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Segunda-feira, 25/8/2008
Trauma paulistano
Eduardo Mineo

Depois de ser apresentado à zona sul carioca, não consegui mais pensar em como apresentar São Paulo sem usar o qualificativo "droga" antes de tudo:

― Esta é a droga do Ibirapuera.
― Esta é a droga da Avenida Paulista.
― Esta é a droga da praça da Sé.

Estamos passando, São Paulo e eu, por uma, digamos, fase. Já gostei muito de São Paulo, fomos bons companheiros por todo esse tempo, mas quando um paulistano fica deslumbrado com uma praia é sinal de que precisa reavaliar toda a sua relação com a cidade urgentemente.

E reavaliei. Ou tentei. Morando em São Paulo, o trânsito, a poluição, o barulho, os motoboys, as chateações do dia-a-dia vão ocupando tanto espaço na sua memória, que de repente você se esquece que embaixo de toda aquela parafernalha existe um lugar habitável, sereno, simpático, com coisas que fazem valer a pena estar ali, morar ali e ter uma vontade tranquilizante de querer acompanhar tudo aquilo para sempre.

São Paulo é feia, tudo bem. Se você é paulistano, finja que não tem nenhum carioca ouvindo e convenha comigo em silêncio: São Paulo é horrorosa. É um jagunço assoando o nariz na forma de cidade. Uma tragédia. Entretanto, pondo-se de lado esta agressão aos olhos de quem tem um pingo de discernimento, São Paulo é um lugar que de certa forma te dá muito, não apenas gastrite e doenças respiratórias, ou porque é possível ir a um cinema que passa filmes do Bergman de madrugada, mas São Paulo dá em qualquer sentido de evolução pessoal, como ser humano. São Paulo faz crescer, acredito. E essa deve ser sua maior qualidade.

Óbvio que não dá pra comparar São Paulo a Nova York em matéria de qualquer coisa, por exemplo. Capital cultural é lá. Capital gastronômica é lá. São Paulo é uma pracinha de alimentação perto de Nova York. O que o homem colocou na boca um dia, lá tem pra vender. Mas São Paulo é o mais próximo que conseguimos chegar de uma civilização que funciona favoravelmente. Tudo parece fluir com uma eficácia até impressionante quando você volta para São Paulo de uma viagem pra outro estado onde tudo é um pouco mais lento e informal. Até o trânsito, que é brutal quase todos os dias, possui uma certa ordem que não se encontra em nenhum outro lugar no Brasil. Mas só num final de semana dá para notar a genialidade na engenharia de tráfego paulistana porque é menos sutil do que quando ela está sendo testada com uns 500% de sua capacidade.

Gosto muito de andar pelo Jardins, bairro onde moro, da mesma forma como gosto de andar por Copacabana. Gosto dos prédios. Das lojas. Das velhinhas andando com cachorros. Lá no Jardins tem bons cafés como o Café Suplicy na Alameda Lorena e o Santo Grão na Oscar Freire. Tem bons restaurantes. Pessoas civilizadas e bonitas. Boas livrarias. Se quer qualquer coisa, suba a Rua Augusta até a Avenida Paulista. Lá tem tudo que alguém possa querer. E, num geral, bom, é bem seguro. Tem mendigos e pedintes como era de se esperar numa cidade do calibre de São Paulo, mas criminalidade no Jardins, nunca vi. Semana passada tentaram roubar um flat, é verdade, mas em alguns minutos 40 viaturas cercavam a quadra. É uma eficiência que quase me constrange quando comparada à de outras regiões, mas assegura o que eu disse.

Agora, detesto o centro velho. Parafraseando Paulo Francis, na década de 1950 Paris cheirava a gasolina como o centro cheira a mijo. É o maior exemplo de caos em São Paulo, com um comércio excessivamente bem sucedido, ruas lotadas e sujeira para todo lado. É uma visualização bem convincente do que os espíritas chamam de Umbral. Deve ser mais ou menos aquilo lá.

O centro, entretanto, guarda ainda alguns dos melhores lugares para se comer, não apenas o estratosférico Terraço Itália, na República, como o Café Girondino, que sempre me agradou bastante na Boa Vista, um tipo de ilha civilizada no centro. Ali do lado tem o Viaduto do Chá, que esses dias se jogou nos meus olhos de um cartão postal que me fez pensar: é, até que é bonito. Viaduto do Chá é onde fica o Teatro Municipal paulistano, uma pequena amostra do paraíso na Terra. Já vi boas vezes Jamil Maluf e José Maria Florêncio operando alguns milagres musicais naquele lugar a meros 30 ou 40 merréis na primeira fileira. É um absurdo. Gente pagando um salário para ver ator de Malhação cantar quando basta atravessar a rua para se chegar ao céu. Deixem estar, é só meu.

Aos poucos vou refazendo as pazes com minha cidade, relembrando o que me fazia ter horror a praias e lugares sem poluição. Hoje já não tenho horror a praias e lugares sem poluição, mas acho engraçada a lealdade que eu tinha com São Paulo quando era mais novo, que é a lealdade de quem fala que São Paulo é bonita por uma questão de respeito. Nega sempre, mas, no fundo, ele sabe que a pobre é feinha mesmo. E que sem graça seria se não fosse.

Nota do Editor
Leia também o Especial "SP 450".

Eduardo Mineo
São Paulo, 25/8/2008

 

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