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Sexta-feira, 18/7/2008
Sabe-tudo dá plantão em boteco paulistano
Ana Elisa Ribeiro

Um verdadeiro ataque de focas. "Foca", no jargão dos jornalistas, é aquele iniciante que ainda tem bastante o que aprender. E dependendo da missão, põe-se um foca na roda, que é para não gastar jornalistas mais experientes. Não sei nada sobre jornalistas e muito menos sobre o que eles aprendem, mas sei que a escrita é uma de suas ferramentas de trabalho. Mais do que ela, a linguagem. Ou deveria ser.

Há quem não acredite que pessoas jovens possam fazer um bom trabalho. Sempre há o que aprender, mesmo quando se é velho e experimentado. Na profissão ou na vida, se não há mais o que fazer, o negócio é morrer. Enquanto não for, a idéia geral é a de que as coisas estão sempre em movimento. Mesmo quando não parece. E em tempos de novas mídias e novos letramentos, o que mais há é gente nova que sabe o que gente mais velha não sabe. Isso não quer dizer que aquele saiba mais do que este, nem vice-versa, nem nada. Quer dizer apenas que as pessoas dominam aspectos diferentes dos saberes e que, independentemente da idade que sustentem, podem aprender umas com as outras. Quem tem filho sabe bem do que estou falando. Se não sabe, precisa saber.

Entre os jornalistas acontece algo que sempre me deixou intrigada. E não tem a ver com saber operar blogs ou não saber nada sobre tecnologias. Isso pouco importa para mim. Interessa mais saber do que o cara é capaz.

Quando dei aula para cursos de Comunicação, ficava impressionada com garotos de 19 anos que sabiam tirar proveito de tudo o que acontecia dentro e fora da universidade. Nas aulas de Oficina de Texto, demonstravam bastante perícia com o objeto que os levaria à profissão. Mas havia, em contraponto, aqueles meninos e meninas que não tinham a menor idéia do que faziam ali, trancafiados naquela sala por horas e horas, tentando conectar o mundo lá fora com o que liam e ouviam. Não era difícil saber quem estava motivado e quem não estava, quem havia escolhido a profissão e quem não sabia sequer o que era escolher.

Alguns daqueles meninos me deixavam curiosa e intrigada. O que estuda um jornalista? Lendo os Parâmetros Curriculares Nacionais para os cursos de Comunicação Social (com habilitação em Jornalismo), descobri uma série de diretrizes que deveriam guiar não apenas os cursos, mas os alunos que porventura quisessem ser jornalistas. Ouvi muito comentário engraçado, muita insinuação de que o jornalista é um cara que sabe pouquíssimo sobre tudo e precisa aprender a fazer parecer que sabe muito sobre alguma coisa. Infinitas discussões sobre o caso das "reservas de mercado", especialmente em Belo Horizonte, onde é obrigatório ter diploma de jornalista para atuar em um jornal (exceto se se tem o rótulo de cronista ou coisa que o valha).

Casei-me com um jornalista que acha que o jornalismo morreu e tem um blog sobre temas ligados à comunicação. Hoje, dou aulas só para engenheiros em formação, futuros profissionais que me parecem bastante sérios no que fazem, ao menos na instituição em que estão. Prefiro mil vezes dar aulas "fora" da minha área do que dentro dela. E ainda fico intrigada com algumas coisas.

Faz pouco, fui a São Paulo para o lançamento de meu livreto de poemas. Muitos amigos, ex-amigos, conhecidos e desconhecidos na mesa, ao meu lado, comendo os mesmos tomates secos. Um deles, imediatamente ao meu lado, é jornalista famoso, desses jovens arrogantes e conhecidos. O máximo para ele era ser carioca e morar em São Paulo. Além do assunto infrutífero (e levado a sério por muitos e infindáveis minutos) sobre se o Rio é mais cosmopolita do que São Paulo e as defesas insustentáveis e absolutamente imbecis sobre sotaques (sendo que o carioquês, claro, é o "correto"), algo me impressionou muito. O moço, sem fazer muito esforço, se arvorava por qualquer assunto que quicasse na mesa, mesmo sem saber quase nada de profundo sobre o objeto do discurso. Parava a bola e não deixava mais ninguém chutar. Vez ou outra, impunha-se dando "carteiradas" com o nome do jornalão em que trabalha (e assina isto e aquilo), outras tantas vezes falava mais alto, só mais alto, para que outros se abafassem atrás do vozeirão. Impressionante como sabia tudo de tudo, quase nada de tudo, com direito até a citações bibliográficas. Mais às tantas da noite, um blogueiro gaúcho juntou-se ao carioca sabichão e passaram os dois a discutir onde entrava o Sul nessa ciranda de cosmopolitismo.

Bem-formado, provavelmente por uma boa escola de Comunicação, experiente (o tanto que os trinta e poucos anos permitem), funcionário de um jornalão dos maiores do país, afirmativo e eloqüente. Bastante impressionante que ainda não se tenha tornado professor, que é o que muitos fazem quando dão o que tinham que dar no mercadão. Nome pra lá, nome pra cá, se dizia morador de Higienópolis, onde não via pobre, nas palavras higiênicas dele. Assinava colunas de política e dizia que o jornalismo de São Paulo não é subserviente a nada, como são outros mercados no país. Meu Deus, até eu que sou de nada, inexperiente e burrinha de tudo, de mãe e pai, sei que neste país não existe imprensa livre, dessas que falam o que deve ser falado. Quem disse isso a ele, meu Deus? Será que vai agüentar o baque?

Tanta gente boa que não pode escrever porque não tem diploma ajustado. Tem de médico, de analista de sistemas, de psicólogo, sabe escrever como poucos, mas está à deriva num blog pouco acessado. À deriva sim, nesta barca biruta que é a internet. O professor Sírio Possenti é que está certo, num texto cético sobre o hipertexto: nossa capacidade de seleção e processamento continua a mesma (cognitivamente), ainda que nos tenham presentado com tanto brinquedo veloz. E há quem pense que processa melhor do que os demais a pouca informação que tem. Jornalista arrogante deveria ser discrepância, mas tem hora que parece redundância. Uma lástima e um desgosto ouvir tanto despropósito naquela mesa de bar. E se eu ao menos tomasse cerveja, talvez a noite parecesse engraçada. Dureza foi ouvir tanta abobrinha completamente sóbria.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 18/7/2008

 

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