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Quinta-feira, 25/10/2001
O Islã e seu Clone
Adriana Baggio

Os mais arrivistas desconfiam que no atentado em Nova York deve ter a mão da Rede Globo. Espírito porcino à parte, o fato é que a estréia da nova novela “das oito”, O Clone, não poderia ter acontecido em momento melhor. Por motivos funestos, a cultura islâmica está em voga. Como a novela trabalha em seu roteiro este assunto, com certeza o interesse do espectador deve estar sendo bem maior.

O ponto positivo desta coincidência é que, na novela, ao contrário do telejornal, a cultura islâmica é apresentada de uma forma romântica, despertando a curiosidade das pessoas sobre um modo de viver tão diferente para muitos brasileiros. Apesar dos protestos dos muçulmanos de verdade, que apontam incorreções na maneira como os personagens se comportam, a novela tem o mérito de colocar o islamismo na moda. Se no Jornal Nacional os islâmicos estão acuados, sofrendo toda espécie de preconceito, ou por outro lado, atacando em nome de Alá, na novela as coisas são bem mais light. Não que seja pouco, mas a maior violência cometida até agora pelos islâmicos da história foram uns tapas no rosto da personagem Jade, que não quer seguir a tradição de sua cultura.

A aprovação desta faceta romântica da cultura pode ser comprovada pelas manifestações populares relativas à novela. As academias vêem aumentar a procura por aulas de dança do ventre. As notícias sobre televisão contam que o ator Stênio Garcia, que representa o personagem Ali, um rígido representante da cultura islâmica, tem sido constantemente abordado por fãs que se oferecem para casar com ele. Qual é o motivo disso? Mesmo com todas as limitações impostas às mulheres na cultura islâmica, como mostra a novela (não vou entrar no mérito se o que é mostrado é verdade ou não; trato apenas da impressão causada pelo que é apresentado), pelo jeito as ocidentais viram no modo de viver as respostas para algumas de suas carências.

Um ponto muito batido na novela é a importância que os muçulmanos dão aos valores familiares, talvez bastante deturpados na cultura ocidental de massa. Talvez seja esse resgate de valores que as pessoas procuram ao tentar se apropriar de hábitos e costumes da cultura islâmica. Parece que, mesmo à mercê de uma surra, ou de castigos como chibatadas para a moça que não é mais virgem antes do casamento, vale a pena optar por uma situação de regras mais claras, punições mais efetivas e destinos pré-determinados.

Normalmente as pessoas sentem dificuldade em separar ficção da realidade. No entanto, quando seria interessante que mantivessem este hábito, a coisa acontece ao inverso. Enquanto algumas propõem casamento ao Stênio Garcia, que representa um muçulmano, outros hostilizam os que são muçulmanos. A novela é como uma história das Mil e Uma Noites, onde o islamismo é envolvido por uma aura de mistério, romance, erotismo. A realidade é diferente. Os islâmicos em geral são avaliados como aqueles que fazem parte da linha fundamentalista. São esquisitos, retrógrados, atrasados, selvagens, e outros pré-conceitos nada positivos que a gente ouve por aí. Talvez as pessoas não tenham conseguido juntar o nome à pessoa, perceber que aqueles personagens tão fortes, dignos e tementes a Deus representam pessoas que, na realidade, também são assim. Existem as correntes radicais, como existem em qualquer outra religião. Mas a admiração e o respeito cessam quando acaba a novela.

Na verdade, as pessoas são oportunistas na medida de seus interesses. Ao mesmo tempo em que a divulgação dos valores de uma cultura distinta serve como pretexto para a apropriação de determinados aspectos desta cultura, a difamação desta mesma cultura, por conta de atitudes isoladas, serve para legitimar ações preconceituosas que não aconteciam por falta de um motivo válido. Não é de hoje que os americanos e europeus hostilizam os estrangeiros. Traumas à parte, agora é legítimo desconfiar e atacar pessoas "esquisitas", com hábitos diferentes. No Brasil não é muito diferente. A comunidade muçulmana de Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai, tem sido hostilizada pela desconfiança de que possa esconder terroristas. Sabe-se que essa região abriga bandidos, mas a origem deles não é privilégio da comunidade islâmica.

Já que a novelista Gloria Peres gosta tanto de assuntos polêmicos e de realizar campanhas sociais em suas novelas, que aproveite esta oportunidade imperdível para mostrar a realidade da maioria da população islâmica. Como cultura, o islamismo deve ser respeitado e analisado dentro de seu contexto, e não dentro do contexto ocidental. Não concordo e não gosto da maneira como as coisas acontecem entre os muçulmanos, mas não tenho porque avaliá-los com base nos atos dos fundamentalistas. Que eles vivam suas vidas em paz, assim como vivemos as nossas, e que os bandidos, de qualquer religião, sejam punidos pelos seus atos e não por sua orientação cultural ou religiosa.

Adriana Baggio
Curitiba, 25/10/2001

 

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