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Terça-feira, 30/9/2008 A esperança segundo a ficção Rafael Rodrigues Com estilos e propostas bem diferentes, os filmes Sangue Negro, Onde os fracos não têm vez e Os Indomáveis têm muito mais em comum do que apenas serem adaptações de obras literárias. O primeiro, inspirado no romance Oil!, de Upton Sinclair (aliás, for God's sake!, alguém do mercado editorial brasileiro precisa ficar de olho nessas coisas: quando um livro for adaptado para o cinema ― nos EUA ou na Inglaterra, pra não dar muito trabalho ―, alguém tem que comprar os direitos do livro e traduzir aqui, porque certamente vale a pena publicar), para ser bem sucinto, conta a história de um homem, Daniel Plainview, que se torna um bem-sucedido explorador de petróleo. Isso no início do século XX. É um filme tenso, com uma trilha sonora peculiar (com sons de plataformas antigas de exploração de petróleo) e nervosa, presente em praticamente todas as cenas. O segundo, baseado no romance No country for old men, de Cormac McCarthy, publicado no Brasil com o título de Onde os velhos não têm vez, conta basicamente a história de um homem, Llewelyn Moss, que, por acaso, encontra uma mala cheia de dinheiro e torna-se caça de um psicopata que não conhece limite para sua loucura e crueldade. Diria que é um filme que provoca tensão, sem ser tenso. Para usar um clichê, Onde os fracos não têm vez é um filme seco, direto, à exceção de seu final, que é subjetivo. Para completar a seqüência temos Os Indomáveis, que é uma refilmagem de 3:10 to Yuma (1957), ambos baseados no conto 3:10 to Yuma, de Elmore Leonard, e que conta a história de Dan Evans, um fazendeiro do velho oeste que está em crise financeira e que, por um grande acaso, tem a chance de conseguir dinheiro para pagar uma dívida. Para isso, basta conduzir o criminoso Ben Wade ao trem para Yuma, que parte justamente às 3h10 da tarde do dia seguinte à sua prisão. Das três produções, Os Indomáveis é a que mais se aproxima do cinema "convencional", digamos assim, por ser dinâmico e ágil. Além de baseados em obras literárias, os três filmes têm em comum interpretações mais que convincentes de seus protagonistas e co-protagonistas. Sangue negro rendeu o Oscar de melhor ator a Daniel Day-Lewis, que deu vida a Daniel Plainview. O mesmo filme conta com o jovem ator Paul Dano, que interpreta de maneira brilhante o pastor evangélico Eli Sunday. Javier Bardem, que interpreta o psicopata Anton Chigurh em Onde os fracos não têm vez, levou merecidamente o Oscar de melhor ator coadjuvante por sua sólida interpretação. Já os atores de Os Indomáveis não levaram nenhuma estatueta para casa, mas Christian Bale e Russell Crowe, que deram vida a Dan Evans e Ben Wade, respectivamente, mostraram que não são apenas galãs, e sim grandes atores (aliás, Crowe já havia provado isso em Uma mente brilhante, e Bale em O maquinista). Mas as semelhanças não param por aí. Uma outra característica presente em todos os três filmes é que nenhum deles tem final feliz. Não cabe aqui, óbvio, contar o final de cada um. O que é bom deixar claro é que, mesmo sem finais felizes, todos os três são excelentes e merecem a atenção de qualquer um que goste de cinema. Afinal, nem sempre os desfechos são felizes, quer no cinema, quer na vida. Não obstante as semelhanças, o que mais me intrigou nos três filmes foi o diferente desfecho de seus personagens principais. A constar, primeiro, que a sorte (e quando digo "sorte" quero dizer "destino") deu aos personagens uma chance de mudar de vida, de obter sucesso. Para Daniel Plainview, o petróleo foi o meio; para Llewelyn Moss, a mala repleta de dólares era a chance de começar uma nova vida ao lado da mulher; para Dan Evans, a missão de levar um criminoso ao trem que o levaria à prisão lhe daria algum dinheiro e sua redenção, além de sua dignidade como homem e pai de família. Mas a mesma sorte que deu a esses homens riquezas, chances de mudar de vida e esperanças deu-lhes também destinos trágicos. Destinos esses que, obviamente, jamais imaginamos acompanhar a sorte (e desta vez quero dizer sorte mesmo). O petróleo e a riqueza em excesso levaram o protagonista de Sangue negro à loucura. A maleta cheia de dólares levou Llewelyn Moss a perder sua vida de maneira tola, infantil. A missão de Dan Evans também o levou à morte, mas, ao menos, deu-lhe sua redenção. Dos três, Evans foi o mais "sortudo", digamos. E então me vejo pensando no sucesso e nas oportunidades que a vida nos dá. Homens de sucesso existem aos montes por aí. E todos os que conhecemos não se tornaram loucos e estão vivos, claro. Mas... e os que perderam a lucidez ou morreram por causa do sucesso ― ou por causa da incessante busca por ele? Onde estão as histórias desses homens? Quem as contará? Não estão nos jornais, creio eu. Existir elas existem, estou certo disso. Mas me parece que a literatura e o cinema são os únicos que podem se encarregar de contá-las. Talvez porque a ficção não tenha, ainda, o poder de arrancar de nós a esperança de chegar ao sucesso. Ninguém tem medo de se tornar um Daniel Plainview, ou de ser morto como um Llewelyn Moss. Ou, pior ainda, lutar tanto em vão por uma causa nobre e morrer como Dan Evans. Mas a realidade ― os fatos ― tem esse poder, a realidade pode tirar de nós a esperança que porventura ainda temos. Posso estar enganado, mas talvez seja essa a razão de não termos muitas notícias de tentativas frustradas ou trágicas de sucesso. E as estrelas cadentes da música, ou da TV?, você me pergunta. Respondo dizendo que suas histórias são tão incríveis que chegam a parecer ficção. Daniel Plainview, Llewelyn Moss e Dan Evans são personagens de livros e filmes, mas estão bem mais próximos de nós do que podemos imaginar. Rafael Rodrigues |
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