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Segunda-feira, 15/9/2008 Comunicado importante: TV mata! Pilar Fazito No início da década de 1990, quando Madonna ainda era uma bad girl, o fotógrafo Oliviero Toscani fazia a Benetton se tornar uma grife mundialmente conhecida por suas polêmicas e marcantes publicidades. Nessa época, ele era tão popular quanto a pop star e chegou a dar entrevistas tão escandalizantes quanto o seu trabalho. Numa delas, disse que não tinha TV em casa. O mundo ficou horrorizado e houve quem o julgasse um tirano, por não permitir que os filhos vissem o que se passava no mundo, através da telinha. Há mais de quinze anos, não ter uma TV em casa era como se o cara fizesse parte de uma seita norte-americana em que as pessoas se isolam do resto do mundo e as mulheres deixam os cabelos crescerem até os joelhos, como as unhas do Zé do Caixão. Hoje a situação mudou um pouco. Sei de uma mulher que não assiste à TV e talvez seja a pessoa mais antenada que conheço. Ela sabe, de antemão, de tudo o que se passa no mundo e à sua volta. Desfez da TV, cancelou assinatura de jornais e revistas e vive plugada na internet. Isso é possível porque seu trabalho exige que ela deixe o notebook ligado o tempo todo ao seu lado. Entre reuniões por Skype, arquivos e documentos enviados por e-mail, ela acompanha sites de notícias que ela mesma escolhe. De qualquer parte do mundo. Ou seja, não há necessidade de se sujeitar a assistir àquilo que é previamente escolhido, editado, pasteurizado e embalado pelas redes de TV e, de quebra, também não precisa sofrer com a programação dominical. Ainda assim, desfazer da TV é algo bizarro para uma sociedade em que o caixote eletrônico responde pelo maior número de vendas do setor eletrodoméstico no Brasil. Ainda mais agora que todo mundo quer trocar o trambolhão pelos modelitos de telas planas, cristal líqüido, LCD, digital e o escambau. Lembro da primeira TV que meu pai comprou, no final da década de 1970. Com um orgulho tão grande quanto o tubo de transmissão do próprio aparelho, ele veio arrastando aquele móvel pesado, impressionando toda a família. Havia um disco preso ao aparelho e quando queríamos mudar de canal, nos levantávamos da poltrona, íamos até lá e girávamos aquela espécie de dial dentado, que fazia um barulho esquisito, como as antigas máquinas de escrever. As brigas infantis pelos canais eram mais raras porque não havia muita variedade na programação, mas eram mais engraçadas porque tínhamos que nos exercitar entre o sofá e a TV: era um levanta-senta, muda de canal, "perdeu lugar", fica na frente para pirraçar; e tome chinelada. Todo mundo ficou encantado com a TV. Já eu me encantei mesmo foi com a caixa de papelão enorme que a embalava, a ponto de querer morar dentro dela. Hoje as embalagens dos aparelhos de TV são tão finas que não cabem nem mesmo um cachorro. Não tem mais graça alguma. Minha amiga antenada diz que TV rouba tempo da gente. Ela lê mais de cem livros por ano, freqüenta cinema uma vez por semana, trabalha de sol a sol, viaja, participa de almoços em família, faz ginástica e caminha diariamente e ainda faz faxina na casa. Se tivesse uma TV, seria dessas pessoas que vivem "sem tempo pra nada". Começo a achar que ela está certa. Já percebi que quando chego cansada do trabalho e resolvo ver TV "pra relaxar", aí é que me sinto ainda mais cansada, o que comprova a teoria da minha amiga: "TV não relaxa, estressa". A gente fica zapeando o tempo todo em busca de algo que preste, resolve assistir a todos os telejornais, com a ilusão de que vai se tornar uma pessoa mais informada, passa por canais e programas toscos e depois não consegue dormir. No dia seguinte, a gente se toca de que passou a noite em claro pensando que enquanto o Gilmar Mendes faz doce porque foi grampeado, a mulher Melancia tem uma bunda maior do que os silicones da Sheyla de Almeida e que nem a mulher Melancia, nem o Gilmar Mendes se importam com o infanticício indígena ou com a invasão da Raposa do Sol. E que, se depender deles, dos 7 kg de silicone da Sheyla e da audiência televisiva da MTV, a Amazônia vai continuar virando pasto e os ursos polares vão continuar se afogando no Ártico. Os ursos polares... Novamente eles. Há uma semana que a extinção das bananas e dos ursos polares me rouba as noites de sono. Não que eu seja uma comedora compulsiva de bananas ou adestradora de ursos polares, mas ainda não consigo conceber o resto da minha existência sem os seres que ilustravam os recortes das minhas pesquisas escolares na infância. Em meio a tanto lixo desinformativo, até que a gente acha coisa instigante. A Oprah ― vejam só onde minha letargia televisiva me levou! ― entrevistou um cineasta norte-americano que resolveu fazer um "experimento social". Munido de 100 mil dólares, patrocinado por um canal de TV dos Estados Unidos, o sujeito queria ver o que aconteceria se um sem-teto encontrasse essa quantia assim, dando sopa no meio do nada. Com o que o mendigo iria gastar? Será que esse dinheiro mudaria a vida dele etc. O cineasta acompanhou o sem-teto antes, durante e depois da aparição da bufunfa televisivo-sociológica. Mais tarde, a cobaia também deu seu depoimento à Oprah. Resumo da ópera: o dinheiro durou pouco, bem pouco. O homem saiu distribuindo as notas para os amigos, comprou um carro para um deles e uma caminhonete cara para si mesmo, viajou em busca da família e tentou uma reconciliação com esposa e filhos. Não deu certo, então ele se casou com outra mulher, alugou uma casa e começou a ter que pagar contas e impostos pela primeira vez na vida. Aquilo o aborrecia, e manter os bens e o padrão de vida que passou a ter de um dia para o outro foi ficando cada vez mais complicado. Hoje o sem-teto tem uma dívida muito maior do que tinha antes de o dinheiro aparecer, a mulher deu no pé e ele voltou para as ruas. Ah, sim, também se diz mais infeliz do que antes e atribui a tristeza ao fato de ter perdido as esperanças na humanidade. Parece que os amigos sumiram depois que ele voltou à pobreza e isso o desiludiu muito. Mas então eu mudo o canal e o PSTU dá um recado "robinhoodiano" no programa eleitoral: os ricos têm que pagar as contas dos pobres. Para completar, a BBC mostra os desvalidos e esfomeados em Serra Leoa, enquanto o Luciano Huck pensa em mais alguma atração estúpida para a grade dominical. Não tem problema, depois ele dá uma casa para um pobre e fica tudo bem. Já a Rosana Jatobá diz que vai chover no nordeste, mas não diz se é água ou bebês defenestrados. Tanto faz, isso não interessa mesmo aos 50 mil micareteiros que incendeiam o Mineirão todo ano. Yurruuuu!!! Agora, digam lá: dá para dormir com uma poluição dessas? Parece que está tudo de perna para o ar. Nesse mundinho pós-Guerra Fria, ainda tem gente que acredita em bem x mal e nos heróis construídos pelo Galvão Bueno. O que não falta é brasileiro metendo pau na corrupção dos políticos, sem enxergar a própria lambança, como mostrou o CQC dia desses num teste de honestidade. Este fim de crônica me faz constatar que a TV realmente provoca efeitos nocivos no ser humano. A gente se torna uma pessoa mais triste, pessimista ou fofoqueira. Sei não. Num país como este, em que a gente acredita em tudo o que aparece na telinha, talvez fosse bom mesmo que os grampos no judiciário e no legislativo continuassem. Aliás, deveriam mesmo era divulgar na TV e fazer um grande reality show com essas escutas. Quem sabe assim a gente desiste de todo esse lodo nauseante, levanta do sofá, desliga a TV, vai ler, estudar, fazer algo que preste e, de repente, combater essa corrupção toda que assola o país, da nossa casa à mídia e à cúpula dos três poderes... Bons tempos aqueles em que as crianças ao menos podiam brincar com as embalagens de papelão dos aparelhos televisivos. Pilar Fazito |
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