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Segunda-feira, 5/3/2001
Oito Décadas do Folhão
Spacca

O tapete vermelho conduziu-me ao interior da suntuosa Sala São Paulo, impecavelmente vestido para participar de um batizado em família. Jamais desejei tanto saber usar terno e gravata para me misturar ao ambiente. Mas não ensinam isto na Universidade de Cartum. Tento relaxar e imaginar que estou na ponte aérea, mas não vejo jeito de esconder o guarda-chuva.

Sou avistado por Angeli, também aliviado de ver um cidadão à paisana. Ops, ele não está à paisana, está vestindo um Angeli - jaqueta de roqueiro, camiseta, jeans, tudo preto, exceto as cãs.

A História passeia ao nosso lado: Sarney, Quércia, Maluf. Estes dois últimos cumprimentam Angeli, Quércia com um aceno, Maluf daquele jeito: "Méu caro cartoneeesta...".

Soam as trombetas. Não é campainha para entrar na sala de concerto, são trombetas, como no Jóquei ou num circo romano. Circulo mais um pouco e cumprimento Otavinho e Eleonora de Barros, minha última editora. Sou sincero quando retribuo os parabéns pelas oito décadas de Folha e digo que uma delas é minha. Ali perto, Cony é observado por algumas obras de arte. E aquele empresário que aparece na Caras, o Olacyr, irreconhecível com um homem ao lado.

Depois de rever alguns velhos conhecidos de redação, ao toque da última trombeta pego o meu lugar no mezzanino para assistir à solenidade.

Após o Hino Nacional executado pela Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo (num arranjo que lembra "America", de Bernstein) Clóvis Rossi discursa, ou palestra na sua informalidade elegante. Lamenta que o jornal traga muitos fatos e poucas esperanças; que a imprensa nasceu para defender bandeiras, partidos e personalidades, mas que hoje, tendo se tornado um ponto de encontro da sociedade civil, procura apresentar ao leitor "a melhor versão dos fatos", segundo a famosa definição de reportagem de um daqueles dois jornalistas do Washington Post que derrubaram o Nixon (o Robert Redford?...).

Depois de tantos fatos, nada menos que sete sacerdotes vieram trazer suas mensagens de esperança. O ato ecumênico foi entremeado por números musicais. Pudemos ver o rabino Henry Sobel bater palminha ao som do Coral de Resistência Negra cantando "Oh! Happy Day, / When Jesus washed / He washed my sins away!".

O babalorixá Pérsio de Xangô cativou a todos com a simplicidade de sua bênção caseira, simpático como uma tia velha. O pastor Rolf Schüneman iniciou com "Deus Pai e Mãe..." A monja budista Coen Murayama pareceu ter falado de improviso e deu um show de pluralismo e tolerância nova-era. Depois, na oração em conjunto, a Igreja Católica, na voz poderosa de Dom Fernando Figueiredo, encobriu a todos.

Fiquei aguardando ansioso a composição "A Folha", de Alexandre Mihanovich, em primeira audição. Otávio Pai ganhou uma partitura de lembrança. E se não for bonita? E se for um mico? Como é que se transforma jornal em música? "Parem as máquinas, parem as máquinas, lalala..."?

Pois a peça, como representação sinfônica do mundo do jornal, é muito convincente. Vai ser difícil colocar letra. Há um tema frenético, persistente, que lembra a agitação de uma jornal, aquele mundo dinâmico, sei lá. E um contraponto de trompas e tímpanos que torna a peça grandiosa, épica, depois volta para o frenético miudinho. Assim: "fim-firirifim-finfim-fim-firirifim-finfim-POMMMM-POM-POMMMM-fim-firirifim-finfim-fim-firirifim-finfim..."

Quer dizer, está lá o nervosismo da prática jornalística e sua ambição, seu namoro com o Poder e a História. Em dois momentos da peça surge uma calmaria lânguida, melodiosa (seria depois do fechamento, presumo).

Eu queria ter sido mais crítico, por exemplo: notando que só se falou na polaridade Imprensa-Política como elementos do jogo de força no estabelecimento dos fatos (perdão, da "melhor versão"). Faltou falar, é claro, do Anunciante, este quinto poder, tão presente quanto discreto nos discursos.

Mas solenidade não é para isso. Não havia porque duvidar das promessas e do compromisso com a verdade. Não naquele momento. Aproveitei para sentir um orgulho sincero de ter feito parte daquela história, e rever com sorrisos pessoas que no stress da redação não sorriam tanto assim.

Aproveitei para sentir saudades da Arte instalada no meio do mar de máquinas de escrever, depois de micro-computadores; dos gritos de "Desce!" abolidos por um protesto de boys. E saudades do arte-finalista Pauli, morto na semana passada em um parque em Santo André, por assaltantes. Ele estava lá de prancheta ou caderno na mão, numa tarde ensolarada, desenhando, quando os fatos foram mais fortes do que a esperança.

Se não recebeu convite para o Paraíso da Imprensa, no Céu dos Desenhistas já reservei uma vaga para o Pauli.

Spacca
São Paulo, 5/3/2001

 

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