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Quarta-feira, 9/7/2008
Eu, tu, íter...
Guga Schultze

Estava lendo, aqui no Digestivo, o ensaio de Luli Radfahrer, sobre o fim do e-mail, e pensando sobre o Twitter. Minha mãe tinha um tweeter na pia da cozinha, aquele pequeno triturador acoplado no ralo da pia. Mas o Twitter, que de certa forma também mastiga a comunicação, vem de tweet, que é o tititi dos passarinhos, em inglês. Muito mimoso, né? Hitchcock ia gostar disso.

Mas o e-mail é uma ferramenta com uma característica muito boa ainda: permite que você escolha o que ler, qual a mensagem que você quer ler. O hábito muito educado de escrever o "assunto" de um e-mail é fundamental. Tem e-mail que a gente não lê, que a gente simplesmente descarta e esquece. Com um pouco de prática você já reconhece a mala sem alça na primeira olhada.

O e-mail indesejado chega até você, mas não te contamina com sua mensagem chata. Você o descarta, você tira ele da frente dos seus olhos e segue sua vida em paz. A coisa é sutil: o e-mail passa essa sensação. Usando o e-mail você tem a impressão de que sua privacidade ainda está resguardada, esse é o diferencial. E essa impressão conta. Alguém poderia dizer que no Twitter, por exemplo, você não tem essa escolha. Claro, você escolhe quem seguir, mas o Twitter torna evidente que você não sabe fazer escolhas muito bem. Don't be a twit (pateta), mas às vezes não dá.

O Twitter torna visível, pra você mesmo, que você feqüentemente faz péssimas escolhas, que você não é tão esperto como tinha pensado, que você não passa de um desinformado em potencial, tentando acompanhar o ritmo de extraterrestres e suas mensagens criptografadas. Você sente vergonha de perguntar sobre todas aquelas siglas, todas aquelas expressões estranhas, todos aqueles nomes completamente desconhecidos que o sujeito que você "segue" tem o prazer perverso de postar.

Em suma, o Twitter é excludente. Para a grande maioria dos mortais, os não-iniciados, o Twitter diz exatamente isso: você é um não-iniciado. Não importa que os números me desmintam e que o Twitter esteja congestionado com milhões de usuários e que esse número aumente. Ele aumenta porque o Twitter é mesmo rápido, fácil e tem tudo para ser o território ideal do solipsismo. Tudo, absolutamente tudo, que reforçe o solipsismo natural do "cerumano" ― esse ser notável ― tem seus milhares de adeptos instantâneoas. Vamos ao Houaiss:

"Solipsismo:
substantivo masculino
1 Rubrica: filosofia.
doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões sem existência própria [Embora freq. considerado uma possibilidade intelectual (caso limite da filosofia idealista), jamais foi endossado integralmente por algum pensador.]
2 Derivação: por extensão de sentido.
vida ou conjunto dos hábitos de um indivíduo solitário"

Bem no meio da conectividade, da comunicação global massiva e sem fronteiras, da velocidade e instantaneidade do grande fluxo da informação mundial, está o germe do solipsismo absoluto. Tuiteiros são solipsistas natos. Existe alguma comunicação efetiva. Alguns gatos pingados trocam miados entre si e usufruem dessa possibilidade de uma forma inteligente ou, pelo menos, útil. Mas a própria pergunta inicial, que o Twitter coloca na porta de entrada, What are you doing?, o que você está fazendo, o que você anda aprontando, é um convite delicioso ao onanismo virtual.

As pessoas ouvem músicas e te avisam: "Ouvindo G.K.Tatoo, Simpsons botox at the devil's instance, oh mygod!" .

As pessoas dão notícias: "No BCT, imigrantes trocam vistos de entrada por DLs do Nick do Assholding CO."

As pessoas se confessam: "Uso pince-nez como piercing, mas não tolero a cara do Salamin Cornwall."

Você pensa: What a hell??? Mas até que é divertido. E você vai na onda e tasca: "Chegando em casa, ouvindo SPLHCB e pensando na tatuagem de oncinha da vizinha." Por que não?

Mas é impossível ler tudo. Aos apologistas da comunicação instantânea, ininterrupta e massiva: é humanamente impossível ler tudo. Muito menos absorver tudo. E, mesmo que fosse possível, você cairia numa esquizofrenia virtual. São milhares de assuntos, a seqüência deles é caótica e o requisito para entrar nessa corrente é: aprenda a ser indiferente, aprenda a ser leviano, breve e razoavelmente inconseqüente. São conselhos que, se fossem para orientar uma vida, você não daria a seu filho, se tiver um.

É curioso notar que na era da comunicação total, você precisa aprender a criar filtros, justamente para bloquear grande parte dessa comunicação. Saber filtrar o que interessa é tão ou mais necessário do que a informação em si. Você tem que estar consciente das suas prioridades o tempo todo, porque você simplesmente não tem mais tempo disponível a perder. Seu radar tem que estar muito bem ajustado, para separar o que é relevante do que não é.

A informação excessiva quase exige que você se torne um especialista, seja no que for. Um especialista, como disse o Millôr, é aquele sujeito que só não ignora uma coisa. E eles formarão nichos, e os nichos de especialistas não conversarão entre si. Profecias de Cassandra, minha triste princesa.

Sou dos que acham que uma pessoa que tem, digamos, cinqüenta e dois amigos, não tem quase nenhum. Acho que o ser humano tem uma capacidade natural de ter de oito a treze amigos e cento e quarenta e quatro conhecidos, fora os parentes e namorada(o)s. Não compilei os números, não fiz a pesquisa estatística e nem pretendo. Também desconfio que a minha intuição é genéticamente muito antiga, digamos, por volta de 40.000 a.C., quando os Cro-Magnons andavam, tribalmente, aprontando pela Europa e costumavam dizer: lutaremos até a morte para sobreviver. Dããã. Um contra-senso, mas aqueles Cro-Magnons eram realmente muito doidos.

De forma que gosto de encher o saco dos profetas da nova ordem, os apologistas da Matrix, que gostam muito da idéia, não de se libertar da Matrix, mas de ficar dentro dos seus casulos, em comunicação perpétua com outras borboletas em potencial, usufruindo de uma mente coletiva, criando uma realidade comum e sonhando um sonho comum de máxima produtividade, máxima eficiência e prazeres cor-de-rosa, muito educados e criteriosamente planejados. Mas, encher o saco dos caras é só um pequeno prazer, onanista e bobo, da minha parte. Não levo muita fé, porque sei que remo contra a corrente.

E, para não dizer que não falei de flores, o Twitter tem suas vantagens. É ótimo para quem tem alguma coisa a divulgar: um site, um negócio, uma obra, o que for. Você faz sua simpática propaganda e provavelmente colhe resultados. O fato de escrever com 140 toques também já filtra os mais verborrágicos e os que não têm o que dizer ― ainda que alguns insistam em postar numa seqüência sem fim ―, de forma que o Twitter mantém um nível, digamos, mais alto no quesito "um mínimo de inteligência", o que já é muito. Em relação ao Orkut, por exemplo. Sinto muito, mas eu experimentei o Orkut por dois meses. Procurei, por exemplo, grupos que eu julguei que seriam interessantes e que se mostraram tão aquém das minhas expectativas mais simples, que eu desisti. Das duas, uma: ou fui exigente demais ou o nível era baixo demais. Não sou presunçoso ― nada além do normal ― mas vou ficar com a segunda hipótese.

E, por último, penso que devo informar aqui que eu estou no Twitter. Quase escrevi que eu uso o Twitter. Não uso. Não tem nenhuma utilidade para mim, no momento. Vou lá para me divertir um pouco, o que já é muito. Há alguns dias postei uma bobagem por lá, porque estive lendo umas coisas do horóscopo chinês ― aquele negócio do ano do rato, ano do tigre etc ― e escrevi que descobri o meu ano: o ano nimato. No que me diz respeito, acho que acertei na mosca.

Guga Schultze
Belo Horizonte, 9/7/2008

 

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