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Quinta-feira, 20/11/2008 Oiti Elisa Andrade Buzzo foto: Nina Jacobi Foi horrível o dia em que derrubaram a árvore ― árvore, diga-se de passagem, sem nome. Uma operação da prefeitura cuidava de arrancar tudo o que estava podre por dentro e perigava cair. Época em que uma chuva mais forte com ventania resultava em carro, moto esmagada e algumas centenas de árvores destronadas. Daí, fizeram um cordão de isolamento. Primeiro eles iam cortando os galhos mais altos, depois, na vez da polpa ainda carnuda do tronco, a serra elétrica era empunhada com tanta força que parecia se tratar de questão de vida ou morte. E era. A árvore esquecida tornara-se a estrela principal do dia. Depois, já imaginava subir a rua sentindo sua ausência como algo com que enfim me habituaria. Afinal, a árvore mais acima, que também fora cortada, já era uma lembrança tão espatifada quanto a da vez. O ruído do corpo caindo, assim de chofre, foi um baque profundo para quem ouviu e viu tudo assim de cima, e nenhum grito haveria de salvar o que já se perdia no ar. A árvore logo de frente... foi quase uma suicida sem escolha, atirada do alto. A rua parou para assistir ao espetáculo e algumas horas depois ― fato consumado ― ninguém mais se lembraria do tronco nanico e farelento que restou. O vento se encarregou das últimas folhas, que se confundiram com outros restos da cidade. As histórias de árvores, nem que estejam limitadas a um quarteirão qualquer, se espalham com a mesma resistência ― e insistência ― com que capim brota dos vãos dos paralelepípedos, ou com que alguns hibiscos florescem vendo o mundo por entre grades já sem serventia. Um dia, uma moradora do prédio veio com uma conversa de que "pinheiro dava infiltração". Implicância ou birra, lá se ia o pinheiro que a cada fim de ano ficava iluminado. Nesta escutaram também "oiti" e quase o novo morador é despejado, concreto betonado no ínfimo quadrado de respiro. Fora outra condômina que havia trazido a indefesa e plantado, não sem um misto de indiferença e desconfiança por parte do condomínio, no lugar vazio deixado pela árvore sem nome. Muda com um galho fino e três folhinhas titubeantes, viajara pelo interior de São Paulo no banco do carro com a coragem dos destemidos e a certeza dos bem-aventurados. Diziam que o oiti era bom porque, vegetal bem-comportado, "não caía folha" e "se dava bem em centros urbanos". Ainda assim, já sentia o peso das estatísticas. A cada mil árvores plantadas pela prefeitura, só metade vingavam... Pois sobreviver seria o desafio da diminuta folhagem, alvo do vandalismo de quem puxa uma planta como se fosse papel de impressora, dos sacos de lixo esmagando a vegetação como se fossem peso de papel. Logo o oiti ganhou uma cerca delimitando sua fraca vida. Diria, de quem suga a vida assim, timidamente, um poeta: Soneto à estrela Chuva fina de verão escorre mansa nas telhas, suavemente goteja translúcida semente. Germina na escuridão plantinha não planejada, crescendo a esmo no chão, por alma alguma velada. Vegetal pálido inerte, oscila ao rumor do vento. Não sabe, mas um dia, como num passe de mágica reinventado será distante estrela guia. E me ponho a imaginar um mundo ideal das árvores, onde elas poderiam crescer em liberdade. Nada daquela poda higiênica por causa dos fios de alta tensão (aliás, neste mundo todos os fios seriam subterrâneos). Lá o asfalto não as sufoca até o caule, os galhos só secam no inverno rigoroso, enquanto por dentro a seiva é quente, e continua a circular. Há boulevards e quinconces com suas árvores enfileiradas como uma tropa a saudar. Trepadeiras multicoloridas costuram os prédios de pedra seculares. Os homens plantam flores, mesmo sabendo que elas podem, e irão, morrer. O desenvolvimento deste mundo dependeria exclusivamente das vontades e caprichos da natureza. As piscinas seriam ecológicas e por que não uma multa para quem joga papel na rua ou passa arrancando um pedacinho de planta. Estas não seriam usadas em muros de prédios e casas para dificultarem aos ladrões o acesso, mas pela beleza que só quem viu o cinza e o concreto total sabe que há nos diversos tons de verde. Volto ao oiti e me dou conta de que muitas vezes ele se torna invisível, parte de uma paisagem diária, concreta. Mais visíveis são as árvores doentes, juntando-se ao coro dos maltrapilhos que vagam pela cidade. São insistentes essas pequenas árvores que crescem fazendo uma careta, entortadas, e não têm medo de se ferirem com os ônibus que as atropelam em alta velocidade. Ou então as grandes, que de tão belas acabaram conquistando seu espaço e vão espraiando suas raízes como se fossem lombadas, obstáculos naturais. São elas, com seu jogo de sombra e luz, que deixam um bairro mais bonito e agradável. Então, abro as cortinas para o sol entrar e revejo do 3º andar a copada verdejante do oiti. Oi! Já não posso mais contar quantos galhos e folhas brotaram em cinco anos. Os passarinhos ainda não deram conta do potencial, mas os frutos virão. Elisa Andrade Buzzo |
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