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Segunda-feira, 23/3/2009 Evolução e Adaptação da Imprensa Escrita Ricardo de Mattos "... à imprensa deve tocar o encargo de se corrigir a si própria ..." (Willian Pitt, citado por Rui Barbosa em A imprensa e o dever da verdade) Parece regular no ser humano certa ânsia pela extinção de coisas. Si a frágil película de civilidade impede-o de voltar-se contra seu semelhante; si não pode custear um safári; se não encontra uma causa sobre a qual derrame suas energias, ele mata "em tese". No mundo jurídico, o abolicionismo defende a morte do Direito Penal. Há meses próximos renovaram fogo contra o livro impresso e anteciparam-lho epitáfio. Na história da música, mal surgido o rock, atestaram-lha vida breve. Criada a internet, desenvolvido seu aspecto informativo e alguns jornalistas arregaçando as mangas em seus blogs, há quem trate a imprensa escrita qual cadáver iminente. Estes prognósticos exagerados revelam certo gosto por mudanças bruscas e leve teatralidade. Com o advento do CD, o disco de vinil não desapareceu, mas ficou restrito a fornecedores e consumidores específicos. Apesar do MP3 e das músicas que se baixam gratuitamente pela internet, o CD mantém seu mercado. Dedicando-se a girafa à copa das acácias, o okapi continuou a ruminar tranquilo as folhas dos arbustos. A imprensa escrita não acabará. Não acabará e alcançará um público cada vez maior através da especialização das publicações. As empresas que precisarão adequar-se, inclusive no porte, à nova realidade. Os primeiros pontos fixos de venda chamavam-se "banca de jornais". Logo foram renomeados "banca de jornais e revistas". Ou se para aqui, ou o preciosismo levará a nova classificação: "banca de jornais, revistas, livros, CD, DVD & outros". Quando criança, "ir à banca" significava parar diante de uma caixa de metal com um homem dentro e comprar o último número de alguma revista definida ― Lulu e Bolinha. Em duas décadas as bancas tornaram-se imensas, logo a comportar berçário e área interna de fumantes. Limitando-nos ao impresso, nunca existiu tanta variedade. Jornais publicados em âmbito nacional, regional e municipal, além dos estrangeiros, técnicos e étnicos, a exemplo dos escritos em japonês. Se a memória não estiver de pirraça, no Sul do país há jornais locais publicados em alemão e italiano. Há revistas voltadas a grupos, étnicos, profissionais, faixas etárias e de assuntos diversos dentro da mesma vertente ― beleza e cultura negras. O campo de periódicos de divulgação foi ampliado e especificado de tal forma que se pode enumerar dois ou três títulos voltados à História, à Filosofia, à Psicologia, à Lingua Portuguesa, além de Ciências, Biografias e até uma de Sociologia. O paradoxo da grande oferta num país de leitores negligentes parece resolvido pela variedade de títulos, pelo aumento de edições especiais e pela baixa tiragem de exemplares. Empresas editoras de jornais e revistas obtêm seus principais recursos financeiros através da venda e da publicidade veiculada. A venda ocorre individualmente, em bancas ou pela internet, ou por assinatura. É variável, pois o leitor não comprará si estiver sem dinheiro ou não se interessar pelos assuntos da vez. Assinaturas estão sujeitas à inadimplência e ao cancelamento. O sustento mais seguro, infelizmente, aponta para a publicidade. Si o interessado não paga, seu anúncio não aparece, ou é retirado e seu lugar negociado com outro. A revista Veja de 11 de março corrente ― capa sobre a espionagem pelo Protógenes ― tem 144 páginas, número que inclui as capas (!). Excluído o encarte da Contigo, tivemos a pachorra de contar 81 páginas com publicidade. Entre estas, 65 são exclusivamente de publicidade, muitas em irritante sequência. O excesso publicitário atinge a todos, como prova o primeiro caderno do Estadão. O número da propaganda imobiliária é tão grande que o encarte de imóveis pode ser dispensado. Os dados, apesar de isolados, indicam que não se pode contar apenas com a vendagem, sendo necessário compensar com anúncios. Nos dois casos, entretanto, deve-se cogitar a especial escolha dos periódicos para o marketing de certo produto, escolha baseada em critérios como renome e seriedade. De qualquer modo, a informação fica vinculada à variação do mercado. Si o produto não vende, a propaganda sai e o editor precisa encontrar oura fonte. Caso o terreno movimente-se, ou a casa acomoda-se à nova situação geológica, ou rui. O jornalismo impresso foi erigido, gerações atrás, sobre um público leitor fiel e, digamos, suficiente. Advinda a internet, imperativa a revisão dos alicerces, pois as fissuras apareceram. Ontem devia-se convencer o leitor a adquirir este jornal e não aquele; agora o primeiro objetivo é convencê-lo a comprar, na hipótese de ele estar disposto a ler. Quem não possui acesso doméstico à Web, acessa-a de uma lan house. Sentado ao computador, o usuário acessa ao mesmo tempo o site do provedor de e-mail, o Orkut, o MSN, um chat, um site de música para ouvir durante a navegação de outro de "nús artísticos". Quem não se habituou a manter-se informado não desenvolverá o costume lendo as chamadas enquanto a página do provedor carrega. Quem utiliza computadores públicos ― e o número não é tão pequeno assim ―, não usará seu tempo lendo notícias. O que esta pessoa vier a saber sobre o país e o mundo será através do noticiário televisivo ou, pasme-se, do rádio. Talvez quem acesse de casa ou do trabalho tenha sua fonte preferida de notícias, ainda que não consulte diariamente. Todavia, a rotina não deve ser muito diferente da descrita, visto a frustração de muitos funcionários quando os sites de relacionamento são bloqueados. Todava, as possibilidades são tão pulverizadas, variáveis conforme a idade, a formação e o emprego ou desemprego, que o retrato preciso é inviável. Reservar, enfim, uma quantia diária para compra do jornal é hábito que não mais acreditamos difundido. Aliás, tão anacrônico quanto um advogado, por mais sério que seja, cobrar por hora de consulta num contexto em que tantos suplicantes oferecem consultas gratuitas para atrair um cliente que seja. Notícias superficiais e consultas questionáveis não parecem assustar quem se contenta com elas. Jornalistas e advogados devem então relaxar e entregar qualquer porcaria? Não, mas os éticos sempre enfrentarão o dilema de proceder corretamente junto a pessoas despreocupadas com a correção. O jornal foi o primeiro meio de comunicação de longo alcance social. Lembremos que as novidades do exemplar eram muitas vezes lidas e ouvidas, repassado pela voz o sabido por escrito. Precisou conviver com o rádio e com a televisão. No Brasil, onde vivemos, a internet ganhou muito espaço e ganhará mais, porém sem invadir a seara alheia. O cerne é educacional e econômico. Faixas etárias inteiras (?) que não leem jornal, não o fazem porque não aprenderam ou porque escolheram outra fonte. Jornal diário e revista semanal representam um gasto que muitos preferem dispensar ou transferir para outras necessidades. Somente os setores de assinaturas e de distribuição podem fornecer dados para estatísticas, sendo o mais especulação. Interessados pelo impresso sempre haverão, mas o número será menor. Mesmo que mantido, será problemático si não acompanhar o crescimento populacional. O que se mostra correto é inexistir para as empresas a opção "tudo ou nada". Cada uma conhece a medida de seus encargos trabalhistas, tributários, previdenciários e comerciais. Cada uma conhece suas metas e, mormente, sua razão de existir. Ricardo de Mattos |
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