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Terça-feira, 6/1/2009 Meus melhores livros de 2008 Rafael Rodrigues Modéstia à parte, sou um bom leitor. Peço perdão por iniciar o texto assim, à la Ecce Homo, mas o que fazer, se é verdade? Procuro ler bons livros e, quando me deparo com um livro ruim, geralmente não termino sua leitura. Dou-lhe um destino e vou à procura de outro que valha a pena. Avançar na leitura de um livro ruim é perda de tempo. Mantê-lo na estante é perder espaço e chance de ganhar algum trocado, com a venda da malfadada obra em algum sebo. Lembre-se: há sempre alguém querendo comprar um livro ruim. Mas deixemos de conversa fiada. O assunto deste texto são os melhores livros que este Colunista leu no ano de 2008. Sim, porque, ao que parece, listas de melhores do ano dão um ibope danado, e parece que com o passar dos anos consegui amealhar cerca de dez leitores que elogiam meus textos, agradecem minhas indicações de livros etc. E eles ficam cobrando, me enviando e-mails, ligando para o telefone aqui de casa, gritando quando me veem do outro lado da rua "Rafael, cadê a sua lista dos melhores livros de 2008?". Eu faço aquela cara de cachorro com fome, solto um muxoxo no telefone ou ignoro o e-mail, só para não ter que dizer "É, eu sei, já devia tê-la escrito, mas em breve sai", meio que envergonhado de todo mundo já ter feito a sua e eu ainda estar pensando na minha. Eis que, num lampejo de genialidade, resolvo digitar estas brilhantes linhas e, finalmente, listar os melhores livros que li em 2008. Vamos a eles. O grande vazio, de Norman Mailer e John Buffalo Mailer (Companhia das Letras, 2008, 184 págs.) ― Se, dentre todos os livros que li em 2008, eu tivesse de escolher apenas um para manter em minha estante, todos os outros que me perdoem, mas escolheria O grande vazio. Numa época em que diálogos sensatos são cada vez mais raros, é uma maravilha ler as conversas entre Norman Mailer e seu filho, John Buffalo Mailer. Os assuntos são os mais variados: sexo, drogas, religião, boxe e, claro, política. Quando o livro foi publicado nos EUA, em 2006, Mailer pai tinha 83 anos e Mailer filho 28. Uma diferença de 55 anos os separava. Mais que isso: Norman Mailer viveu ― não só literalmente ― muito mais que John Buffalo. Se os tempos hoje são difíceis, o foram mais ainda quando ele era jovem. Norman era um garoto quando da Grande Depressão de 1929, viveu a Segunda Grande Guerra e cobriu, como jornalista, alguns dos maiores escândalos da política norte-americana. John Buffalo nasceu em 1978 e, por mais que de lá para cá o mundo pareça ter entrado em colapso, sua experiência de vida não pode ser comparada com a do seu genitor. Portanto, é óbvio que ele não pode argumentar muito com o pai, que é a "estrela", digamos assim, do livro. Mas John Buffalo consegue se sair com boas tiradas em algumas conversas e, mais que isso, consegue arrancar de Norman declarações geniais e comentários sobre assuntos que talvez ele não fizesse para mais ninguém. Norman Mailer se foi em 2007 e O grande vazio parece ser uma espécie de testamento intelectual não só para o filho, mas para todo o mundo. Um livro, por assim dizer, obrigatório. Naufrágio, de Louis Begley (Companhia das Letras, 2007, 240 págs.) ― Eis um livro proibido para homens adúlteros. Ao menos para aqueles que ficam com a consciência pesada após cometer o "crime". Em Naufrágio, John North, um bem-sucedido escritor norte-americano, vai a Paris participar do lançamento de seu mais novo livro. Lá, conhece a improvável jornalista Léa Morini, que é uma mistura de Anita, Lolita, Engraçadinha e a velhinha de A casa dos budas ditosos. Léa tem trocentos parceiros sexuais e apenas um, diz ela, amor. Isso até envolver-se com John North, que passa a ser seu "outro amor" e "talvez novo único amor". Como o leitor deve ter deduzido, North é casado (muito bem casado, aliás), e, como ocorre com a maioria dos homens, não consegue resistir a uma aventura. Mas o que deveria ser apenas um affair se transforma em um caso duradouro e quase doentio, que culmina numa tragédia. A história em si não tem nada de original; tem, sim, alguns clichês, às vezes temos a impressão de que Paris é a personagem principal ― colocar a capital francesa quase como protagonista de romances é algo que Ernest Hemingway, Enrique Vila-Matas, Henry Miller e uma série de outros escritores já fez ―, mas a forma como Begley conduz a narrativa é excepcional e você faz de conta que não sabe de nada. Naufrágio é o tipo de livro que você começa a ler e, em pouco tempo, quase sem perceber, já leu metade. Além disso, as passagens do romance sobre a vida dos escritores, sobre o mundinho literário ― como são escolhidos livros a serem premiados em alguns concursos, por exemplo ― e, principalmente, sobre a infidelidade são verdadeiras e, às vezes, chocantes de tão sinceras. O ideal do crítico, de Machado de Assis (organizado por Miguel Sanches Neto) (José Olympio, 2008, 168 págs.) ― Não posso, ainda, me dar o luxo de adquirir a Obra Completa de Machado de Assis e, por isso, não posso ler todos os textos críticos que o Bruxo do Cosme Velho escreveu. Então, é de se comemorar esta edição muito bonitinha de "O ideal do crítico", reunião de ensaios de Machado, via selo Sabor Literário, da editora José Olympio. É sabido que Machado de Assis é o maior escritor brasileiro de todos os tempos. O que muitos não sabiam é que ele poderia ter sido um dos nossos maiores críticos literários, vide a qualidade e a coragem de alguns de seus textos sobre literatura e literatos. Pena que até mesmo Machado sentiu-se incomodado com a recepção que alguns de seus textos críticos tiveram por parte de seus contemporâneos e desistiu de escrever sobre literatura. É por isso que seus ensaios literários são tão importantes. Não somente pela qualidade, mas pelo que representam: nem todo crítico consegue seguir adiante no exercício de sua atividade. Autores criticados geralmente partem para o ataque e ultimamente quase criaram o hábito de pegar o resenhista na saída. Na época de Machado os ataques vinham por meio de palavras, mas elas podem ser tão violentas quanto um direto de direita. Por via das dúvidas, o Bruxo resolveu se dedicar apenas à ficção. Se perdemos um grande crítico para ganhar o nosso maior escritor, tudo bem. O Reacionário, de Nelson Rodrigues (Agir, 2008, 720 págs.) ― Cá entre nós, Nelson Rodrigues é o maior escritor brasileiro do século XX. Bem, na verdade, não sei mesmo se é, e talvez não seja, mas gostaria muito que fosse ― e, para mim, é. Como já disse uma vez, Nelson foi genial em todos os gêneros literários que praticou: conto, romance, teatro e crônica. Não há, na história deste País, escritor que tenha atuado nessas áreas com tamanha qualidade. Ainda não li por inteiro O Reacionário, terceiro e último volume das Confissões de Nelson (os outros dois são O óbvio ululante e A cabra vadia), mas os textos que li até o momento são excepcionais. A sociedade brasileira e o próprio brasileiro são retratados de maneira fiel por Nelson Rodrigues. Os textos abordam uma série de temas: jornalismo, literatura, política, sociedade, costumes, que fazem parte do mosaico de lembranças e vivências do nosso maior dramaturgo. O santo sujo, de Humberto Werneck (Cosac Naify, 2008, 400 págs.) ― "Conheci" Jayme Ovalle através da obra de Fernando Sabino. Em diversas crônicas o escritor mineiro citava esta personalidade no mínimo curiosa, oriunda do Pará e radicada no Rio de Janeiro. Além disso, um dos personagens mais cativantes de O encontro marcado, o velho Germano, foi claramente inspirado em Ovalle. E desde então sempre tive uma grande vontade de saber mais sobre o músico e escritor que, infelizmente, pouca gente conhece ou ouviu falar sobre. Quem foi, onde viveu, o que fez, quais e quantas músicas compôs, que livros escreveu? Todas essas perguntas ― e muitas outras ― são respondidas por Humberto Werneck, que, não bastasse ser um gentleman, é dono de um dos melhores textos jornalístico-literários da atualidade. Rafael Rodrigues |
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