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Quinta-feira, 1/11/2001
Marmitex
Adriana Baggio

Não sei se as pessoas que moram sozinhas têm as mesmas experiências que eu. Apesar de saber cozinhar um pouco e até de gostar de cozinhar, às vezes fico de saco cheio com meu cardápio. Tudo é muito prático e rápido, com cara de lanche. No fim de semana, quando dá tempo, até que rola uma refeição com arroz, carne, ou alguma massa mais elaborada (lasanha entra nessa categoria), mas no dia a dia, é fast food mesmo. Não que os pratos não sejam saudáveis. Até que são. Procuro não fritar nada, só assar (exceção feita às batatinhas palito congeladas); uso peito de peru em vez de presunto; apesar de não gostar de salada, procuro pelo menos incluir um tomatinho na receita. E todo o dia como uma fruta e tomo leite ou iogurte, por causa da osteoporose. Se minha mãe soubesse das minhas precauções, acho que aprovaria. Nessas alturas vocês devem estar se perguntando porque eu não compro um monte de congelados ou não como em restaurante por quilo. Até faço isso de vez em quando, mas meu orçamento não permite que seja rotina. Outro ponto é que, em João Pessoa, o povo tem hábito e tempo de almoçar em casa. Ou seja, mesmo que eu pudesse almoçar sempre fora, seria muito deprimente fazer isso sozinha todo dia. Assim, almoço em casa, faço meu próprio rango e brinco um pouco com o Ferrugem, meu poodle, que passa muito tempo só.

Depois de jogar muita comida fora porque não dava tempo de consumir antes que estragasse, aprendi a usar aquele compartimento da geladeira chamado congelador. Congelo queijo mussarela, molho de tomate, carne ensopada, lasanha, arroz, enfim, tudo que dê para compor uma outra refeição. Fico muito orgulhosa da minha logística para não repetir pratos com freqüência. Mas às vezes chego em casa, morrendo de fome, e as opções parecem que não vão dar conta do recado. Um dia desses, a algumas quadras de casa, comecei a revistar mentalmente o congelador e vi que o cardápio disponível não ia ser viável para aquele almoço. Tinha carne ensopada, mas não tinha o arroz, e fazer arroz demora, ou seja, fora de cogitação. Quase chegando em casa, lamentando por ter que encarar um sanduíche na hora do almoço, passo por uma placa que diz: marmitex R$ 2,50. É uma padaria que também serve um bufê de comida por quilo, bem simples, julgando pela aparência. Confesso que sou meio enjoada para comida, mas estava com tanta fome e sem saco de comer pão que resolvi encarar o marmitex. Deixei a mulher completar a embalagem metálica com arroz, feijão, macarrão, "lombo?", "sim" e "salada?", "não!". Peguei a sacolinha com a marmita e fui para casa. Já tinha me animado com o cheirinho que saía do bufê. Tirei a tampa de papelão e me recusei a comer dentro do negócio de metal. Peguei um prato e tentei me servir separadamente de cada tipo de comida. Quando vi que luta seria infrutífera, peguei arroz, macarrão e feijão, tudo misturado mesmo. O lombo eu consegui separar. Coloquei meu paninho americano na mesa, liguei a tv, peguei o prato e encarei o marmitex. E se eu disser prá vocês que foi uma das melhores coisas que comi na minha vida? Que aquela mistura de arroz, macarrão e feijão estava uma delícia? Até o lombo foi uma surpresa, porque não era carne de porco, como eu pensava, e sim um pedaço de posta (depois de 10 meses aqui, ainda não domino completamente o dialeto local; quando se trata de comida, isso é um problema...). Posso confessar aqui que comi sofregamente o marmitex. Fiquei maravilhada como a gente pode tirar prazer das coisas simples da vida. E como minha mãe ficaria indignada comigo, que sempre reclamava da comida em casa.

Gostaria de ter comentado sobre isso com alguém. Difícil perceber como uma situação tão prosaica possa causar tanto impacto, mas talvez algumas pessoas entendam. Não consegui pensar em ninguém para falar ao vivo sobre a refeição (por telefone não teria graça. Imagine ligar e dizer: "Oi, hoje comi um marmitex insuperável!"). Por isso, enquanto degustava a iguaria, me ocorreu que essa experiência pudesse virar um texto. Eu tinha que me expressar! Lembrei também da nossa colunista especializada em assuntos gastronômicos, a Vera Moreira. Ela escreve maravilhosamente bem sobre todos os assuntos, mas especialmente quando se trata de comida, sempre leio os textos com água na boca. Talvez ela fique horrorizada por causa da mistura de arroz e macarrão e feijão, mas tenho que te dizer, Vera, estava bom demais!

A experiência a que me refiro na primeira frase do texto é essa: sentir prazer com alguma coisa que você já desdenhou, ou que nunca deu uma atenção mais detalhada. Acredito que a comida em si foi bem feita, bem temperada, no estilo "caseiro" que esses restaurantes gostam de divulgar. Mas também sei que pude curtir tanto um prato tão simples porque meu cardápio tem passado longe dessas coisas prosaicas, saborosas e impossíveis como ter quatro tipos de comida em uma mesma refeição. Já faz uma semana que comi o meu primeiro marmitex, e ainda não repeti a dose. Tenho me mantido com o menu tradicional de pratos rápidos e o suprimento do congelador. Estou guardando e aguardando saborosamente o momento de repetir o marmitex da padaria da esquina, e ter de novo o regozijo de degustar uma mistura de arroz, feijão e macarrão.

Adriana Baggio
Curitiba, 1/11/2001

 

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