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Quarta-feira, 3/9/2008 Devaneios sobre as Olimpíadas ― 2008 Rafael Fernandes Barcelona, 1992 ― As primeiras Olimpíadas que me lembro de acompanhar foram as de 1992, em Barcelona. Ali comecei a admirar e assistir jogos de vôlei e basquete, mas apenas em alto nível. Pois diferentemente do futebol ― que posso assistir série A, série B, Copa do Mundo, Copa dos Campeões, um jogo da várzea e uma pelada na praia com o mesmo entusiasmo ― só assisto os dois esportes citados nos grandes jogos de seleções. Não tenho o hábito de acompanhar times. Naquele ano vi o Dream Team do basquete dos E.U.A. Lá estavam Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Pat Ewing, Karl Malone e tantos outros dando um show de bola. No vôlei masculino, a competente equipe brasileira me abriu os olhos para esse esporte. E as mudanças de regras aplicadas há alguns anos (fim da vantagem, mudança para 25 pontos, entre outros) ajudaram a deixar o jogo mais ágil e interessante. Torcida ― Nos jogos, admito que torço para o Brasil. Mas não de incentivar, berrar, xingar, mas de sentir certo nervosismo ― ainda que não sinta a frustração da derrota (diferentemente do que ocorre quando meu time que torço no futebol perde...). Não torço pela "pátria", muito menos pela "honra" do país. Mais pelo hábito de ter acompanhado os times brasileiros desde sempre, pela empatia, identificação. Isso porque tendo a concordar com quem disse que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Mas, por outro lado, não consigo entender quem torce contra, por birra. Não ligar, não ver importância, achar bobagem, babaquice, um porre, acho perfeitamente compreensível e válido. Mas esse ir contra, quase por um prazer mórbido, simplesmente pelo ato em si, me parece um pouco infantil. Atletas ― Não consigo deixar de admirar os atletas de altíssimo nível, os craques, em qualquer modalidade. Pela beleza do que representam. Abdicam de muitas coisas para trabalhar incessantemente, vivem para aquilo, respiram seus treinamentos, têm disciplina absurda, uma capacidade incrível de foco e concentração, querem sempre se superar, se adaptam ao imprevisível. E apresentam novidades, soluções antes impensadas e que acabam virando "banalidades". Gosto dessa união invejável de força psicológica, física e técnica. Acho interessante observar o olhar e postura petulantes dos jogadores que estão confiantes em sua atuação. Por outro lado, há a convivência constante com a dor, seja nas pequenas lesões, nas mais graves ou nas pequenas dores do dia-a-dia, que invariavelmente acompanham os atletas por toda a carreira ― sejam dores musculares pós-treino, traumas pós-jogo ou incômodos crônicos. Dramas ― Eventos como as Olimpíadas são grandes palcos para a exibição de dramas e viradas, que poderiam aparecer num blockbuster hollywoodiano. Maurren Maggi foi suspensa por doping e afirmou que, nesse período, chegava a chorar ao pisar em uma pista de atletismo. Deixou a carreira de lado e pensou seriamente em encerrá-la, precocemente. Resolveu continuar e, depois de ter que partir quase do zero, com treinos puxados, ganhou o ouro. José Roberto Guimarães, competentíssimo, carregou um fardo excessivo pela derrota na semifinal nas Olímpiadas de Atenas, quando o Brasil ganhava de 24 a 19 e permitiu a virada. A seleção foi marcada como "amarelona". O técnico por anos viu torcedores erguendo cartazes com esse placar em diversos jogos. Mesmo abalado e, como ele mesmo disse, com dificuldade de se recuperar, renovou a seleção e, com um planejamento que culminou numa campanha impecável, conseguiu "limpar" seu nome. Mas talvez nenhum drama supere o do treinador do vôlei masculino dos EUA, Hugh McCutcheon. Seu sogro foi morto a facadas por um chinês (que se suicidou em seguida) e sua a sogra ficou ferida. Tudo isso acontecendo na frente de sua esposa, a jogadora Elisabeth Bachman McCutcheon. Depois de ficar fora dos três primeiros jogos, ele conduziu o time do Tio Sam numa campanha brilhante. Preparo ― Os brasileiros que tiveram sucesso nestas Olimpíadas são fruto do mais óbvio ingrediente do esporte: o preparo. Mas que nem de longe esteve dentro de uma política esportiva ― seja no alto nível ou na formação. Foram iniciativas pontuais. César Cielo, por exemplo, é empresariado por Fernando Scherer (o Xuxa) e foi treinar (como Scherer e Gustavo Borges) nos EUA. Sua medalha é fruto de seu esforço e dos recursos de seu pai. Maurren Maggi não é uma entre várias promessas do salto em distância. É uma atleta que o próprio treinador no começo achou comum e que iniciou a carreira graças ao esforço de seu pai para conseguir dinheiro que a permitisse prosseguir. Conseguiu alguns bons resultados e, após ser pega no doping, recomeçou e conseguiu voltar à boa forma e ser a melhor de sua modalidade no momento. Atletas da vela afirmam que vão repensar o esporte, por terem que tirar dinheiro do próprio bolso para se manter. O resultado do futebol feminino chega a ser uma aberração. As grandes jogadoras são lapidadas fora do país e os campeonatos aqui, quando existem (raríssimos), se perdem nas sempre não cumpridas promessas de apoio. O caso do vôlei de quadra (masculino e feminino) talvez seja a exceção: com sementes plantadas nos anos 80 e um belo e contínuo trabalho realizado desde o começo dos anos 90, mostra como é possível em um prazo de 20 anos tornar uma modalidade numa potência ― o time masculino dos anos 2000 é referência tática pela rapidez que implementou no jogo, uma revolução. Já o basquete, que um dia empolgou, hoje está abandonado e nem chegou às Olimpíadas de Pequim. A maioria das modalidades, afinal, se encontra nesse lamentável quadro. Micos ― As Olimpíadas sempre apresentam vários micos. Alguns engraçados, graciosos, outros tristes e alguns simplesmente insuportáveis. Nestas de 2008 houve a declaração da filha da medalhista de ouro Maureen Maggi afirmando, meio desapontada, que estava esperando que a mãe ganhasse a de prata, por achar mais bonita. A queda de atletas (como no hipismo e ginástica, por exemplo) são sempre tristes. Aliás, as competições podem ser muito cruéis: anos de preparação diária podem acabar em alguns minutos numa eliminação precoce. Nos micos chatos estão, por exemplo, os foras que alguns narradores dão, mostrando despreparo e deixando os comentaristas ― em geral, especialistas ― em saias justas. Mas dois tipos de mico estão entre os campeões de chatice. Primeiro, os narradores ufanistas, insuportáveis, que acham que o telespectador é idiota. E os piores disparados: as matérias com parentes de jogador. Não dá pra aguentar as filmagens na casa das famílias aparecendo no meio dos jogos. Haja paciência para acordar de madrugada e aturar isso. Às vezes é melhor deixar a TV no mudo... O desempenho do Brasil e os aproveitadores ― O Brasil teve atuação ruim em Pequim. Mas o problema não é perder. Afinal, é um jogo ― e sempre tem um adversário. O que é óbvio, mas alguns preferem exaltar os erros dos brasileiros, se esquecendo dos acertos do adversário. E, no Brasil, a maioria dos atletas abdica de muito para conseguir uma vaga em Olimpíadas, com pouco ou nenhum apoio, em geral projetos de vida, resultado de anos de preparo que muitas vezes acabam em um dia. Perde quem tenta. Não é chegar lá e "decepcionar", como gostam de dizer alguns (aliás, recepcionar atletas com camisas "fui a Pequim a passeio" é uma das coisas mais tolas e deselegantes que já vi). Talvez o pior nem seja o desempenho insatisfatório ― é preciso assumir que não somos uma potência no esporte. O ruim, mesmo, é ver a continuidade e/ou incompetência de dirigentes que não evoluem em resultados e não geram sustentabilidade para os esportes, nem no alto nível, muito menos na educação. E como se apegam a um momento revista Caras: se prendem a bobagens como "maior delegação do Brasil de todas as Olimpíadas" e posam ao lado de atletas vitoriosos, a quem pouco suporte deram, sugando seus esforços individuais para sair na foto, envoltos em suas vaidades, prontos para usaram esses sucessos pontuais como moeda de troca em lobbys. Gente tão embriagada pelo próprio ego que é incapaz de ver como esportes de alto nível, se bem estruturados, podem gerar relevante impacto econômico em seu entorno. Como querer, então, que enxerguem seu potencial formador? Mas não é de se espantar. É uma situação corriqueira de nosso país. Rafael Fernandes |
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