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Terça-feira, 17/3/2009
De como os medíocres atrapalham os bons
Rafael Rodrigues

Querer ignorar, substituir ou menosprezar o passado é burrice, principalmente se o assunto for literatura.

Não posso falar pelo resto do mundo, mas, ao menos aqui no Brasil, a quantidade de escritores, críticos e leitores que simplesmente esquecem livros e autores de mais de quatro décadas atrás é assustadora. Em contrapartida, professores do ensino médio tentam, em vão, obrigar seus alunos a lerem José de Alencar, Machado de Assis, Raul Pompéia, Joaquim Manuel de Macedo etc. Os autores mais "novos" nas listas de colégio são Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. Talvez estes dois últimos se salvem, mas qualquer coisa antes deles gera uma espécie de trauma nos estudantes, que passam a ter asco de qualquer autor que não seja blogueiro e não fale de sexo, drogas e rock'n'roll.

(Supondo-se, claro, que os jovens estudantes brasileiros leem a literatura produzida no nosso país. Algo difícil de acreditar, mas peço ao leitor que não encare este texto como parte da ficção fantástica.)

Se isso acontecesse apenas com os jovens, tudo bem, seria compreensível. Mas o pior é que os próprios escritores estão renegando os clássicos. Você não vê um autor contemporâneo afirmando que tem influência de Machado. Nenhum deles leu Alencar e malmente sabem quem é Raul Pompéia. (Não que seja obrigação de todo autor nacional colocar estes nomes na sua lista de influências, mas se mentem tanto dizendo que leram Shakespeare, Cervantes, Nabokov, Faulkner etc., por que não colorir a mentira de verde e amarelo?)

Se formos falar em poesia, pior ainda. São batidas as referências. Porque existem os clássicos pop, como Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Pablo Neruda, Drummond e por aí vai. Difícil é ver alguém dizer que leu Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac.

Entendam: não estou pregando aqui que devemos todos correr para as bibliotecas, procurar os livros de páginas mais amarelas e empoeiradas e começar a lê-los. Nem que deixemos de ler os autores modernos, contemporâneos. Particularmente, leio bastante coisa nova. Talvez mais até do que deveria. Mas nem por isso esqueço quem já passou e fez história.

É triste ver a obra de determinados autores ficar restrita a leituras obrigatórias no colégio e a questões de vestibular. Principalmente alguns citados acima. Mais triste ainda é ver escritores contemporâneos que escrevem nada com coisa nenhuma serem incensados a promessas, revelações e indispensáveis.

Esses autores terminam por ofuscar verdadeiros talentos que estão na ativa, escrevendo e publicando. São os medíocres atrapalhando os bons. Enquanto a praga dos "novos autores" (entre aspas porque eles não são mais tão novos assim) medíocres se alastra dia após dia, os bons autores, os verdadeiros autores contemporâneos de valor (alguns jovens, inclusive), são colocados em segundo plano (em vez de serem colocados no segundo caderno ― do jornal, no caso).

Os bons escritores contemporâneos é que deveriam ter seus livros resenhados e festejados. Não que eles não sejam. É possível encontrar boas análises de suas obras em jornais como o Rascunho, em sites como o próprio Digestivo ― e a revista eletrônica Trópico, por exemplo ―, e em cadernos como o "Prosa & Verso" do O Globo e no "Ideias e Livros" do JB. Mas ainda são poucas as resenhas, é pouca a atenção dispensada à "velha guarda" ― ou à boa "nova guarda". O relançamento de toda a obra de Charles Kiefer pela Record é que deveria ser destaque nos jornais e blogs (seu estupendo romance Valsa para Bruno Stein, reeditado em 2006 e adaptado em 2007 para o cinema não teve nem metade da repercussão que merecia). A reedição de toda a obra de Flávio Moreira da Costa (e seu novo livro Alma-de-gato) é que deveria ser comentada. O altar das montanhas de Minas, romance de Jaime Prado Gouvêa (autor do excelente livro de contos Fichas de vitrola) que será reeditado nos próximos meses é que deveria estar sendo aguardado por leitores ansiosos.

Felizmente, alguns bons sinais estão aparecendo. Galiléia, mais recente livro de Ronaldo Correia de Brito, teve uma boa divulgação nos jornais e na internet. Meu destino é ser onça, novo ― e excelente ― livro de Alberto Mussa, foi também amplamente divulgado. Em 2008 o veterano Cristovao Tezza abocanhou tudo quanto foi prêmio literário, com o romance O filho eterno. (Abro um parêntese para deixar claro que escrevo "divulgação" no sentido de que tais obras e autores tiveram a atenção da mídia, independente de receberem elogios efusivos ou críticas ferrenhas.) Mas ainda falta muito para chegarmos ao patamar norte-americano, por exemplo, onde os livros de Philip Roth são verdadeiros acontecimentos; o mesmo ocorre com os livros de Paul Auster ― apesar de ele não ter lá o mesmo prestígio que tem em outros lugares ―, e com os de Ian McEwan, entre outros.

É certo que não podemos comparar o mercado editorial do país do Tio Sam com o nosso. Mas temos autores tão bons quanto eles e devemos valorizá-los. Infelizmente, muitos de nós sofrem de um mal que Nelson Rodrigues chamava de "complexo de vira-lata". Nas palavras dele: "por 'complexo de vira-lata' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo". Então, o que acontece: tirando as Havaianas, boa parte dos brasileiros acha que só é bom o que vem de fora, inclusive a literatura. Não obstante a qualidade indiscutível da literatura estrangeira (representada neste texto pela de língua inglesa), da qual me abasteço constantemente e que compõe cerca de 45% da minha biblioteca, nossa literatura é também valorosa. Uma pena ser tão subestimada. Mas, como diria Renato Russo, temos todo o tempo do mundo para resolver isso. Basta darmos mais chances à prata da casa.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 17/3/2009

 

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