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Terça-feira, 12/8/2008
Voto obrigatório, voto útil... voto nulo
Diogo Salles

Muito já se debateu a respeito do voto. Voto obrigatório, voto útil, voto nulo ― como escrevi nesse título que te fez clicar no link. De dois em dois anos o brasileiro sempre se questiona sobre isso. O voto. E o debate sempre começa com uma pergunta: devemos votar por obrigação ou por opção? Essa é a questão sempre levantada antes de qualquer outra. Há dois anos, Luis Eduardo Matta se lançou neste debate, aqui no Digestivo. Ele abre sua coluna com argumentações brilhantes sobre a nossa política e, pouco a pouco, vai caminhando para uma visão cada vez mais distante da minha. Visão esta que dá o título ao seu texto: "A favor do voto obrigatório". É a base que dá toda a sustentação à sua tese, e é justamente a parte da qual discordei. Não acredito que o voto facultativo alimentaria ainda mais a política de currais eleitorais (muito pelo contrário). Muito menos que a classe média, supostamente esclarecida (e desiludida), deixaria de comparecer aos pleitos.

Acredito que esses pouco mais de 20 anos desde a redemocratização tenham sido suficientes para que o voto impusesse ao Brasil seu valor. Praticamente todas as esferas da sociedade já foram representadas de lá para cá. Todas as ideologias já foram contempladas: os últimos resquícios de ditadura e o coronelismo de Sarney; o modelo oligárquico de Collor; o nacionalismo folclórico de Itamar Franco; o neoliberalismo tecnocrata de FHC e, finalmente, o sindicalismo neoliberal de Lula.

Veja quantos já tiveram suas chances de colocar suas visões em prática. Se todos decepcionaram o eleitorado e sucumbiram às benesses e pecados da vida palaciana é outra história. Queiram ou não, o fato é que a democracia amadureceu. Chegou a hora dela se impor de outra forma: através do voto facultativo. Durante todos esses anos, o brasileiro pôde entender melhor (ou teve a chance, pelo menos) os valores democráticos ― e entendeu que o próprio conceito de democracia sugere o voto por opção, não por imposição. Se nos Estados Unidos apenas cerca de metade do eleitorado comparece às urnas, fica bastante claro que eles também não são assim tão evoluídos, como se convencionou a acreditar.

Meu início como eleitor foi, provavelmente, muito parecido com o seu e com o da maioria da população. Antes que a charge política fosse o meu ganha-pão, eu acompanhava as eleições na medida do possível para "poder votar com consciência". Nunca me afeiçoei a ideologias ou bandeiras partidárias. Meu voto se baseava mais naquilo que estava proposto (se é que havia alguma proposta) e escolhia aquilo que mais se aproximava de meus anseios. O resultado era invariavelmente desastroso. Aí residia o meu primeiro erro: eu acreditava nas tais propostas, ludibriado pelo charme da propaganda eleitoral e pelo verniz do marketing político.

No momento em que me tornei chargista profissional (ainda que fosse uma atividade paralela, com parcas compensações financeiras), passei a intensificar a leitura de jornais e, posteriormente, de livros e blogs sobre política e políticos. Quanto mais estudava sobre eles, mais me chegava a revelação de que, se eles não são todos iguais, são assustadoramente parecidos. Nesse período em que eu cursava faculdade, conhecia também os estratagemas mais detestáveis do marketing político. Comecei a entender como essas ferramentas eram usadas unicamente para a promoção pessoal e, conseqüentemente, para se chegar ao poder. Aprendi que o discurso pode até ser diferente, e as maneiras de se vender nas eleições também, mas a finalidade é sempre a mesma. E não importa o que o candidato faça ou diga para chegar lá ― o que importa é que chegue lá.

Sem saber de todas essas nuances, votei nas figuras mais desprezíveis e acreditei nas maiores mentiras. Busquei vozes das mais variadas no mapa político ― sempre esperando algum eco depois das eleições. Nada. Está bem, se não era por uma forte convicção política, ao menos eu me sujeitava a escolher o "menos pior". Passei a acreditar no voto útil. Sim, por um momento, acreditei que, se existiam dois candidatos ruins ― mas que, se um deles seria pior ― o voto deveria ser naquele que era apenas "ruim". Que beleza de pensamento. Vários prefeitos, governadores e até presidentes já foram eleitos (e reeleitos) por uma maioria que pensa assim. No final, o voto útil comprovou a sua total inutilidade.

Várias são as mazelas possíveis de enxergar a olho nu, através apenas de debates e campanhas de TV. Ataques pessoais a adversários; total ausência de propostas concretas; números inflados sobre dados estatísticos para favorecer o candidato (dados negativos serão sempre culpa do antecessor). Mas o buraco é muito, mas muito mais fundo ― e só vê sua profundidade quem chega à beira do precipício para acompanhar a política de perto. Caixa-dois; lobistas; laranjas; nepotismo; favorecimento a certos grupos empresariais; compra de votos; licitações fraudulentas. Seriam todos eles vítimas da maledicência de seus adversários políticos ou da "imprensa golpista"? Hum... O político é apenas parte integrante de um sistema corrupto e doente, onde ele é obrigado a fazer parte da dança da pizza. Caso se recuse a participar, o "traidor" será expulso da festa a pontapés pelos leões de chácara da corrupção. É por essas (e várias outras) que, já há algumas eleições, anulo o meu voto. Mas não de maneira mecânica ou sistemática, como fazem muitos. Essa opção que fiz é explicada pelas razões que acabei de expor, mas existem outras.

Em mais uma coluna relacionada, também aqui no Digestivo, encontrei as justificativas de Eduardo Mineo para o voto nulo. Embora eu concorde com alguns argumentos e discorde de outros, sua principal razão para o voto nulo é se negar a ajudar o outro a ganhar, já que este seria tão ruim quanto. Ou "menos pior", que seja. Até aí estou de acordo, mas Mineo chegou a colocar em xeque suas próprias noções de cidadania e consciência cívica para explicar sua decisão. O caminho que me levou ao voto nulo foi outro. Antes, em minha ingenuidade, eu acreditava na mudança. Pior: acreditava que existia alguma intenção de mudar. Depois vi que aqueles que decidem os rumos do país serão sempre os últimos a propor qualquer mudança, pois são eles os primeiros a se beneficiar do sistema do jeito em que se encontra. E não vejo um único político ou partido disposto a mudar as práticas que se enraizaram na política. Até já apareceram alguns candidatos a messias, vendendo o discurso da mudança. Lula fez isso aqui no Brasil, há alguns anos, Barack Obama está fazendo agora nos "Estêitis". Lula chegou lá, e não mudou nada. Obama tampouco mudará, caso chegue.

Além disso, nunca deixo escapar qualquer detalhe da biografia do candidato numa eleição ― e todos, todos têm seu telhado de vidro. Talvez eu peque pelo excesso de pesquisa, vai saber, mas não posso ferir esses preceitos, que coloco antes de qualquer outro. Ou talvez seja apenas porque a política é o meu material de trabalho ― e conheço bem demais o fedor de seus bueiros. Você decide.

Há quem diga que isso é uma afronta à democracia. Outros acreditam ser a negação do voto "válido", ou ainda, mero fruto da alienação frente à corrupção sistêmica de nossa política. Seria fácil para mim se fosse qualquer uma dessas razões, mas não é. Mais fácil ainda seria faltar às urnas para curtir uma folga e depois justificar a ausência. Você deve estar se perguntando por que, então, sempre vou às urnas se meus votos nunca são "válidos". Aí é que está a discórdia. Não considero que meu voto não seja "válido".

Acredito que um voto só é válido ― no sentido real da palavra ― quando se vota com convicção no candidato. Quando se acha que haverá realizações, quando se acha que promessas serão cumpridas. Rejeito o conceito do "menos pior". Já tentei acreditar nisso, mas cheguei à conclusão que, esse sim, é um voto que não é válido (com trocadilho, por favor). Quem consegue escolher um candidato "menos pior", é porque está disposto a receber um governo "menos pior". E, convenhamos, é uma concepção bastante medíocre de enxergar o Brasil. Sei que é impossível que um governante consiga implementar todas as idéias propostas durante a campanha, mas é possível (a mim, pelo menos) enxergar quando há uma vontade política por parte de um governo de trabalhar pelo país. Não é o que eu vejo. Nunca vi, aliás. Vejo o contrário. Vejo interesses escusos sempre postos à frente na agenda política. Vejo governantes apenas dispostos a satisfazer suas bases, com cargos, verbas e o que mais for necessário para mantê-la. Vejo poderosos ególatras e vaidosos patológicos cultivando interesses eleitorais e o aplauso das claques.

Claro que, por ter essa visão, sofro ataques constantes dos missionários do maniqueísmo. A turma do "menos pior" exige que eu escolha alguém. Militantes vão além. Não se conformam que eu tenha a petulância de rejeitar (e ainda criticar, veja você) o candidato que eles consideram o melhor. Ou "menos pior"... já nem sei mais.

Há muitos anos, Millôr Fernandes decretou ― com toda a autoridade ― que o Brasil é um país condenado à esperança. Pois eu escapei dessa condenação há algum tempo. Voto nulo, sim. É um voto muito conceitual ― e conceituoso. Não me orgulho disso, mas também não me envergonho. Jamais fiz propaganda anarquista ou antidemocrática e nunca tentei mudar o voto de outra pessoa. É apenas a única alternativa que o ceticismo me deixou. Não quero e não preciso convencer as pessoas de minhas convicções. Apenas não abro mão de tê-las.

Nota do Editor
Leia também "Pelo direito (e não o dever) de votar".

Diogo Salles
São Paulo, 12/8/2008

 

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