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Sexta-feira, 26/12/2008 Não me envie a sua newsletter Julio Daio Borges Comecei com esse negócio de newsletter dez anos atrás. Em 1998, como eu já contei outras vezes, não eram todas as pessoas que tinham e-mail - então, era comum abrir a própria caixa postal e não encontrar nada, nada mesmo, nenhuma mensagem. Algumas aplicações até diziam - para o usuário não desistir de ter e-mail - "Sorry, you have no e-mails". Hoje pode parecer impossível um mundo quase sem spam, com poucas correntes de PowerPoint e mensagens que mais pareciam cartas, porque as pessoas se desdobravam, como no tempo do papel. Não havia MSN, nem caixa de comentários, nem, muito menos, Orkut ou Twitter. Quando lancei a minha newsletter - que não passava de um texto que eu escrevia e disparava semanalmente -, juntava os poucos e-mails de jornalistas que eu conseguia (eles não divulgavam, às vezes nem off-line) e de interessados que, porventura, apareciam. Essa newsletter "velha" foi crescendo e até serviu de base para a newsletter de hoje do Digestivo Cultural. Mas era muito diferente. Quase ninguém tinha newsletter, porque quase ninguém tinha paciência de fazer o que eu fazia: juntar bolos de endereços e colá-los no campo de cópia oculta do Outlook (porque os serviços de webmail não aceitavam esse procedimento); colar, em seguida, o texto e o título; e disparar - isso quando endereços inválidos não retornavam (ou quando a conexão discada não caía no meio) - até percorrer todo o mailing. Nos dias subseqüentes era comum ainda receber mensagens de erro, junto com respostas automáticas de todos os gêneros. Apesar dos feedbacks interessantes que recebi de jornalistas e escritores - e que me motivaram a construir o Digestivo Cultural - era trabalhoso manter uma newsletter, além da parte escrita em si, e as respostas nem sempre eram as mais positivas. Lembro do caso de um ex-colega da faculdade que me marcou, ainda antes do Digestivo. De repente - não lembro agora se por causa de um determinado texto -, ele resolveu protestar contra a minha newsletter. Depois de meses, ou anos, recebendo, vociferou contra ela, copiando amigos em comum, e comparando meu procedimento ao de alguém que tivesse instalado um outdoor no seu quarto, com letras garrafais piscando o meu nome, bem na cara dele. Óbvio: não era essa a minha intenção. Por que, afinal, ele nunca pedira para sair da minha newsletter? Discutimos, e nos estremecemos, por e-mail. Nos últimos tempos - da explosão dos blogs pra cá, digamos -, eu lembro, com freqüência, desse colega meu (com quem fiz as pazes, aliás, no casamento de um amigo em comum). Eu sinto que explodiu o número de newsletters, ou, pelo menos, o número de newsletters que eu passei a receber. Tudo bem que eu sou Editor do Digestivo Cultural, que tem quase 30 mil assinantes no seu mailing e que tem por volta de 300 mil visitantes-únicos por mês. Mas, mesmo assim, eu acho que há um certo exagero no número de newsletters atualmente. Hoje qualquer pessoa que abre um blog, trata de disparar, ato contínuo, uma newsletter: "Ei, gente, venha ver o meu (novo) blog!". Também o blogueiro que não posta muito, e que quase abandonou seu blog várias vezes: "Ei, pessoal, tem post novo no meu (velho) blog!". Ou, ainda, o blogueiro que posta demais, é muito ansioso, e fica aporrinhando todo mundo pra ler: "Galera, desta vez eu quero comentários, hein?". OK, nada contra quem tem blog, muito pelo contrário. Ocorre que, hoje, já existe uma ferramenta muito mais avançada que a newsletter por e-mail, para avisar as pessoas das atualizações que você faz no seu blog ou site. Chama-se feed RSS. Você simplesmente disponibiliza a quem for visitar o seu endereço na internet, e se o internauta gostar, assina o feed e acabou. Você não tem de saber o e-mail da pessoa, você não tem de saber nem quem é a pessoa. E essa ferramenta é tão mais avançada que a velha newsletter que a própria pessoa sai do seu feed de atualizações na hora em que ela quiser - e você nem fica sabendo, só tem acesso ao número total de assinantes. Eu sei que os feeds ainda não pegaram 100% no Brasil - tanto que, apesar dos feeds do Digestivo, eu continuo mantendo a newsletter do site por e-mail -, mas será que é justo ficar importunando as pessoas em troca de visitação? Além das atualizações de blogs ou sites de muita gente que eu nem sei quem é (mas que, provavelmente, me conhece), eu recebo newsletters informativas com updates sobre a vida da pessoa. Isso mesmo. (E você ainda quer que eu continue recebendo passivamente?) Como publicamos muito sobre o assunto literatura no Digestivo, por exemplo, são pessoas informando, a mim e a um monte de outros indivíduos (com cópia oculta), sobre terem conseguido bolsas, terminado livros e até ganhado prêmios. O remetente da newsletter se torna, nesta época de facilidade de comunicação, relações públicas de si próprio. Não é mais "o contínuo de si mesmo", das crônicas do Nélson Rodrigues, mas é "o RP de si mesmo", em tempos de Twitter. (Tudo bem que, no Twitter, só "te segue" quem quer; já, por e-mail - sem o destinatário nem te conhecer direito - é covardia, não é?) Sabe o que vai acontecer? O que já está acontecendo: as newsletters vão se banalizar e vão perder seu efeito. Porque, apesar de todo mundo saber criar (e "manter") uma newsletter hoje, quase ninguém está preparado para receber um não eletrônico ("Não, eu não quero receber a sua newsletter"), e, mais grave ainda, tem gente que não sabe como te tirar da própria newsletter. Eu estou falando aqui de cátedra, porque envio, diariamente, um ou mais e-mails pedindo para sair de uma nova newsletter de alguém que acabei de conhecer. (Alguém que - se não fosse pela newsletter não solicitada - eu nem "conheceria", quero dizer.) Quase que invariavelmente a pessoa se ofende e não concebe que eu - talvez como Editor do Digestivo Cultural - não me interesse por ela e pelas "novidades" dela. Já montei uma mensagem pronta, que explica que temos um endereço eletrônico especial para o envio de releases, mas nem sempre adianta - essas pessoas querem que eu, Julio, receba seus e-mails pessoalmente. Isso quando não pedem para sair da newsletter do Digestivo em atitude vingativa - como se uma publicação tivesse a obrigação de receber as "novidades" de seus leitores igualmente. As pessoas não sabem, mas vão ficar sabendo agora. Quem insiste em me enviar sua newsletter - e não me deixa sair dela (ou, pior, não consegue me tirar) -, eu filtro ou até marco como spam. Ou seja, eu criei uma pasta, no meu webmail, para desviar essas pessoas (e suas mensagens indesejadas) da minha caixa de entrada - e só vou abri-las se sobrar tempo. Às vezes nem vou abrir: vou dar uma olhada na linha de assunto e apagar direto. Agora, se não me interessar mesmo, e o remetente for daquele tipo sem escrúpulos (que não te responde, nem te dá uma link de "opt-out"), vou carimbar como spam impiedosamente. Assim, meu webmail vai entender que, daquele remetente, só vem spam, marcando, automaticamente, todas as mensagens subseqüentes dele. E pior: marcando as mesmas mensagens - desse mesmo remetente - em todas as outras caixas postais dos demais usuários dessa ferramenta de webmail... É por isso que as newsletters estão perdendo seu efeito. Mas a solução não é disparar ainda mais newsletters, com mais freqüência e para mais gente. É disparar menos. Ou, num mundo ideal, nem disparar. Eu confesso que já fui o rei das newsletters. (Aquele meu colega da faculdade talvez até tenha tido razão em me repreender.) Mas, hoje, você possivelmente nunca recebe uma newsletter minha, a não ser que seja um convite mensal, ou alguma coisa assim, que te diga efetivamente respeito. Não surjo inesperadamente na caixa postal de ninguém. Nem uso outras ferramentas, mal disfarçando newsletters, para tentar enganar as pessoas - estou falando de scraps no Orkut, por exemplo. O Digestivo tem suas próprias newsletters, evidentemente. Mas tenho pensado, sem brincadeira, em diminuí-las também. (E você pode sair delas automaticamente, basta clicar no link para remover.) Antes de me enviar qualquer coisa, a partir de agora, pergunte-se se o interesse da mensagem não é mais seu do que meu. Porque, daqui a pouco, vou fazer como um ex-chefe que tive: quando me copiarem, nem me dou ao trabalho de ler; só vou ler quando me escreverem de verdade, como nos primórdios do e-mail... Julio Daio Borges |
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