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Terça-feira, 9/9/2008 Sabino e Nelson, muito obrigado Rafael Rodrigues 1 Há alguns anos eu costumava dizer que havia nascido na época errada. Embriagado por autores e livros das décadas de 1940, 1950 e 1960, me entristecia viver de nostalgias. Pensava que poderia ter conhecido Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Nelson Rodrigues, Vinicius de Moraes, Jayme Ovalle, Murilo Rubião, entre outros. Tinha a ilusão de que certamente teria convivido com eles. Para tanto, além de ter nascido 60 anos antes, precisaria nascer em Minas Gerais ou no Rio de Janeiro. Com o tempo, esses pensamentos foram se perdendo em minha mente. Graças a Deus, não penso mais assim. 2 Um amigo quase 20 anos mais velho que eu me chama de velho. E de conservador. E eu só tenho 25. Mas não nego: sou mesmo um conservador, um romântico. E velho, muito velho, de espírito. Mas só às vezes. Pessoalmente, no dia-a-dia, sou um menino, um palhaço, um brincalhão. Até demais, confesso. O fato é que o menino é quem dá vitalidade ao velho. E o velho dá ao menino o bom senso de saber quando brincar. 3 Hoje, agradeço por ter nascido no início da década de 1980. As coisas, creio eu, quando têm de acontecer, acontecem no tempo certo. Talvez, se tivesse nascido antes ou depois, não viveria o que vivi ― e o que ainda vou viver. Não conheci pessoalmente Sabino, Otto, Vinicius, Nelson, Rubião ou Ovalle, mas poder ser influenciado por todos eles ― principalmente Sabino e Nelson ― e por outros tantos já é algo a se comemorar. 4 Ao falar sobre os jovens de hoje, o faço mantendo o distanciamento necessário para que eles me vejam como um senhor rabugento de 50 anos. Mas, me digam, por favor, se não tenho razão. A juventude de hoje está perdida. Não se fazem mais jovens como antigamente. Os jovens de antes, os que nasceram até 1985, tinham uma vontade, um sonho de mudar o mundo, de fazer algo importante, ou de pelo menos não serem idiotas. Mas os jovens de hoje, o que são? Salvo raras exceções, são todos idiotas. 5 Tomei consciência de mim mesmo muito tarde. E não é uma sensação muito boa saber quanto tempo foi perdido com transgressões juvenis sem nenhum propósito. Dos 17 aos 19 anos pensei no que faria de minha vida dali por diante. Ser historiador? Jornalista? Político? Sim, pensei na política. Foi no que pensei primeiro, aliás. Todo jovem é ingênuo, e eu já fui, um dia. Ainda sou, um pouco. Mas enfim. Quis ser político. Resolver os problemas da minha cidade, do meu estado, do meu país. Se não me engano, foi Rimbaud quem disse que não se é sério aos dezessete anos. Querer, aos 17 anos, ser político, é uma piada. Aliás, querer ser político é sempre uma piada, em qualquer idade. 6 Depois dos 19 me dei conta de que, se conseguisse recuperar o tempo perdido e se me dedicasse com afinco, poderia ser escritor. Um belo começo era estar cursando Letras. É certo que engenheiros, médicos e até atrizes podem ser escritores, nos nossos dias. Mas eu não queria ser um escritor qualquer. Lembro que, na época, eu pensava em ser O escritor. E não me preocupava o que dissessem ou a péssima qualidade do que eu escrevia. Sou do tipo que persiste, aconteça o que acontecer. Um cabeça-dura, para ser mais claro. 7 Mas escritores não são escritores apenas porque querem. Eles o são por motivos outros, e às vezes até por motivo algum, quase que "sem querer". Tanto que há uma multidão de pessoas publicando livros e mais livros. São pessoas que vivem de escrever, que têm uma obra considerável (cinco, seis títulos publicados, até romances!), mas não são verdadeiros escritores. São pessoas que escrevem, apenas. E há uma grande diferença entre ser escritor e publicar um livro. Não entrarei em detalhes, até porque o assunto deste texto não é esse. 8 Parágrafos antes citei Fernando Sabino e Nelson Rodrigues. Comecei a ler Fernando por um livro que, pelo título, pode parecer auto-ajuda: A volta por cima, de crônicas. Li em uma tarde. Lembro claramente em qual estante da biblioteca da universidade ele estava, de como e quando o li (depois do almoço, sentado na cama, encostado na parede; eu ainda não trabalhava, na época). No dia seguinte o devolvi, e toda semana pegava emprestado um livro do Fernando. Em alguns meses, li quase todos os seus livros. Um deles, o romance O encontro marcado, me deixou estupefato e me marcou de uma maneira que somente mais três livros me marcariam: Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago; Ratos e Homens, de John Steinbeck; e Crime e Castigo, de Dostoiévski. Todos são livros que merecem ser relidos, mas somente o de Sabino eu releio rigorosamente a cada dois anos. 9 Eduardo Marciano é o protagonista. Sua vida se confunde com a de Fernando Sabino. E a minha se confunde com a de Eduardo. Logo, com a de Sabino. Tenho o que chamo de "Mal de Eduardo Marciano". A pressa de viver, a vontade de abraçar o mundo, os fatos que acontecem todos ao mesmo tempo, quase não deixando brecha para respirar. Vida que passa e quase não vejo. O tempo que não pára, a obrigação de fazer tudo dar certo. Não somente eu sofro desse mal. Mas talvez poucos o levem tão a sério e o sintam tão verdadeiramente. 10 Nelson Rodrigues eu conheci bem mais tarde. Pensava que ele era um louco, uma espécie Sófocles hard-core. Ou seja: além de ter uma relação carnal com a mãe e matar o pai, o protagonista de um possível Édipo de Nelson narraria tudo em primeira pessoa, com todos os detalhes e, ao contrário do personagem da obra de Sófocles, ele não teria um final trágico, muito pelo contrário: seu final seria feliz, ao lado da mãe, fingindo não saber ser filho dela. Puritano e ingênuo, eu tinha horror aos textos de Nelson só de ouvir falar. Jamais o leria, pensava. Mas conheci Bukowski, e ler Bukowski amacia qualquer um. Sangue, suor e sexo já não era mais problema, e um belo dia Mayrant Gallo ― escritor e meu eterno professor de Teoria da Literatura ― resolveu ler em sala de aula uma das peças de Nelson. Era o fim de uma má impressão que eu carregava há tempos. 11 Anos depois, numa fase reacionária e já fugindo da linha "quero ser escritor", passando para uma linha "quero ser não sei o quê, mas o vou ser no campo da literatura", comecei a ler o Nelson cronista. Primeiro, alguns textos do jovem gênio. Depois, textos do gênio em sua fase madura. E, nossa, como é bom ler Nelson. Ele é a verdadeira Voz do Brasil. Seus textos, apesar de sempre invocarem personagens e situações de sua época, não se perdem no tempo. E agora me veio a dúvida: mérito dele, por ser um visionário, ou demérito do Brasil, por se manter na mais extrema inércia, uma eterna república de idiotas? 12 Mas deixemos a revolta de lado. Eu falava de Fernando Sabino e Nelson Rodrigues. Parece coisa de fanático religioso, mas o primeiro me deu um caminho a seguir. É como se O encontro marcado tivesse sido uma Revelação, para mim. O segundo me deu a consciência de que não se deve temer nada nem ninguém. Se há verdades para dizer, que sejam ditas. Doa a quem doer. E ambos dizem que, por mais atormentada que seja a vida ― em Sabino, o existencialismo, os conflitos internos; em Nelson, as tragédias nuas e cruas, os absurdos reais e ululantes ―, ela deve ser vivida. Da melhor maneira possível, aconteça o que acontecer. Rafael Rodrigues |
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