambos os casos, não pagaria ingresso. Eis mais um ponto interessante: a Bienal cobra R$ 6,00 de entrada (além daqueles R$ 7,00 lá de fora). Não me parece muito motivador cobrar tão caro pela entrada em uma feira que deveria ser gratuita, principalmete quando tem o Estado envolvido. Mas... o que fazer? As pessoas acabam indo, porque ir à Bienal é legal. Tentei primeiro dar a "carteirada" de professora. A menina do guichê me pediu meu contracheque. Respondi com minha carteira funcional. Pensei que fosse o suficiente. Que nada! Ela sacou de dentro do balcão um formulário grande, cheio de quadrinhos, para que eu preenchesse antes de entrar. É claro que desisti no mesmo instante. Entrei logo no guichê de convidados, onde talvez não precisassem me cadastrar. A mocinha que atendia era a mesma. Ela só trocou de lado e veio me perguntar se eu era convidada. Respondi que sim. Ela reagiu pedindo minha carteira de identidade. Ora, vejam só. Será que eu poderia estar mentindo? Vai ver que é golpe novo. Esse pessoal é muito experiente. Devem saber o que estão fazendo. Entreguei meu documento e ela conferiu no computador. Em seguida, imprimiu uma etiqueta com meu nome e um código de barras. Com ele, eu teria, enfim, acesso ao "mundo mágico" dos livros. Que nada! A moça me disse que não tinha mais crachás e me pediu que pregasse a etiqueta na blusa. Nem pensei duas vezes. Não preguei. Era uma blusa de linha cujos fios se soltavam facilmente. O jornalista, ao perceber meu constrangimento, pediu à moça que visse melhor entre os crachás se não havia unzinho de convidado. E ela, com cara de poucos amigos, resolveu procurar. Debaixo do balcão, encontrou logo um, onde colou minha etiqueta. Passei pelos seguranças e guardei a suada credencial. Confesso ter ficado com medo de me barrarem antes do evento. Imaginem! Uma convidada que tem dificuldade de entrar. Vai saber. Corredores e tapetes vermelhos Amplos corredores, estandes espaçosos, pouca gente, som ambiente. Foi o que deu para ver logo na entrada. Inevitável comparar com o Salão. Os nomes conhecidos das editoras se repetiam todos ali, quase na mesma disposição. A diferença fundamental: espaço. Enquanto a Serraria quase não cabia livrarias e pessoas, o Expominas é generoso nas dimensões. Conforto, é isso. Neste sentido, bem melhor. Ar, inspiração e expiração, braços abertos, sacolas nas mãos, nada atrapalha. O que menos vimos foi gente dentro dos estandes. Com exceção daqueles mais "curiosos". No estande dos menores livros do mundo, muita gente apinhada para ver a gracinha. Não sei se compram, mas acham "bonitinho". No estande odontológico (!), livros sobre dentição, álbum para colar os dentes-de-leite e escovas de dente que marcam o tempo da escovação. Fantoches, bonecos, livros-objeto. Mais uma vez, assim como no Salão, ênfase nos estandes de literatura infantil e nos livros espíritas. O jornalista me pergunta: o que você acha? Nem é necessário achar nada. São justamente os segmentos que mais vendem. Onde estão as pessoas? Andamos livremente pelos corredores, em cima dos tapetes. Dava para tomar café de pé, assinar cheque e até para a bebê engatinhar. De repente, uma fila longa partia de uma porta de vidro. Era a platéia que queria ver Rubem Alves. Fácil de explicar. Com ele, segundo a programação e não me perguntem por quê, Zeca Camargo. Chegada a hora da mesa, a porta de vidro se abriu e só permitiu a entrada de 120 pessoas, a capacidade máxima do auditório. Os tantos outros indivíduos que ficaram de fora logo formaram um grupo ruidoso. Começaram uma ladainha contra a organização da Bienal, vaias, gritos, assobios. A moça do microfone anunciou a ampliação da capacidade da sala para 150 pessoas. Outros tantos continuaram de fora, apesar de terem pago os mesmos R$ 6,00 para estarem ali. Agora era para valer. 150 pessoas e acabou-se. A turma da fila gritou, vaiou mais, disse "Rubem Alves, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver" e fez coro com "Que defeito! Que defeito!". De nada adiantou. Para quem estava fora da fila, foi muito divertido. O jornalista anotava tudo no bloquinho e eu, entre as minhas impressões sobre a Bienal. Onde mais havia gente? Mesmo que fosse para ouvir, pela enésima vez, Rubem Alves falar. Em outro espaço, jovens apinhados em uma arquibancada simpática ouviam uma trinca de mulheres falarem sobre "A iniciativa agora é delas?". Claro, a Arena Jovem, mais apropriada para teenagers. Patrocinada por uma universidade privada, a arena discutia temas que me pareciam repisados quando eu lia a Capricho nos anos 1980. Sei lá, de repente as jovenzinhas ainda não sabem o que é a festa da Maria Cebola. De qualquer forma, a conclusão era fácil: filas e gente só aconteciam onde estavam os eventos. A venda de livros talvez fosse coadjuvante nesta história. Nesse sentido, o Salão do Livro e a Bienal são muito parecidos. Mais comércio do que cultura, mais confusão do que consumo, mas footing do que leitura. Isso provavelmente não tem relação com os organizadores de uma ou de outra feira, mas com o público que vai até elas. No saldo, o estacionamento e o espaço da Bienal são muito mais confortáveis do que os do Salão. Além disso, a Praça de Alimentação também faz diferença. Se bater fome depois de dar um rolé, na Bienal sobram mesas e cadeiras, além de haver opções sem fumaça. No Salão as coisas são mais apertadinhas. Quanto custa? E a relação custo/benefício? Melhor começar da conclusão: vale a pena ir à Bienal e também vale a pena ir ao Salão do Livro (que se chama, atualmente, Encontro das Literaturas). Não é questão de vá ou não vá. A questão é medida por outros critérios. O que a Bienal tem de bom? Estacionamento, espaço de sobra, praça de alimentação grande, saída e chegada fáceis. O que pode desanimar você de ir à Bienal? Não é muito perto do centro da cidade, custa um ingresso de R$ 6,00 mais os R$ 7,00 de estacionamento, se for o caso. O que a Bienal e o Salão do Livro têm em comum? Os mesmos estandes, os mesmos descontos ruins nos livros e os eventos culturais. É curioso que a Bienal se utilize mais daquele artifício marketeiro de chamar estrelas pop para sustentar mesas em que a outra parte não é pop. Nesse sentido, o Salão é mais autêntico, mais mineiro, mais "literário". De qualquer forma, vale a pena experimentar a Bienal e querê-la novamente, sem concorrência com nosso querido Salão. Segundo um dos chefões da Câmara Mineira do Livro (em conversa de corredor comigo, meu ex-chefe em uma editora), todas as metas do plano da Bienal foram alcançadas e superadas. Inclusive o público, que, ao que parece, foi 50% maior do que o público do Salão do Livro. E a quê se atribui isso, mesmo pagando para entrar? Disse ele, peremptório: conforto e segurança. Não pude discordar. Carochinha estava certa Certa vez, me disseram que se eu quisesse um público bacana, deveria escolher um lugar também bacana para produzir meu evento. Lembro que falávamos mais especificamente de tamanho do espaço. A Bienal deve ter pensado assim. Ana Elisa Ribeiro |
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