busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Sexta-feira, 25/7/2008
E assim se passaram dez anos...
Julio Daio Borges

* Outro dia, um amigo que eu não via há anos me perguntou o que eu era, afinal. O propósito deste texto era repassar meus dez anos de empreendimentos na internet, desde 1998, mas pode também ser uma tentativa de responder a esse meu amigo, e a outras pessoas que, porventura, não entendem o que eu faço, ou o que eu andei fazendo nestes anos... A internet, embora mais consolidada desde a Web 2.0, ainda é muito fluída ― e as pessoas que trabalham nela têm a oportunidade, às vezes perigosa, de se meter em uma porção de coisas que ainda não ganharam nem nome... A gente ainda vai sentir saudade desta fase de criatividade em que muitos ganharam pouco (ou nada) fazendo coisas incríveis; em que poucos ganharam alguma coisa apenas persistindo; e em que alguns ganharam uma fortuna produzindo monstros tentaculares como o Google (a marca mais valiosa hoje em dia). Este texto é uma homenagem às pessoas que, desde 1998, dividiram a aventura da internet comigo;

* Seguindo o exemplo do meu pai, eu fui fazer Engenharia. Mas não Engenharia Civil ― como a dele ―, Engenharia Elétrica, com ênfase em Computação (às vezes eu me denomino "Engenheiro de Computação"), porque eu gostava de tecnologia. Dentro da faculdade ― a Poli ―, eu descobri que não gostava de Engenharia ― mas prossegui; não tinha certeza do que fazer se saísse dali. Mais ou menos no meio do curso, descobri uns caras chamados Rubem Fonseca e Nélson Rodrigues; e mais ou menos no fim do curso, passei a ler, religiosamente, um sujeito chamado Paulo Francis. Mas eu ainda não queria ser jornalista; eu achei que queria ser escritor ― embora nunca tenha existido uma faculdade para isso... Quase no fim do curso, travei contato com um certo Daniel Piza. De repente, todo o rebuliço em torno da minha crítica dirigida à faculdade, com respingos na coluna do Luís Nassif, me convenceu a usar o incipiente e-mail para canalizar minhas diatribes. Os primeiros endereços eletrônicos de jornalistas e personalidades diversas fizeram o resto. Nascia o "J.D. Borges" e sua newsletter;

* Considerando todas as mutações de forma e alcance, sou colunista desde 1998. Nos primeiros anos, eu confesso, queria pôr tudo abaixo. Recomendo a experiência a todos ― é fundamental querer mudar o mundo na juventude; para depois mudá-lo um pouco; senão, quando? Além do tom exagerado, que reconheci em quase todos os outros jovens colunistas que conheci, minha linguagem era carregada e havia um certo virtuosismo. O iniciante parece que quer mostrar todos seus truques na primeira oportunidade. Ainda assim, foi importante impressionar gente como o mesmo Rubem Fonseca, o onipresente Sérgio Augusto e o imprevisível Diogo Mainardi. Depois de saltar do precipício umas tantas vezes, bancar o camicase ou distribuir bombas atômicas toda semana, cansei de, como a andorinha do ditado, tentar fazer verão sozinho. Fundei uma revista ― o Digestivo ― e juntei uma turma, os Colunistas. Continuei Colunista, dos "Digestivos", mas descobri que o desafio maior não é o da verve, nem o da polêmica, nem mesmo o do "furo" ― é o da constância, da permanência, da continuidade;

* Muitas vezes, quando não tive mais certeza de nada, me senti Editor acima de tudo. Por mais que eu não tenha uma "obra" ― só centenas de textos dispersos e fragmentados ―, o esforço valeu a pena por lançar gente aqui. Por ajudar a construir uma paisagem que, antes da internet, não havia e que, por conta do jornalismo impresso, jamais haveria. Não sei se preciso citar nomes; nem caberia. Basta dizer que demos à luz os blogs e os blogueiros, filhos bastardos ora do jornalismo com a internet, ora da internet com a literatura... E republicar praticamente todos os grandes nomes que li com devoção, da literatura e do jornalismo (de novo)... E reafirmar a importância das pessoas da minha geração, e de outras, que criaram coisas... E ecoar infindáveis novos blogs (descubro um a cada dia, há anos); e até jogar lenha nos Comentários dos Leitores... E, claro, organizar eventos para discutir tudo isso "ao vivo"... Quando digo, sem remorso, que os jornais impressos vão acabar é porque o ecossistema que todos alimentamos na Web - riquíssimo - me dá segurança para lançar esse desafio;

* Pelo acúmulo, acho, virei crítico; e é engraçado isso. Não era a minha maior ambição. Aconteceu antes que eu fizesse esforço para tanto - ou enquanto eu me esquecia de que poderia ter sido... Ao fim e ao cabo, penso que as pessoas respeitam minha opinião mais porque escrevo direitinho. Convenço-as pela forma mais do que por ter efetivamente razão (pelo conteúdo, digo). Conto uma boa historinha. No nosso universo atual, de papos desencontrados, de vidas pela metade, de esquecimentos definitivamente esquecidos, está em alta quem afirma, e briga pelo que acredita. Não mudou muito desde o tempo do messias. Já nos primeiros Editoriais do Digestivo, percebi o quanto uma auto-imagem pode ser crível, se ela for suficientemente persuasiva. Mas voltemos ao crítico. Nunca me convenci totalmente escrevendo sobre gastronomia. Entendo um pouco de literatura, ou sou minimamente sensível à linguagem, para apostar em um ou outro autor. Internet talvez seja a minha praia, porque eu conheço por dentro, fazendo. Amo música (quis ser músico). Gosto de teatro. Cinema é diversão. Arte é aprendizado. Da TV, tenho horror. A imprensa está no fim. (E "Além do Mais" era falta de assunto mesmo);

* Jornalista, para mim, sempre foi gente se acotovelando em frente à câmera com o microfone na mão. Ou gente fazendo reivindicações políticas (para mim sem nenhum sentido). Nunca senti a menor simpatia. (Da tentação de cursar jornalismo, não sofri.) Mas gostei de ser repórter, a meu modo. De fazer coberturas, digo. Minha crítica ― se é que ela existe ― sempre foi de gabinete, a posteriori, depois do fato. Com processador de texto (corretor ortográfico), dicionário eletrônico e muito Google. Mas o verdadeiro teste do jornalista ― que eu vejo pouca gente fazendo (porque é trabalhoso e não necessariamente traz hits) ― é escrever, e publicar, "a quente". Ver, anotar (às vezes só mentalmente) e elaborar na hora. Com erros, omissões, falhas. Humanamente. É uma grande experiência. Dispendiosa mesmo. Não dá para trabalhar e ser repórter ao mesmo tempo, por exemplo. Brincadeira: eu quis dizer que é full time, o negócio. On the road. O mais perto que cheguei de Woodstock, provavelmente. A Flip. É a embriaguez com o fato, com a notícia (talvez). Muito longe do "jornalismo" reprocessado, a partir de releases, na grande mídia; ou mesmo lincado e relincado, "remixado", pela blogosfera tupiniquim;

* Mas os jornalistas não vão mudar o mundo e minha sorte foi poder ser empreendedor, numa família de empreendedores. Quando o primeiro amigo me chamou de empreendedor, na realidade, não achei que era comigo. Eu fiz as coisas por necessidade e não porque quisesse "empreender", lançar um empreendimento (no sentido imobiliário do termo). Mas fui empreendedor, à minha maneira, de novo. E, desde a Web 2.0 (2005), tenho sido empreendedor mais conscientemente. Briguei com os jornalistas ― e com o jornalismo tradicional ― porque, desde o início da internet, eu os vi acomodados. Uma geração inteira explodindo em criatividade e eles fingindo que não viam, menosprezando deliberadamente, para depois sancionar um ou outro. Os jornais estão "a perigo"; e os jornalistas estão pagando pela sua teimosia. E a internet produziu uma geração de empreendedores... ― desde os fundadores do Yahoo (1994) e do Google (1997), eu me identifico com quase todos. Meu negócio não é de bilhões, nem de milhões ainda, mas a motivação de tentar resolver um problema, ocupar um nicho, crescer e ser bem-sucedido é igual em empreendedores de internet no mundo todo. Algumas das palavras mais estimulantes que encontrei vieram deles. Soam como música para os meus ouvidos. São a minha literatura do dia-a-dia;

* Mas eu não teria sido empreendedor, na Web, sem ser, antes, programador (eu admito). Aprendi a programar sozinho, com 11-12 anos, lendo um manual de Basic e escrevendo meus primeiros programas num Apple II+ (que ganhamos de Natal). Li, há muito, que a habilidade com a linguagem faz da programação uma ciência, também, humana ― e minha habilidade para escrever, outras coisas, talvez venha dessa prática anterior. Passei várias horas da minha primeira adolescência programando ― era minha "conversa" particular com os Steves Jobs e Wozniak, com o mundo que eles criaram. Mergulhei em revistas, livros. Tinha lembranças tão profundas desse tempo que aquela minha Coluna sobre o assunto me fez encontrar um ídolo, também programador, desse período (o Eduardo Saito). Enfim, anualmente me dedico, alguns meses, à programação ― ao aperfeiçoamento ― do site. É um luxo que ainda mantenho; pois até a Edição consegui passar para frente. De qualquer jeito, essa excrescência, do empreendedor-programador, permite melhores posições no Google, melhor performance, mais audiência, mais resultados para todos. Dizem, igualmente, que as grandes sacadas, em software, são sempre obra de uma pessoa só. Mais recentemente, o criador do del.icio.us; e, no Brasil, o nosso Edney Souza;

* Tenho lido livros de administração e business ― tudo por causa do internet business ― e me sentido administrador, ultimamente. Não aquele que se forma na faculdade, mas aquele que tem de administrar os recursos, o tempo, as pessoas... (eu sei que muitas vezes ambos coincidem). Até penso em estudar seriamente business um dia, mas tenho trauma de cursos formais ― e minha lista de projetos só cresce; de modo que só me sobra tempo, mesmo, para os livros de business (em especial, claro, os de internet business). Quando virei colunista da revista GV-executivo, me vi até na obrigação de conhecer mais o assunto ― porém, no processo, surgiu um gosto, que tem menos a ver com a Letras e Números que com as minhas tarefas do dia-a-dia (believe it or not). Idéias para consolidar, por escrito, o que tenho aprendido sobre "produtividade pessoal", "life hacking", mesmo "empreendedorismo em internet" não faltam, mas fico em dúvida se o Digestivo é o veículo ideal para isso. E até se vou acrescentar algo ou se, como tantos, vou chover no molhado. Gosto de pensar, ainda, como economista, em algumas situações. Talvez soe pretensioso ― ou absurdo, para você que me lê aqui ― mas o jeito "econômico" de pensar a vida, o mundo, o futuro tem me atraído. (Para terminar com a sessão choque anafilático, o único jornal que leio ultimamente é o Valor Econômico);

* E tenho sido consultor, neste semestre, oficialmente. Na minha área, de internet, evidentemente. A Bolha afugentou os investidores da Web 1.0 em 2000, mas a Web 2.0 trouxe os investimentos de volta ― e quem sobreviveu, além de boas histórias para contar, tem coisas úteis para ensinar. Como um site funciona? Por que as pessoas voltam a ele? Por que alguns se dispõem a alimentá-lo, inclusive? Por que ele se torna importante? Quais critérios são importantes, por exemplo, para o Google? O que faz um site crescer? Quais são as armadilhas do crescimento (e como sustentá-lo)? Como ganhar dinheiro? Como não perder dinheiro? Como ganhar reputação? Como manter a relevância? Como não parar no tempo (dentro da internet)? Como vencer na Web? Eu não tenho todas as respostas, obviamente; mas eu tenho algumas. E é estimulante ajudar a desenvolver um outro projeto. Li, outro dia, que a internet, nos próximos anos, vai crescer, pelo menos, 100 vezes ― há espaço mais que suficiente para novos empreendimentos, para reciclar velhas idéias, para turbinar sites que já vão bem... Se você, como pioneiro, supera a fase da incompreensão, alcança uma expertise, e um background, que pouca gente tem;

* Recentemente, trombei com o termo webmeister. Aplicado, acho, ao Jason Calacanis ― fundador do Weblogs, Inc.; hoje empreendendo com o Mahalo. Os webmeisters (não confundir com webmasters) escreveram, com suas iniciativas, um pedaço da história da internet. O Jerry Yang, por exemplo, do Yahoo é um webmeister ― ontem e hoje. O Jeff Bezos, da Amazon, nem precisa dizer. O Marc Andreessen, que, com a Netscape, quase rachou a Microsoft em duas ― agora, com o Ning, quer bater o Facebook (de cujo board, inclusive, participa...). O Evan Williams, pai do Blogger, bombando com o Twitter. Mesmo, neste momento, o Robert Scoble, ex-blogueiro da Microsoft; e o Michael Arrington, um blogueiro-VC, na lista das 100 personalidades mais influentes da revista Time. No Brasil da Web 2.0, eu apostaria no Edney (de novo), que, junto com o Inagaki, está se revelando um empreendedor em série; no Fabio Seixas, inegavelmente; no Cris Dias, como uma "consciência" da blogosfera; no Michel Lent, como o Luli, na publicidade... E em outros que estou sempre conhecendo. É ao lado dessa turma que quero estar nestes próximos dez anos. Escrevendo e editando, também ― mas, sobretudo, empreendendo e fazendo a nossa internet amadurecer. Feliz 2018!

Julio Daio Borges
São Paulo, 25/7/2008

 

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês