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Quarta-feira, 27/8/2008 O óbvio ululante da crônica esportiva Luiz Rebinski Junior Em 1962, Nelson Rodrigues participava de uma das primeiras mesas-redondas de futebol da televisão brasileira, na TV Rio. O tema da discussão era um Fla-Flu vencido pelo time das Laranjeiras em que o juiz Airton Vieira de Morais, o Sansão, deixou de marcar um pênalti para o rubro-negro carioca. Para tirar definitivamente a dúvida se o juiz errou ou não, Luís Mendes, âncora do programa, manda rodar o teipe, grande novidade na TV brasileira e que prometia acabar com várias discussões sobre lances polêmicos. Ao rever o lance, os integrantes da mesa foram unânimes em apontar pênalti contra o Fluminense. Todos, menos o tricolor Nelson Rodrigues, que não pestanejou em dizer: "Se o videoteipe diz que foi pênalti, pior para o videoteipe. O videoteipe é burro". A história é bastante conhecida e é narrada por Ruy Castro em O anjo pornográfico, a biografia de Nelson Rodrigues. Mas a passagem não é apenas hilária, é também ilustrativa de como o jornalista Nelson Rodrigues, que sofria de um crônico problema de visão, via "o seu próprio jogo", muito mais com as lentes de um escritor do que de um jornalista ― afinal, detestava os idiotas da objetividade. Nelson Rodrigues, nosso maior dramaturgo, foi também nosso maior cronista esportivo. Mas seu jeito shakespeariano de contar uma partida de futebol parece ter morrido junto com ele. Hoje, o que se vê nos cadernos de esporte é um jornalismo chato, massificado e burocrático. Quase não há vozes dissonantes na área esportiva da imprensa escrita brasileira, que, aliás, deveria assumir outra nomenclatura e mudar o nome para editoria de futebol, seria mais sincero com os leitores e condizente com o conteúdo. A leitura de um caderno esportivo se tornou previsível. A falta de imaginação para boas pautas, que fujam do preguiçoso esquema preparação-jogo-repercussão, deixou os cadernos de esporte um espaço de leitura banal, em que o mais do mesmo é regra. Sem contar, claro, nos inúmeros comentaristas que se abundam na imprensa esportiva. Hoje, o que mais há é gente metida a comentar futebol. Há até o blog do torcedor nos grandes portais de informação. Como se não fosse suficiente ex-jogadores, ex-árbitros e ex-técnicos falando de futebol, agora até os torcedores são comentaristas, como se qualquer um tivesse algo relevante a dizer. Não tem. E isso deixa a leitura de cadernos de esporte empobrecida. Pura perda de tempo ― de quem escreve e de quem lê. E talvez seja esse o motivo pelo qual, nas redações, principalmente de rádio e televisão, o esporte é sempre dissociado do jornalismo. Como se a cobertura de esporte também não fosse jornalística. Além de ser um "preconceito" histórico, que remete às origens do jornalismo nacional, a separação entre jornalismo e esporte certamente é fomentada por conta dessa avalanche de gente despreparada que fala e escreve sobre esporte em nossa imprensa. E de toda a fauna esportiva, o ex-jogador é o que mais causa urticária quando abre a boca. Parece haver um consenso burro em torno da idéia de que basta o cidadão ter jogado futebol durante 20 anos para poder se tornar um comentarista da bola. Isso o credencia a falar e escrever sobre futebol, mesmo que não consiga formular uma frase sequer sem agredir a querida língua portuguesa. Mas isso não importa, falar errado para milhões de telespectadores, no caso da TV, é o de menos, o que vale é que quem está comentando tem experiência, esteve no gramado um dia e sabe o que fala. Mas o pior é que muitos não sabem o que dizem ― ou não sabem como dizer o que sabem. Não é preciso ser fanático por futebol para perceber que a maioria dos comentaristas fica apenas repetindo o óbvio durante 90 minutos, sem dizer nada de singular ou que faça o telespectador pensar. Então por que ter uma pessoa que fique verbalizando ― muito mal, diga-se de passagem ― o que as câmeras mostram, por diversos ângulos diferentes? O fato é que a cobertura esportiva no Brasil menospreza a inteligência do leitor/espectador. A abordagem nonsense do futebol, os comentários vazios, que não dizem nada e só servem para encher lingüiça, ignoram o senso crítico de quem gosta de esporte (leia-se futebol, sempre). Na televisão a cabo, que oferece canais especializados, a qualidade melhora um pouco. Há gente mais preparada, que só fala quando tem certeza e evita dizer besteiras durante a transmissão. Mas na televisão aberta, o nível vai lá embaixo e não sobe de jeito nenhum. Além disso, o Brasil talvez seja o único país do mundo em que existe a figura do comentarista de arbitragem. Ou seja, um "especialista" do apito, geralmente árbitro aposentado, que vai avaliar o desempenho da autoridade máxima da partida. Seu trabalho consiste, basicamente, em esclarecer lances polêmicos, depois de rever várias vezes o replay da jogada. Fácil, não?! É a coisa mais esdrúxula do esporte. Simplesmente porque, no futebol, por conta de regras frouxas, há sempre espaço para interpretações diferentes de um mesmo lance, o que torna a opinião do especialista em arbitragem pouco relevante, pois é só mais uma entre tantas possíveis. Mas mesmo assim, em todo jogo de futebol no Brasil a figura meramente ilustrativa do comentarista de arbitragem se faz presente, inexplicavelmente. É claro que em um país onde o futebol faz parte da vida de grande parte da população, as pessoas se sintam confortáveis em palpitar sobre a escalação dos times, falar da arbitragem e comentar os bastidores do futebol em mesas de bar. Mas deveria haver um limite entre aqueles que se preparam para um ofício e quem apenas dá pitaco. Porque a maioria dos nossos comentaristas não faz mais do que palpitar, como qualquer um faria em uma roda de amigos, com maior ou menor habilidade. Não há quase nada de relevante saindo da boca dos comentaristas, apenas o óbvio. Então qual seria o critério para uma pessoa virar cronista esportivo? É o que me pergunto toda vez que ligo a televisão em busca de um bom jogo de futebol e escuto gente mais ignorante do que eu falando besteira. Em uma área tão povoada de pessoas que acham muito e sabem pouco, a saída certamente é a informação. Por isso que Paulo Vinicius Coelho, o PVC, destoa tanto entre os especialistas de futebol. Quando o jornalista da ESPN Brasil começa a falar de táticas e estatísticas obscuras do mundo da bola, o telespectador tem a certeza de estar vendo um profissional que checou informações, suou a camisa atrás de novidade, e não apenas mais um torcedor travestido de comentarista. E é isso que faz a diferença em um meio carregado de palpiteiros. Em qualquer área do jornalismo, o público quer sim opinião, claro, mas quer também informação, saber o que desconhece e agregar conhecimento ouvindo gente que vai atrás daquilo que poucos sabem. E no jornalismo esportivo não deveria ser diferente, mas o bom e dedicado repórter, como PVC, é exceção em meio aos especialistas do nada. Em uma outra ponta, há gente que tenta dar mais sabor à caretice da nossa crítica esportiva fugindo dos números e apostando em uma boa prosa. Jornalistas vindos de outras áreas que não a do esporte, como Xico Sá (literatura), José Roberto Torero (cinema e literatura) e José Geraldo Couto (cinema) dão à crônica de futebol uma chance de escapar do lugar-comum. Principalmente o primeiro deles, Xico Sá, que tenta revelar o lado B do esporte em textos repletos de boas referências culturais. Crônicas que trazem a irreverência de um João Saldanha, a poesia de um Armando Nogueira e os delírios de um Nelson Rodrigues, sem esquecer da sabedoria do alambrado daquele que faz o mundo da bola girar, o torcedor. Mas assim como o superespecialista PVC, Xico Sá é um estranho no ninho. O grosso da crônica esportiva nacional é de palpiteiros que trocaram o boteco pelo estúdio de televisão e não se deram conta disso. Ao torcedor, impossibilitado de desligar a televisão por conta da paixão, resta apenas resignar-se ante o discurso insosso dos nossos profetas da bola. Luiz Rebinski Junior |
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