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Quinta-feira, 26/3/2009 Agruras e delícias nos cinemas de São Paulo Elisa Andrade Buzzo Na segunda semana de fevereiro recebi, como de costume, o Guia da Folha. Mas aquela edição era especial, contendo uma avaliação dos cinemas da cidade e elegendo os melhores em seis categorias. Não me surpreendi muito com o resultado, pois ultimamente tenho andado tanto pelos cinemas de São Paulo, que cheguei à conclusão de que não há um perfeito, e uma programação impecável só pode ser feita batendo muita perna. As particularidades das salas são muitas e às vezes o que parece ruim pode ser no mínimo curioso. Como São Paulo não foi feita exatamente para se andar a pé, nem sempre dá pra acompanhar tudo de perto. Como sair da Paulista pra ir ao Centro? Só mesmo tendo um dia livre inteiro pela frente. E os filmes que só passam uma vez na semana e ainda por cima de tarde? Já era... Mas os caprichos do destino às vezes te levam a um programa descompromissado. Assistir à tarde Bete Balanço (1984) no Centro Cultural São Paulo. De graça, engraçado e num silêncio atencioso que não se vê nem nas salas mais intelectualizadas da cidade, como as da Cinemateca. Mas é claro que as ótimas atuações de Débora Bloch e Diogo Vilela renderam muitas risadas. Um dos centros culturais mais democráticos da cidade, o CCSP só peca pelo ar-condicionado fortíssimo da Sala Lima Barreto. Meu moletom trabalha a pleno vapor. Ainda assim, as oportunidades de cinema a preço baixo na cidade podem ser mirradas, mas muitas vezes é o público quem mia. Sessão Popular no Espaço Unibanco do Shopping Frei Caneca. Cinco reais. Você entra na sala e... só tem você. Ninguém mais entra. Dá até medo. Você continuaria lá dentro? Precisamos de alguém perto de nós, mas também nem tão perto assim. É como um ônibus vazio que aos poucos tem os bancos preenchidos. Ninguém deverá se sentar ao seu lado antes que os primeiros lugares de todas as fileiras tenham sido preenchidos. Do contrário, sua atitude será interpretada com uma incômoda segunda intenção. Normas sociais. Não haveria um ponto de equilíbrio, no qual não há o incômodo de alguém triturando pipoca, batendo o pé atrás de sua cadeira; nem o desconforto de se sentir completamente sozinho? Pior, ser abordado pelos loucos dos cinemas. Eles aparecem especialmente nos filmes de terror ou suspense dos cineclubes, te esperam para abrir a porta, tentam sentar-se ao seu lado a qualquer custo. Aqui não! Mas se eu quiser experimentar a pipoca doce que o Cinemark oferece, correndo o risco de ser contraditória? Lá vou eu com o saquinho engordurado de manteiga, quem sabe impacientar eu mesma. Em pleno choque após a vida vivida na intensidade da tela grande, não acho muito estimulante sair do cinema e dar de cara com lojas e uma iluminação ameaçadora. Prefiro o olho da rua, mesmo que seja a Consolação completamente parada, com as obras do metrô desafiando a lei da gravidade e a estrutura da matéria. É esse espírito que encontra quem sai do Belas Artes à noite. Se bem que às vezes entrar direto no estacionamento e chegar em casa em quinze minutos do Unibanco Pompéia ou do Cinemark Higienópolis, numa noite de chuva, não deixa de ser reconfortante... São muitas as peculiaridades das salas de cinema e cineclubes paulistanos. Conteúdo para um próximo texto, na certa. Mas devo falar um pouco da nossa querida Cinemateca Brasileira (foi escolhida como a melhor programação de São Paulo, em votação naquela matéria do Guia da Folha), instalada no antigo Matadouro Municipal, construído na década de 1920 no Largo Senador Raul Cardoso. É recanto charmoso e tranquilo que só mesmo os cinzeiros nas mesas incitando os fumantes pode incomodar. Ou mesmo outros fantasmas, aqueles dos bois que ainda rondam por lá. Apesar de um público mais elitizado frequentar o espaço, o café da Cinemateca, ao contrário dos muitos espalhados em espaços culturais, tem um preço justo. Algo digno de louvor, quase inédito no Planalto de Piratininga. Por isso, chegando lá, corra para comprar o delicioso quiche à venda. Ou o pão de mel fabricado fora de escala industrial. Só cuidado com estes dias de tempestades, a superlotação pode deixar selvagem a disputa por atendimento (uma moça simpática), apesar da boa educação que costuma imperar. Há muito o que descobrir, começando pela nova sala, a BNDES, atapetada, com cadeiras laranjas super confortáveis e paredes retráteis, até o acervo da biblioteca e os banheiros de design estonteante. Só cuidado para não pegar o casal do terror em alguma sessão, geralmente as noturnas. Ele começa a papear nos letreiros iniciais dos filmes, continua durante o enredo e, sem o mínimo discernimento, faz comentários em voz alta, como se não houvesse mais ninguém além dele próprio. Ainda por cima há poucos diálogos em O Samurai (1967). Os cinéfilos mais chatos fazem "chiu!", mas nada detém a dupla. A mulher até atende o celular: "Estou no cinema."; "No CINEMA!"; "Na Cinemateca.". É que tem cinemas em São Paulo assim, tão aconchegantes que você se sente como se estivesse em casa. Dá nisso. Elisa Andrade Buzzo |
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