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Terça-feira, 27/1/2009 Meus melhores discos de 2008 Rafael Rodrigues Apesar de ter decidido no mês de maio qual seria o meu disco do ano de 2008, algumas boas surpresas foram aparecendo nos meses seguintes. Tão boas que eu, que nunca me arrisquei a escrever sobre música aqui no Digestivo, resolvi fazer minha lista de melhores CDs de 2008, fechando, assim, a minha trilogia dos melhores, iniciada com os filmes e seguida pelos livros. Quando fazemos uma lista de "melhores", fica subentendido que as escolhas são pessoais, limitadas pela quantidade de produtos culturais aos quais tivemos acesso. É humanamente impossível ouvir todos os discos lançados durante um ano, ou ler todos os livros, ou assistir a todos os filmes. Portanto, os discos abaixo listados são os melhores discos que ouvi dentre os que comprei ou ganhei em 2008. O retorno de Saturno, do Detonautas Roque Clube ― Conheci o Detonautas na mesma época em que quase todo mundo, por causa de uma música do primeiro disco deles que fez parte da trilha sonora de Malhação. Só isso já me fez ignorar a banda. Ao menos até sair o segundo CD do grupo, Roque Marciano, que é um discaço e, na minha opinião, fica atrás apenas deste O retorno de Saturno, que sucede Psicodeliamorsexo&distorção (sendo este último um bom disco, mas muito desigual, uma tentativa malsucedida de "crescer"). Mas, enfim, falemos de O retorno de Saturno, um disco excepcional. Depois de flertar com o rock sujo no disco anterior, com guitarras pesadas, baterias violentas e linhas de baixo que podem causar terremotos, o Detonautas resolveu investir em um disco mais calmo ― mas nem por isso menos rock, talvez até mais, porque rock, para mim, é atitude ―, coeso, engajado e com uma presença maior dos violões, deixados um pouco de lado no Psicodeliamorsexo&distorção. Entre o terceiro e este quarto CD a banda perdeu, para a violência que impera no Rio de Janeiro, um de seus integrantes, o guitarrista Rodrigo Netto, assassinado em um assalto. O grupo, que já era politizado, passou a ser ainda mais, com destaque para a atuação de Tico Santa Cruz, o vocalista, em protestos públicos, ONGs, em seu blog e em suas próprias letras e escolhas musicais. Uma das canções, "Verdades do mundo", é dedicada a Rodrigo. Outra, "Ensaio sobre a cegueira", tem a participação do poeta Edu Planchêz, declamando um belíssimo poema seu chamado "Filhos da morte burra", que tem versos assim: "Jovens/ sem nenhuma utopia/ caminham tensos pelas ruas de suas casas velhas sem nenhuma luz" e "Os filhos da morte burra,/ desconhecem ou nunca ouviram falar em iluminação;/ abrem a boca apenas para vomitar". A quase acústica "O retorno de Saturno", faixa título que abre o disco, é uma belíssima declaração de amor ("E você não sai do meu pensamento/ E eu me questiono aqui se isso é normal"); o refrão de "Tanto faz", sexta faixa, contradiz seu título e faz uma apologia à determinação: "Mas não venha me dizer/ O que eu devo ou não pensar/ E não ouse me impedir/ Nem dizer o que eu devo ou não devo". A música que mais se aproxima do disco anterior é a última, "Eu vou vomitar em você", uma espécie de "canção de protesto" vigorosa ("Eu não acredito numa palavra do que você diz/ E os seus amigos, eles são patéticos demais pra mim/ O seu ar de intelectual é o que há de mais escroto em você/ Seus preconceitos, seus argumentos"). Minha vontade era ter escrito um texto exclusivo sobre O retorno de Saturno, mas meus conhecimentos sobre música ― não passo de um guitar hero frustrado ― não permitem isso (ao menos por enquanto). O que não me impede de dizer que este é um discaço e que, se você não ouviu ainda, ouça. É um álbum inspirador, contestador, barulhento, mas de maneira comedida, controlada; as letras são sóbrias, assim como o instrumental. Nada sobra ou falta. Arrisco dizer que o Detonautas fez um disco quase perfeito, o melhor disco que ouvi em 2008 e o melhor disco de rock brasileiro que ouvi nos últimos tempos. Chinese Democracy, do Guns N'Roses ― Quando anunciaram que finalmente Axl Rose tinha terminado o Chinese Democracy, não acreditei. Foram tantos adiamentos, tantas notícias de que o álbum estava sendo gravado, que, para mim, o disco já estava virando uma piada. Meu interesse era apenas em saber se o tão prometido álbum iria sair mesmo ou se era uma fábula inventada por Rose para que os holofotes da mídia não o deixassem sozinho no escuro. Mas eis que, finalmente, depois de mais de dez anos de espera ― Axl Rose e seus comparsas trabalhavam no disco, teoricamente, desde 1997 ― Chinese Democracy chegou às lojas de todo o mundo ― ou quase todo (o disco não pode ser comercializado na China). E os fãs ortodoxos do Guns N'Roses que não gostaram do disco que me perdoem, mas se há algum defeito no álbum é que ele foi calculado, melhorado e pretensioso demais. Afinal, depois de passar dez anos trabalhando num disco, você não pode lançar um, sei lá, Hopes and fears. Tem que lançar algo que pague o dinheiro gasto e a espera dos fãs; algo que valha a pena ser comprado e ouvido dezenas e dezenas de vezes. Então, o que temos? Mais um disco quase perfeito, a exemplo de O retorno de Saturno. Mas enquanto os brasileiros tentaram simplificar e fazer um disco sóbrio (o que, aliás, conseguiram, não sei por que deixei esse "tentaram"), o que Axl Rose e companhia fizeram foi colocar a megalomania a serviço do rock'n'roll. Cada música é quase uma "ópera-rock". A faixa título, que abre o disco, é eletrizante. Você fica sem saber se toca air drums, se tenta imitar o Axl cantando ou se fica chacoalhando a cabeça feito um louco (air guitar é melhor nem tentar, o solo de guitarra é esquizofrênico, velocíssimo). "Street of dreams" é a melhor música do CD, na minha opinião. Piano do início ao fim, uma orquestrinha por trás, a voz de Axl um tanto melosa, sofrida... É uma canção espetacular. Logo em seguida vem "If the world", não tão rock quanto as outras; as guitarras não são tão vigorosas e rápidas, bem como o vocal, que é mais pausado, digamos assim, mas é uma belíssima canção, muito bem planejada e executada. Surpreendentemente, Chinese Democracy traz quatorze faixas ― os CDs de bandas americanas estão sendo lançados, quase todos, com somente 10 ou 11 músicas ―, e tem gente dizendo que pelo menos sessenta ficaram de fora. Houve até quem tentasse espalhar um boato, dizendo que a banda estaria pensando em lançar uma outra versão do Chinese, com sobras de estúdio. Seria bom se fosse verdade, mas são apenas rumores. Alguns fãs ortodoxos do Guns não gostaram do resultado, mas paciência. Chinese Democracy é mais um disco excepcional lançado em 2008. Nós, de Marcelo Camelo ― Ainda vestindo preto por conta do "fim" do Los Hermanos (eles chamam de "recesso por tempo indeterminado"), culpando Marcelo Camelo pela "separação" do grupo, eu disse a uma porção de gente que não queria mais saber dele, que o Amarante é que iria lançar um discaço solo e que Camelo estava sofrendo da síndrome de Chico Buarque. Ou seja: eu estava furioso. Mas bastou passar alguns meses para eu deixar a birra de lado e voltar a acompanhar a carreira solo do ex-vocalista do Los Hermanos. Quando o disco saiu, ouvi duas faixas no site do cantor e até gostei das músicas, mas não tanto a ponto de baixar as outras. Mesmo assim, coloquei o CD na minha lista de compras e, em dezembro, minha bem-amada me presenteou com ele. Bastou a primeira audição, ainda do lado dela, para decretar que ali estava um dos melhores discos do ano, sem dúvida alguma. Nós é um álbum que, me parece, conquista o ouvinte aos poucos ― ao menos foi o que aconteceu comigo. A canção que primeiro me fisgou foi "Menina bordada", quase uma música de carnaval baiano ― mas não como essas dos carnavais dos últimos tempos; uma música de verdade. Depois fiquei bobo com a música que abre o disco, "Téo e a gaivota", que tem guitarras tranquilizantes, por assim dizer, calminhas, calminhas, e a voz mansa de Camelo. Lá pela quarta ou quinta audição, fiquei doente por "Mais tarde", que dá a impressão de se estar em um barco, velejando por algum lugar silencioso e belíssimo do Atlântico. Mais recentemente, a que mais ouvi foi "Copacabana", uma marchinha de carnaval carioca deliciosa e bem-humorada. Um peralta, esse Marcelo Camelo. Pregou-me várias peças. Pensei que seu disco fosse ser algo triste, sofrido, mas não. É um álbum alegre, vivo, com suas doses de melancolia, é claro, mas, no fim das contas, o saldo é positivo. Além disso, enganou toda a mídia, divulgando seu disco com o título de Sou. Descobri a brincadeira e disse que o nome do disco é Nós, como continuo e continuarei chamando o CD, aliás. Mas agora noto que o nome do disco parece ser, na verdade, Sol. Ora, na capa do disco tem escrito "sóu", sendo que o "ó" está de cabeça pra baixo; e, na última página do encarte, tem escrito "capa poema 'sol' por Rodrigo Linares". Deduzo, portanto, que o disco se intitule Sol, mas continuarei me referindo a ele como Nós, porque é mais poético, mais romântico. Brincadeiras e birras à parte, Marcelo Camelo inicia sua carreira solo com um álbum digno de figurar em qualquer lista de "melhores do ano". Rafael Rodrigues |
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