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Quinta-feira, 26/6/2008 Como era gostoso assistir à Sex and the City Elisa Andrade Buzzo Não se assuste se reconhecer que a única sala do Jean Vigo nem parece cinema. Antigo teatro, hoje ela funciona quase como um cineclube particular, pois não foi uma nem duas vezes que nos esparramamos nas poltronas de veludo vermelho e, esperando as cortinas se abrirem ― literalmente ―, nos demos conta de que éramos a única platéia. Numa das sessões infantis, mal sabia a menininha ao pedir "dois para Dark Crystal" que neste cinema você não escolhe o filme, o filme é que te escolhe. Depois, não há 15 minutos de trailer ― coisa rara. E o que isso tem a ver com Sex and the City? Talvez pouco. Pois este longa-metragem não estava em cartaz por lá. Quem sabe daqui a 40 ou 50 anos... Mas neste mês, numa série de perfis de mulheres, me deparo com um daqueles que quebram a monotonia do balcão superior: Bonequinha de Luxo. Dou de cara com Holly (Audrey Hepburn) tomando um simples café-da-manhã enquanto observa as vitrines da Tiffany's em Nova York, tamanha sua obsessão por diamantes. Na hora penso em Carrie Bradshaw e sua loucura por sapatos Manolo Blank, a euforia histérica por uma Louis Vuitton. Enquanto Audrey Hepburn traz uma pequena legião ao cinema e ainda calça pezinhos com sapatilhas por aí, o quarteto fantástico de Sex and the City está no auge. Antes, e mesmo poucas semanas depois da estréia do filme, impossível não ser tomado pela enxurrada de cartazes nas ruas, nos pontos de ônibus, no metrô e não se perguntar "qual dos vestidos é o mais bonito?" diante das diferentes versões de publicidade. Toda sorte de promoções circundava os grandes cinemas e lojas de maquiagem, mas não tive paciência em preencher formulários de adesão. As páginas de celebridades pipocavam notícias da pré-estréia londrina e nova-iorquina de Sex and the City. Mistério ainda rondava o enredo do filme e mais noticiável do que ele próprio talvez fosse o figurino das atrizes, verdadeiros ícones fashion, no tapete vermelho. Por que Sarah Jessica Parker tem que se afirmar com seu chapéu-pavão? O que dizer, então, de sua atitude equilibrada frente à descoberta de seu nada inédito Nina Ricci? Sem contar as revelações de cunho pessoal, do tipo: Sarah Jessica e Kim Cattrall não se bicam fora das telas, Kristin Davis era alcoólatra, ninguém diria, ou a reviravolta na vida amorosa de Cynthia Nixon. Tudo só aumentava mais a curiosidade em torno do fenômeno que me afogava, ainda que em simples passeio pela cidade. O ringtone com a música tema soava ardido num dos ramos do tramway. Numa banca sou cercada e confundida por uma Sarah Jessica Parker de mil caras radiantes. Resisto ao cerco e volto para casa sem revista alguma, mas decidida a conferir o resultado da série na telona. Gostoso mesmo era assistir a série na boca da madrugada com os pés pra cima da mesinha de centro. Minha sonolência na nuca não questionava como uma colunista podia ter um guarda-roupa tão recheado, nem como uma fumante poderia ter um sorriso tão perfeito. Era divertido acompanhar os episódios; sem querer se imaginar em Nova Iorque e acordar em São Paulo. Algumas rugas depois, a cidade seria outra e o seriado se transformaria em filme. O filme? Também foi divertido acompanhar a quantidade de mulher por metro quadrado numa sala de cinema cheirando à pipoca e Häagen-Dazs. Os únicos homens presentes, acompanhados. Gostei das idas e vindas do casamento da Carrie. Em algumas cenas ficava meio difícil prestar atenção nos diálogos diante do figurino trabalhadíssimo. Mas no final das contas parecia que nada daquilo importava, havia um clima de comunhão e celebração sutil entre as fãs. Felizes para sempre, bem resolvidas, ou quase, este conto de fadas nova-iorquino ainda lembra o antigo Sex and the City? "No entanto, tudo aquilo que acontecia em narrativa ágil, textos curtos e 21 minutos no programa exibido pela HBO, agora se estende preguiçosamente na telona, durante mais de duas horas. E no cinema, os erros do seriado crescem como se a pinta no queixo que Bradshaw tenta esconder estivesse exposta em um microscópio." Piadinhas à parte, o trecho desta matéria talvez explique minha preferência à série. Seria uma questão de tempo? Volto à minha esquecida Holly e seus problemas de amor e identidade, pois foi ela quem reavivou Sex and the City, o filme, em mim. Depois de tentar engatar, sem sucesso, dois casamentos com milionários, a devoradora de diamantes em crise existencial foge da amizade colorida com um prosador fracassado, Fred (George Peppard). Em meio a rats e super rats, mal sabe a bonequinha que sua felicidade não sairá pelas vitrines da joalheria... Nem Vivianne Westwood ou milionário brasileiro, mas um tailleur qualquer, uma bijouteria encontrada num doce, mesmo que gravada pela generosa Tiffany's. O final da história, seja entre a escritora Carrie e Mr. Big ou entre o escritor Fred e Holly, é parecido. Afinal, para que servem as grifes se as protagonistas acabam por desprestigiá-las, senão para colocar-nos, meros mortais, no lugar do sonho? Elisa Andrade Buzzo |
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