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Quarta-feira, 31/10/2001
Imagens desoladas
Bruno Garschagen

Num rompante surrealista, decidi inovar nas odiosas fotos de formatura. Coberto por uma horrorosa beca, com babados de doméstica de família quatrocentona de São Paulo, sentei numa cadeira de madeira que mais parecia um caixão (chique, mas ainda sim um caixão). Depois de uma foto séria para me concentrar, o ataque: comprimi o nariz com a mão esquerda simulando nojo. Click! Com a mão direita, liguei o indicador ao polegar e deixei os demais dedos abertos, como uma luneta em que apropriadamente encostei no olho direito. Click! Agora não terei mais vergonha de exibir a foto aos familiares. Nem envelhecerei com medo de que filhos e netos me achincalhem, achando que desde novo eu era um babador de gravatas. Isso não. Seria um acinte ao rabugento que pretendo ser.

Assim como escrever, a foto parece nos furtar um naco da existência. Pior. Tem o poder de petrificar imagens irreais. A pose nos tira a serenidade. Tudo é forçado, do pano de fundo ao sorriso, da moldura à pretensa seriedade. Ao apagar do flashe, os músculos faciais pedem um merecido descanso. As bochechas parecem pesar 50 quilos.

Sempre desconfiei de fotos. Fico tentando achar razões para uma aparente felicidade ou para um pretenso mau-humor. Nas minhas, a desconfiança dava lugar à decepção. À exceção de imagens de criança peralta e gorda — pode não parecer, meus caros, mas já fui um saudável gordinho torcendo para emagrecer e ficar magrinho, como a cá estou agora, novamente insatisfeito —, olhando as mais recentes, sempre pergunto a quem está ao meu lado quem é o rapaz da foto. Meu tio diria que sou um tímido social, denominação que ele arranjou não sei onde para rotular meu avô, o ermitão-mor do clã. Mas acho que é rabugice mesmo. Sofro há anos de velhice precoce. Mal que Rubem Braga também padecia, segundo seu biógrafo, o escritor Marco Antonio Carvalho. Ou, pela ordem, também padeço.

No caso da foto para a minha formatura no final do ano, não poderia compactuar com aquela tradição que soa a naftalina. Muita pompa para pouca circunstância. Satirizei o ridículo com uma pose à la Glauber Rocha (aliás, meu conterrâneo) ou, se preferirem, montei uma cena digna de "O cão andaluz", de Luis Buñuel, ou ainda, uma performance digna do surrealista Flavio de Carvalho. Brindei ao nada com uma careta, diria, simpática.

Se não queimar nenhuma das chapas, as duas poses serão molduradas e exibidas como um troféu contra a empáfia, contra a pose que esconde a fragilidade e não fará desta nação, por ora, um país de verdade. Nem sério nem bem-humorado.

Slowly-west
Lubrificando minha Winchester, percebi que as teias de aranha entupiam o cano pela falta de uso. Estava prestes a usá-la, com a arma engatilhada no Saloon quando o pistoleiro entrou com a desafortunada pergunta: "Qual de vocês é intelectual?" Perguntei ao forasteiro se ele sabia o que era intelectual. Se soubesse, resolveríamos a pendência num duelo. Sua resposta me desarmou: "É quem acha que tem arma e acredita saber usá-la". Ao olhar de reprovação e decepção meu e de meus companheiros de mesa, que esperavam um tiro certeiro, o pistoleiro baixou a cabeça, pegou uma garrafa de Bourbon sobre a mesa e se foi sem emitir som. Bem que tentei, mas a Winchester deve ficar, por um bom tempo, servindo de morada às aranhas.

Slowly-west II
Num debate estéril que tomou conta desta waste land do Espírito Santo, de quem é ou não é intelectual, preferi jogar amarelinha, com Júlio Cortázar. É isso meus caros. Diante da burrice ululante, prometi só escrever frivolidades.

Bruno Garschagen
Cachoeiro de Itapemirim, 31/10/2001

 

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