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Sexta-feira, 14/11/2008
Maníacos do bem
Ana Elisa Ribeiro

Adoro um cobertor. Embora pareça, a idéia não é desenvolver um texto sobre "gostos pessoais" ou sobre "meus dias de inverno". Bem que uma professora de redação poderia cometer essa genialidade, mas não será o caso. Quero mesmo é trazer as manias das pessoas à tona.

Adoro cobertor porque eles têm uns pêlos que são gostosos de puxar. E não pode ser qualquer cobertor. Tem de ser aqueles de pêlo, coloridos, que, em geral, são simpaticamente xadrezes. (Você sabia que xadrez tem plural?) Tenho três deles: um verde, um laranja e um marrom. Todos têm bolinhas de pêlo puxado. Todos são gostosos e aconchegantes. Os dois mais velhos são companheiros de longa data, tendo participado comigo de muitas noites de infância friorenta e adolescência chorosa. O marrom é já resultado da vida de casada, grandão, de casal, meu sonho de consumo. Muito pêlo para puxar.

Mas esta mania tão inocente não é boa para todo mundo. Nem minha mãe, nem minha irmã e nem meu marido parecem satisfeitos com meu hábito (um recalque, um trauma, um problema psicológico qualquer, talvez). Todos eles reclamam que ficar ao meu lado quando estou embaixo das cobertas é um grande problema. Segundo minha irmã, a mais explícita dos três nas críticas à minha mania, meu cobertor é bom para a memória. Dias depois ainda estão os pêlos na roupa ou saindo de dentro dos cabelos. De fato, são bolinhas de Natal grudadinhas nos tecidos, surgidas nos pentes e nas escovas, de entre os fios das madeixas. Ainda mais as pretas, como as de minha irmã.

Mas jogue a primeira pedra quem não tem uma mania. Nem que seja aquela que não sabe que é mania. Meu filho, tão pequeno, já tem as dele. A primeira é chupar dedo, coisa que fazia desde que era feto (e isso está gravado na ultra-sonografia). A outra apareceu depois que ele veio ao mundo e foi apresentado aos travesseiros. Quem não teve um caso de amor com um travesseiro? Até eu, que prefiro os cobertores, tive um travesseirinho-amigo-do-peito. E uma almofada azul (que mais tarde virou a cama do meu cachorro). Meu filho tem nos travesseiros os amigos de assistir à TV. Enquanto vê desenho animado, mexe carinhosamente nas pontas das almofadinhas. São todas poídas, de tanto carinho. E a ameaça da tia (minha irmã) é justamente esta, das piores: "Vou te dar uma almofada redonda no seu aniversário".

Mas minha irmã não é santa. Não está livre de manias. Tem lá o Binha, travesseiro molenga e murcho que a acompanha nas noites de sono desde criança. Vez ou outra ela, que tem quase 30 anos, entra em disputa com meu filho, que tem 4, pela vez de dormir com o Binha. E isso eu posso provar.

Parentes
Meu primo mais velho mexe nos cabelos de um jeito peculiar. E não apenas nos dele, que já vão raros na cabeça, mas nos de quem está ao lado. Conversa vai, conversa vem, quando se põe reparo, está Hélio trançando as melenas mais altas de alguém, em geral, mulher. O problema nem é tanto esse, que acaba se tornando um cafuné meio roubado, mas é esquecer da massagem e levantar sem abaixar a crista que fica no cocoruto.

Meu tio, pai do Hélio, dorme com os braços estendidos em um pufe fora da cama. Lembro até hoje da discussão sobre o incômodo que são os braços na hora de dormir. E muita gente solidária a ele, dizendo que a solução seria mesmo arranjar um lugar onde descansar os braços. Não se sabe se o pufe surgiu antes ou depois disso. Mas que é verdade, é.

Mania de balançar as pernas. Mania de comer as unhas. Jeito de deitar ou de comer. Diz o Aurélio que mania é uma esquisitice, uma extravagância, "síndrome mental". E quem não tem uma para contar? Mania de guardar as coisas, mania de trancar as portas.

De volta ao lar
Minha mãe é do tipo que tranca as portas de todos os armários da casa, mesmo quando só estamos nós lá dentro (da casa, claro). Dessa mania lastimo dois pecados: os livros trancados na estante de uma sala (sem respirar, coitados, e sem ver a cara de qualquer leitor) e os biscoitos inalcançáveis. Quando éramos crianças e tínhamos fome, precisávamos telefonar para perguntar onde estava escondida a chave do armário dos Maizena. Além disso, ela adora guardar também, trancadas, as lembranças de tudo, absolutamente tudo, o que ganha. Devem estar naqueles armários os papéis das balas que demos nos dias das crianças dos anos 1980 e as caixinhas de perfume da vida inteira. Não bastasse isso, essa memória mantida nas prateleiras, ela ainda tem mania de organização. Está tudo catalogado, registrado, identificado com etiquetas, com data e por categoria. Posso provar.

Meu pai é menos maníaco, mas tem lá suas esquisitices. O tipo de chinelo, os hábitos no banheiro, os trajetos complicados e surpreendentes para chegar aos lugares na cidade, a previsibilidade de quem tem manias.

Colecionadores
Será que fazer coleção é um jeito de ser maníaco? Note-se que, às vezes, as expressões são usadas em contextos que as tornam sinônimas. Colecionei discos de heavy metal na adolescência. Coleciono livros até hoje. Junto relógios com o maior amor do mundo. Único acessório que eu uso pendurado no corpo, merece uma variedade maior. Não chego ao ponto de um Faustão, nem tenho dinheiro para marcas caríssimas, mas bem que tenho minhas preciosidades.

Meu pai coleciona partituras musicais de MPB. Minha mãe junta chaveiros há décadas. Minha irmã tem muitos óculos escuros, embora menos do que ela gostaria. Jorge tem filmes de terror, especialmente daqueles de mortos-vivos. Dudu ainda não junta nada, mas bem que deve contar uma centena de carrinhos de metal.

Latas, tampinhas, ursinhos, sapatos. Calcinhas usadas, ímãs, CDs, selos, agendas da Tribo. Carros antigos, réplicas de ônibus, tampinhas, dinheiros de vários países, jaquetas. Quem é que vai negar? Se ainda não deu para lembrar uma mania, basta perguntar para alguém bem próximo. Todo mundo tem suas esquisitices, deliciosas excentricidades de quem está nesta vida para ter algum prazer, nem que seja daqueles bem íntimos.

Nota do Editor
Leia também "Manias".

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 14/11/2008

 

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