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Terça-feira, 19/8/2008 A última casa de ópio, de Nick Tosches Rafael Rodrigues Você pode comprar um livro porque alguém lhe indicou, ou por ter lido uma matéria sobre ele. Você pode também comprar um livro porque ele está em alguma lista de mais vendidos. Mas existem casos mais curiosos. Existem pessoas que compram livros pela capa, ou por causa do título. Não sem antes ler a orelha dele, claro. Há ainda pessoas que, antes de decidirem levar uma obra para casa, lêem os primeiros e os últimos parágrafos. Sim, lêem o fim do livro. Gostando de ambos, compram. Já fiz isso, uma vez, e não me arrependo. Mas sou do tipo que compra livros por intuição. Não a intuição sozinha, pura, é claro. Acontece assim: você está em uma livraria e vê um livro na estante, quase que escondido, entre outros títulos. Você resolve folheá-lo. A capa é muito bonita, os dizeres da orelha são atraentes, mas, como você sabe, não se pode confiar em capas bonitas e orelhas elogiosas. Além disso, você não conhece o autor. Nenhum de seus amigos literatos recomendou que você o lesse. É muito provável que eles também não o conheçam. Você fica com o livro nas mãos por alguns segundos, enquanto pensa em tudo isso. Você sente o peso do livro, sente a capa, abre-o para sentir o cheiro. Você se interessa pelo livro, sente (alguma coisa lhe diz) que ele tem potencial, mas não o compra de imediato. Você o devolve ao seu lugar de origem e vai tomar um café. Alguns dias depois, acontece novamente: pega o mesmo livro, folheia-o a esmo, pensa em comprá-lo. Mas, não se sabe por qual motivo, não compra. Tempos depois, você o toma novamente em suas mãos e lê o primeiro parágrafo: "Veja bem, eu precisava ir pro inferno. Eu estava, pode-se dizer, com saudade de casa. Mas antes, à guisa de explicação, a cebola." É o início de A última casa de ópio (Conrad, 2006, 94 págs.), do jornalista e escritor americano Nick Tosches. "À guisa"? Quem mais usa "À guisa" hoje? Vocês conseguem perceber a beleza da expressão? "À guisa"! Um início genial, pois. Só isso já valeria o livro. Finalmente, você o compra. Depois de lidas as primeiras páginas, percebe que ele não é só um belo início. Mistura de história, jornalismo investigativo e road book, A última casa de ópio, narra a busca de Tosches por uma casa de ópio. O ópio, como todos sabem, é uma droga ilícita. Mas, para Tosches, o ópio é uma espécie de substância sagrada. E ele diz: "Sim, eu nasci para fumar ópio, nasci para fumá-lo numa casa de ópio". Mas, o leitor pergunta, por que o ópio? E por que a casa de ópio? Perguntas que o próprio Tosches faz no livro e também as responde: "A resposta pode ser dada numa palavra só: romance". "Visões de locais escuros, de decadência luxuosa, com cortinas de brocado e almofadas de veludo, recendendo uma mistura de fumaça e aroma de incensos e da própria substância celestial, proibida, fabulosa. Serviçais silenciosos e solícitos. Atemporalidade. Santuário. Membros adoráveis despontando das vestes entreabertas de relaxadas e exóticas concubinas, docemente intoxicadas. Sonhos dentro de sonhos. Romance." À primeira vista pode parecer que Tosches é um jornalista drogado e porra-louca. Mas ele faz questão de deixar claro que sua busca por ópio e por uma casa de ópio não é uma loucura sua: "Não me entendam mal: sou contra as drogas, há muito tempo renunciei ao seu uso e abracei o caminho espiritual apontado por A profecia celestina e aquele cara com a testa grande e brilhosa. Drogas matam". Tosches é só um homem com um objetivo, nada mais. E muita determinação em alcançá-lo. A diferença é que seu objetivo é um tanto quanto alternativo, digamos. Tosches diz que nos Estados Unidos seria quase impossível conseguir ópio. Mais difícil ainda seria encontrar uma casa de ópio: "Por dois anos, com a ajuda de muitas pessoas, até de algumas não estranhas às camadas menos respeitáveis da sociedade, eu procurei". Esgotadas as suas possibilidades nos Estados Unidos ― e também na Europa, onde ele também procurou por uma casa de ópio ― ele decide ir ao Oriente. Talvez lá consiga encontrar o que tanto procura. O mais interessante em A última casa de ópio não é nem o seu desfecho, mas sim o seu durante. Uma vez García Márquez disse algo mais ou menos assim: "se é necessário descrever a porta de um hotel em Paris, saiba quantos degraus tem a escada que vem depois dela, não importa se essa informação, no final, vai aparecer ou não". É o que faz Nick Tosches em seu livro: ele não apenas narra sua busca incessante por uma casa de ópio, mas conta a história da droga desde sua origem até sua derrocada e seu conseqüente quase total desaparecimento, além de mostrar o quão degradante pode ser viver em cidades como Hong Kong e Bangcoc. O livro é de uma riqueza jornalística que impressiona. E depois de passar por apuros, becos escuros e lidar com pessoas de caráter duvidoso em busca de sua "droga sagrada", Tosches parece enxergar melhor as coisas. Tanto que logo no início do livro ele faz duras críticas às nossa sociedade: "A nossa era é, cada vez mais, a era do pseudoconhecimento, o modo pelo qual tentamos totalmente nos diferenciar da maioria medíocre". Grata surpresa, A última casa de ópio pode ser lido de diversas maneiras: relato de viagem, jornalismo, história, crítica social. E é tudo ao mesmo tempo. Mas nem por isso deixa de ser um livro divertido, instigante e às vezes até esculachado. Mais um fruto do jornalismo gonzo. Se você gosta de jornalismo e literatura e não conhece o gênero nem Nick Tosches, não sabe o que está perdendo... Para ir além Rafael Rodrigues |
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