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Quarta-feira, 25/2/2009 Chinese Democracy: grande disco Rafael Fernandes Avacalhado por ouvidos apressados e preconceituosos, Chinese Democracy é ótimo. É meu disco de rock do ano passado e um dos melhores álbuns do estilo dos últimos 17 anos. Comparando com os outros lançamentos do Guns N' Roses, tem mais qualidades que a dupla de Use your illusion. E talvez não tenha a urgência ou o momento do Apettite for destruction, mas é melhor elaborado, menos clichê e mais interessante musicalmente. Não é pouca coisa, mesmo levando em conta as supostas controvérsias de tempo e dinheiro na sua elaboração ― que, no final das contas, são abstraídas quando o produto final tem excelência. É perceptível que o disco é honesto e feito com tesão. Tem influências diversas com resultado sonoro atemporal, que se não é algo absolutamente novo, não encontra semelhantes na música de hoje. Os arranjos são muito bem cuidados, o instrumental é impecável e as melodias, marcantes. Parece ter sido planejado como disco, não como um punhado de canções ― a brilhante sequência "Catcher in the rye", "Scraped", "Riad n' the Bedouins" e "Sorry" e o belo final mostram isso. Foi um projeto de vida, muito bem pensado ― apesar de às vezes até demais. Nele há um toque de megalomania. E isso é bom, num momento acomodado do rock. Outro mérito é o arrojo e a capacidade de subverter o que se esperava da banda. Apresenta ótimas canções e diversas surpresas a cada audição. Não vou deixar de admirar um artista que, com todos os seus defeitos, dificuldades e bizarrices coloque tanto sangue e paixão num projeto. Uma palavra pode definir esse disco: grande. É um grande disco, soa grande. Um fato curioso e não proposital dele é que, com as músicas novas tocadas ao vivo e com o vazamento de faixas (uma ou outra até em mais de uma versão), a evolução sonora das músicas e do disco foi acompanhada por alguns fãs. É um fato inédito, ainda que de maneira não convencional, muito menos oficial. "Chinese democracy" abre o disco, é a faixa-título, tem o riff mais "identificável", mas não é uma boa indicação do que vem depois. As melodias são regulares e a canção não tem grandes variações. Ao menos é consistente e o arranjo caprichado ajudou a destacá-la. Se não é um começo fantástico, ao menos deixa a pulga atrás da orelha pelas faixas seguintes. O solo de guitarra, o grande achado ao lado dos vocais, é uma amostra significativa de que o nível de guitarras que vem a seguir é altíssimo, de qualidade e vanguarda. É um disco que tem solos memoráveis, sejam virtuosos ou melódicos. "Shackler's revenge" é um rocker empolgante e direto. É pop e pesada. De estrutura simples, começa com uma patada de guitarras (sim, é guitarra, não é "eletrônica"). Baixo e bateria soam coesos, o refrão é marcante e a ponte, grudenta ― e quase dançante. Axl começa a mostrar melhor sua evolução vocal, com vozes e interpretações distintas na música, tanto num registro bem grave como no agudo. O solo, de Ron Thal, é transgressor e já é um dos meus favoritos. Assusta quem espera uma melodia reconhecível, mas é espetacular. Tem uma estrutura lógica bem definida de começo, meio e fim (para os interessados, a primeira parte também é feita numa guitarra fretless, ou sem trastes, como num violino).
"Street of dreams" é uma música com várias alternativas e boas melodias. Vai e volta, da balada ao rock, deixando uma sensação ao mesmo tempo reconfortante e dramática ― musicalmente representa bem a resignação exposta na letra. Outro solo de Finck que é candidato a clássico: muito bem construído e de bom gosto. O competente baixista Tommy Stinson tem aqui um de seus melhores momentos, com belas e elgantes linhas baixo, com destaque à parte final, com ecos do McCartney ― era Beatles. Buckethead acompanha bem Axl no solo no desfecho da canção, dando outros contornos à boa letra. "If the world" é a mais leve e despretensiosa canção do álbum e um caldeirão de informações: funkeada, apresenta guitarras de timbres gordos, inclui algumas batidas eletrônicas e teclados, tudo isso acompanhado de tempero oriental. É a cara do caos de referências do mundo de hoje. É descarada e irresistivelmente pop e como tal se sustenta pelo suingue e pela melodia cativante. Chris Pitman se destaca como co-autor e no instrumental, com bons teclados e um baixo com presença. Como de praxe no disco todo, Buckethead faz um ótimo solo. Já "There was a time" é um das faixas mais densas. Sem concessões, é a mais longa do disco. Se aproxima do rock progressivo ― ainda que esteja longe disso. Pode parecer uma confusão de informações, mas há um propósito nisso tudo. Seu contexto de melodia, harmonia e instrumentação é de caos sonoro. Na letra, mais do que uma história ou rimas, há uma série de pensamentos jogados, quase desconexos ― e faz todo o sentido para a música. O arranjo todo é excepcional, numa música que evoca diferentes imagens.
Em "Scraped" um belo arranjo vocal abre caminho para um riff que parece um carro acelerando ― uma boa mostra do trabalho de guitarra da faixa: contínuo e num vai e volta. Axl aparece duelando com ele mesmo em mais uma grande performance. O refrão empolga e fica mais interessante quando nele aparecem algumas citações do riff principal. Ron Thal faz mais um trabalho brilhante no solo, contando uma história, com interpretações distintas e observações muito bem sacadas. Usa de virtuosismo preciso, é melódico no momento certo e faz uma conclusão soberba. Grande música.
"Sorry" é boa de ouvir, bem fluída e uma das músicas de estrutura mais simples do disco. As melodias são excelentes e no refrão há uma discreta, mas boa participação de Sebastian Bach nos coros. A letra, no início, parece ser o ponto fraco: banal, sem grandes achados. Mas quando Axl canta "Você sabe onde colocar seu 'cale a boca e cante'" ou "É mais difícil viver com a verdade sobre você do que com as mentiras sobre mim" a história ganha outro sentido. O solo é cortante, de belas melodias, com uma pegada de blues no começo e uma finalização singela, quase infantil. As guitarras, as melodias vocais e as variações musicais entre a agressão e a serenidade são os pontos altos de "I.R.S", uma canção sobre um amor perdido que incrivelmente cita imposto de renda e FBI. Na parte final da música acontecem alguns "duelos" de bases de guitarras: uma do lado esquerdo e outra do lado direito, que dão peso e dinâmica à música. Uma boa canção, sem grandes pretensões e que faz sentido no contexto do álbum. É chover no molhado dizer que o solo de Buckethead é muito acima da média. "Madagascar" começa quase como uma marcha fúnebre com os teclados e termina com uma variação da melodia inicial, executada com uma trompa, que dá um clima ainda mais soturno à música. O sentimento é de desencanto também na letra, que poderia ser um hino sobre todos os problemas, mudanças e demora deste disco. "This i love" parece ser uma das favoritas dos fãs e é candidata a hit. Cuidado: ela pode agarrar nos seus ouvidos sem avisar. Faz todo o sentido no conceito do álbum, é extremamente pessoal, épica (no melhor sentido), tem Axl apresentando uma melodia para poucos ― sinuosa e difícil ― e um solo de guitarra magistral. Mas não dá pra negar que tem uma boa dose de breguice, um excesso de afetação com seu arranjo pomposo demais e piano à la Broadway.
Rafael Fernandes |
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