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Segunda-feira, 24/11/2008
Uma visão de mestre do cinema
Marcela Tullii

A Escola de Comunicações e Artes da USP promoveu a IX Semana do Audiovisual, que teve início no dia 6 de outubro e terminou no dia 10 do mesmo mês. Na programação, debates sobre o audiovisual no Brasil, exibições de projeções universitárias e bate-papos com diretores consagrados, dentre eles Fernando Meirelles.

Meirelles é conhecido pela direção de filmes como Cidade de Deus, O jardineiro fiel e, mais recentemente, Ensaio sobre a cegueira, além de ser um dos cineastas brasileiros com maior projeção internacional.

O bate-papo durou pouco mais de duas horas. O diretor chegou pontualmente ao auditório, onde se amontoavam mais de 200 estudantes, sentados no chão, nas janelas e até pendurados no teto. Respondeu a todas as perguntas sem pressa e com ótimas e divertidas tiradas. Falou-se sobre o cinema no Brasil, a produção de filmes, o papel do cinema na sociedade e sobre os trabalhos do diretor.

A maior parte do público era da área de audiovisual, mas alguns "penetras", como eu, se faziam presentes. Leiga que sou, fiquei surpresa com algumas práticas que são de praxe no fazer de um filme.

Surpreendeu-me, por exemplo, como o resultado final de um projeto, ao contrário do que se pensa, é muito diferente da visão inicial do diretor. Um dos motivos para isso diz respeito à praticidade. O filme Ensaio sobre a cegueira, que foi co-produzido pela produtora de Meirelles, a O2, foi filmado em São Paulo, pois, sendo a produtora daqui, a possibilidade de fechar locações compatíveis com o roteiro era maior. O diretor mostrou certo descontentamento com o fato de muitos cenários serem reconhecíveis, como o centro da cidade e a nova ponte na avenida Roberto Marinho, praticamente cartões-postais de São Paulo, o que desviou um pouco o propósito de retratar nas filmagens uma cidade genérica e não-reconhecível. Mas, nesse caso, os procedimentos burocráticos falaram mais alto. Outro motivo é a necessidade de fazer um filme ser mais comerciável. Muito embora os filmes de Meirelles sejam classificados como smart art, a pressão por um bom desempenho nas bilheterias é grande. Para isso, o filme passa por diversas modificações na edição original. A primeira edição é passada para um público teste em uma sala, e as emoções e reações do público são acompanhadas e analisadas; a partir disso, modificações no filme são feitas para torná-lo mais compatível ao gosto do público. Tudo isso com certo critério, é claro. Só para ilustrar, a versão original de Ensaio sobre a cegueira continha duas cenas de estupro. Durante a sessão-teste, algumas poucas pessoas saíram da sala na primeira cena, o que já era previsto. Durante a segunda cena, muitas pessoas levantaram e se retiraram da sessão, algo que se mostrou inesperado pela equipe do filme. Na versão que foi aos cinemas, a segunda cena é bem editada, quase só insinuada.

Outra coisa explicada pelo diretor e desconhecida do grande público é como se dá início a um filme. Muitos roteiristas mandam suas propostas de roteiros para produtoras, que, ao lerem um interessante, dão prosseguimento ao projeto, enviando o texto a potenciais diretores, até que algum aceite e comece a montar sua equipe. O que mais me chamou a atenção nesse processo é que a maioria dos roteiros que chegam a produtoras e são levados adiante são, na verdade, reescritos por roteiristas "profissionais" contratados pelas produtoras, que adaptam a boa história da proposta inicial para um roteiro filmável.

Esse ponto, aliás, vai ao encontro do pensamento de Meirelles acerca das inovações para o cinema contemporâneo. De acordo com o diretor, não há nada de realmente novo a ser feito. A novidade reside na descoberta de novas maneiras de se fazer o que um dia já foi feito e fazer isso bem.

Para isso, o Brasil precisa consertar uma grande lacuna que ainda existe: a falta de roteiristas realmente bons e profissionalizados, para sanar o problema de muitos filmes nacionais, que possuem roteiros razoáveis, mas mal escritos, acarretando em filmes ruins. O próprio Meirelles, acreditando nessa idéia, abrirá em sua produtora um curso para roteiristas, que funcionará em forma de workshops. Os convidados a participar da primeira temporada foram selecionados através de roteiros enviados para a O2, que escolheu aqueles com maior potencial.

O cineasta acredita que o Brasil está começando a mostrar seu potencial, fazendo filmes de qualidade e compromisso. A facilidade com que os filmes brasileiros estão indo para o exterior e sendo reconhecidos pelos grandes festivais internacionais comprova que o futuro é promissor. Mas, para que o cinema nacional consiga ter maior êxito aqui no país, apontou que ainda é preciso a implementação de políticas que viabilizem novas produções, facilitem a exibição e divulgação dos filmes nacionais, pois grande parte entra em cartaz sem divulgação por falta de patrocinadores de peso e em circuitos alternativos que não são de conhecimento do grande público, o que dificulta o acesso. A luta não está em conquistar o reconhecimento lá fora, mas em tornar o filme nacional uma opção viável e interessante para o público brasileiro.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado na Gazeta Vargas nš 77.

Marcela Tullii
São Paulo, 24/11/2008

 

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