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Sexta-feira, 1/5/2009 Cupido era o nickname dele Ana Elisa Ribeiro Não tenho a menor dúvida: a internet amplia nossas chances de viver um romance. Também não tenho a menor dúvida de que a internet não pode garantir que a qualidade desse romance seja boa ou má. Outra certeza: as paqueras só começam na internet. De repente, elas saltam para a "vida real" e tornam-se como as outras. E quando são vividas apenas virtualmente, podem ser tão intensas quanto as paqueras de carne e osso, só que com um tico mais de fantasia, por conta da distância física. Difícil e meio inútil ficar categorizando e prescrevendo coisas sobre o amor na internet. Só quem começa algo assim, mediado por computador ou qualquer outro dispositivo, sabe o que é estar nessa experiência. E isso não é coisa nova. O telefone oferecia possibilidade parecida na forma daqueles serviços tipo "Disque Amizade", que ainda hoje são divulgados na tevê. No entanto, essas coisas via Embratel eram vistas com preconceito e pareciam um tantinho bregas. Na internet, tudo ficou chique. Conectado em banda larga, o carinha veste um nickname e entra em uma sala de bate-papo. Em meados dos anos 1990, esse chat era, em geral, no UOL. Os assuntos vão e vêm, as pessoas trocam ideias no mesmo horário, se gostam, simpatizam, aparentam afinidades e um dia se encontram. Bokinha quer falar reservadamente com Gaúcho. Como é que você é? Alto, tipo 1m e oitenta, olhos esverdeados (principalmente no sol), nem gordo nem magro, aloirado (em dias claros). E o que você faz na vida? Estudo Contábeis e moro com meus pais. Dirijo, tá? Bokinha fica feliz. Mas eles moram a 700 km um do outro. Fazer o quê? E ainda assim gastam noites inteiras batendo papo reservadamente. Nos anos 1990, não existia Skype. Voz mesmo, nada. O jeito era "avaliar" a pessoa pela ortografia. Diz que não fez isso nenhuma vez? Claro que fez. O papo, os temas, o jeito de escrever. Mesmo em internetês, havia uma forma de avaliar os "você" com "ç" ou as trocas entre "z" e "s". Mais ou menos em 1996, os bate-papos do UOL rolavam soltos. Conheci muita gente lá, virtualmente. A turma do Corvo foi um marco em minha vida social. Os encontros dessa turma eram sempre pela manhã. Um era dentista, outro era advogado, outra era promotora, outro era engenheiro. Pessoas de bem, que gostavam de bater papo na internet. Entrei nessa turma. Quatro ou cinco anos depois, o Corvo fundou um blog (O Corvo, claro), nos serviços Blig (blog do iG), e fomos todos para lá. Uma comunidade imensa, que trocava centenas (mesmo) de mensagens por dia, quando os serviços de comentários ainda precisavam ser caçados e agregados aos blogs meio na marra. Conheci o Rio de Janeiro nessa época. São Paulo também. No Rio, o Corvo e a Marize me ciceroneavam. Em Sampa era o Guaraná que recebia tropas de amigos virtuais em sua quitinete em Moema. Copa do Mundo e nós todos lá, torcendo pelo Brasil, nos jogos da madrugada, gritando da sacada e vendo os aviões descerem pertinho. JR Lemmon também. Bate-papo de hora do almoço. Eu na editora e ele na Receita. Papo vai, papo vem. Isso vicia. Tão gente boa. Passou mês, vamos almoçar? Vamos. Pronto. Daí resultou uma história longa e nos tornamos amigos. Ou meu marido, Jorge, que conheci por e-mail, por conta de um certo "movimento" da literatura na rede, ali pelos começos dos anos 2000. Ele, jornalista, participava do Paralelos, no Rio. Eu, poeta, estava no bolo dos mineiros e paulistas que lançavam seus livros pela Ciência do Acidente, do Joca Terron. Papo vai, papo vem, me dá uma entrevista pro Paralelos? Dou. Primavera do Livro, no porto do Rio de Janeiro, vinho ruim, bancas de livros de literatura contemporânea, hospedados na casa da Marize, do Corvo. Namoramos, engravidamos, casamos. História perfeita? Não. As mesmas dificuldades de todos os casais. Nem melhor, nem pior. O editor e o livro? Pela internet, claro. Comprei um livro do Joca, mandei uma carta (de papel, pelos Correios), ele me devolveu um e-mail e papo vai, papo vem, me dá seus originais aí, dou. Publiquei Perversa em 2002. Conheci o editor (cara a cara) no dia do lançamento do livro em Belo Horizonte. De novo, fui pra Sampa lançar o Perversa e fiquei na casa do Guaraná. Tudo misturado, não? E quem me levou pra conhecer o ABC foi o Flávio, também da internet. Tem amor nisso aí? Não e sim. Amizades longas e verdadeiras, podem acreditar. Paqueras que nunca deram em nada. Paquera que virou casamento. Paquera que gerou filho de verdade. Paquera que virou paixonite e terminou mal. Tem de tudo. E a vida "real" estava parada? Claro que não. Estou contando apenas as possibilidades da internet. No mundinho mais próximo também havia personagens conhecidos em festinhas, em danceterias ou por meio de amigos. Amizades melhores? Não. Amores mais duradouros? Também não. A internet precipitou (no sentido da química) relações; ampliou as possibilidades de nuclear pessoas em torno de certos temas; potencializou os modos de formar redes de relações; facilitou o contato (especialmente depois do Google, já que também facilitou que se encontre as pessoas). E estamos na chuva já bem molhados, não? Medo de quê? De mentirem para mim? Mas isso sempre se fez, on ou off-line. De o namoro dar errado? Precisa responder? A humanidade está na briga contra o tempo e a distância faz tempo. A internet é mais um desses artifícios de trapacear Cronos. Talvez também Eros e Afrodite. E talvez tenhamos transformado a flecha do Cupido em um cursor. Ana Elisa Ribeiro |
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