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Quarta-feira, 29/4/2009 A Crise da música ― Parte 2/3 Rafael Fernandes A seguir a segunda parte do texto sobre a crise da música. (Leia a parte 1). Troca de padrões Nos anos 90 tivemos que trocar nossos vinis por CDs, sem apelação. Dez anos depois surge o MP3 como padrão. O streaming apareceu mais recentemente. O que temos que fazer, agora? Comprar de novo as músicas em MP3 porque a indústria diz que é crime copiar CD? Eu ainda tenho discos de vinil. Gostaria de me desfazer de alguns deles pela falta de praticidade. Devo jogar fora e também re-comprar em MP3, que pode se tornar obsoleto? E o que mais vem em seguida? Jogar fora os plásticos antigos e comprar outros? Cortando as amarras do mercado Marcia Tosta Dias, em seu fundamental Os donos da voz (que em breve deve ganhar texto meu), faz uma observação bastante interessante: "Não podemos esquecer que o negócio do disco começa com o desenvolvimento e a propriedade das máquinas de gravação e reprodução e é em torno desta propriedade que tem sempre se mantido". Podemos também incluir aí a distribuição. É algo parecido com os jornais. Sendo assim, com o avanço de estúdios caseiros, a disseminação do MP3 e as facilidades da internet, essa indústria perde seu status de controladora dos meios de produção e disseminação. A consequência óbvia é entrar em colapso. Há quem diga que as gravadoras sabem o que está acontecendo e vão resistir até 2011 antes de uma mudança radical. Spotify Para um amante da música, como eu, é inviável comprar tudo o que se quer para estudar e conhecer a obra de muitos artistas. É impossível em termos financeiros e de espaço. Mas como uma TV infinita, uma audioteca "infinita" é viável na internet. Por isso estou testando com entusiasmo o Spotify, que é um misto de browser e Last.fm. Por assinaturas diversas (de graça com anúncios e pago para ouvir sem propaganda) é possível acessar um enorme acervo ― apenas em streaming ― por um valor básico, como TV a cabo. Não sei se vai dar certo como produto financeitamente, mas, apesar de alguns problemas como preço (ainda é muito caro para o Brasil), interface (é boa, mas a organização e acesso às playlists poderia ser melhor) e artistas (muitos ainda não estão lá, como Beatles) é o que eu, como consumidor de música, gostaria de ter. Por uma taxa mensal eu tenho acesso a um acervo fabuloso quando eu quero, e montado da forma como desejo: por discos, artistas, tema, "mix tape" etc. E está tudo organizado num só lugar. Perco as músicas apenas se o site falir ou sair do ar. Internet envolve rapidez, comodidade, praticidade, customização e facilidade de busca ― até agora, o Spotify é meu serviço favorito para ouvir música. Quem paga quem? Entendo que o consumidor de música não tenha mais tanta propensão a pagar para ouvir música, como não paga para ver TV aberta ou ouvir rádio. Ou quem sabe um dia pague como outros serviços, tais quais pagamentos mensais de TV a cabo, internet, celular, como citei no caso do Spotify. Mas os prestadores de serviço devem, sim, pagar por usar a música. Afinal, sites como YouTube, Last.Fm, MySpace e outros capitalizam (ou ao menos tentam capitalizar) em cima de trabalhos alheios. Mas contra isso há o argumento de que só usa esses tais serviços o músico que quer, e que eles trazem benefícios ao usuário. Ou seja, os sites não precisariam pagar os músicos, já que eles também usariam seus serviços de graça. Mas não creio que seja um argumento válido ― se fosse assim, nem TV nem rádio deveriam recolher direitos pela veiculação das músicas na programação. Música de graça? Se você é um artista iniciante e atua num nicho muito específico, ou está lançando algo novo, dar música de graça pode ser interessante. Seja para divulgar o trabalho em si ou um produto correlato. Porque, como disse no texto anterior, a internet é um substituto de rádio e TV (principalmente MTV) para descobrir novos artistas. Mas tenha muito cuidado. Não só porque você pode "mimar" demais seus fãs, que não vão querer nunca mais pagar por suas músicas, como você corre sério risco de desvalorizar sua obra. Não ter sua música conhecida é péssimo, mas ela não ter valor é perigoso. Então, por mais que o futuro possa indicar a música com livre circulação, os artistas devem tomar muito cuidado ao dar de graça as músicas. Ou então devem encontrar uma outra forma de valorizar seu trabalho e esforço. A importância do hit Uma coisa não muda: se você é um artista, precisa de um hit para aparecer ― aquela música que pega de jeito o ouvinte. Eram os hits que tocavam nas jukeboxes. Que tocavam nas rádios ― antes do jabá. Que estavam no lado A dos LPs e que eram capazes de fazer um consumidor comprar o disco só para tê-la. E que fazem o consumidor baixar a música (ou o disco), colocá-la como toque de celular, pôr um trecho da letra no MSN etc. E, claro, são basicamente os hits que levam as pessoas ao seu show. Radiohead, São Paulo, 2009. Trinta mil pessoas. Momentos de delírio do público? "Creep" e "Fake Plastic Trees". Músicas do início da carreira, hits. Os hits não precisam ter três minutos e serem "comerciais". Devem apenas ser bons o suficiente para chamar a atenção do ouvinte. Mesmo que seja apenas num nicho, mas que a maioria dessas pessoas saiba de cor e espere por eles nos shows. E, mais do que apelar ou procurar clichês, os grandes artistas deveriam criar grandes canções, as melhores possíveis ― não apenas mais uma. Voltar ao básico, ao inicial: não se trata de negócio, mas sim de ser memorável. Ter ou não um "álbum" A questão aqui é se é válido ter um punhado de canções lançadas simultaneamente dentro de um contexto ― não importa em qual formato. Para pessoas acima de 25/30 anos existe uma quase dependência em esperar que seus artistas favoritos lancem álbuns ― é uma questão de padrão e hábito. Mas, realisticamente, são poucos os que realmente se sustentam do começo ao fim com a mesma qualidade. Bob Lefsetz escreveu um texto já famoso defendendo o fim desse formato. Seus argumentos fazem sentindo: o conceito de álbum apareceu por causa da tecnologia ― simplesmente a capacidade de armazenamento dos discos aumentou e ficou lucrativo lançar álbuns de um só artista em vez de junções de singles. Uma outra tecnologia, a internet, permite romper com isso. Mais: com a acirrada competição por atenção na rede, os músicos deveriam se preocupar em desenvolver duas ou três músicas marcantes (os hits) em vez de tentar juntar dez ou doze só para preencher um disco e promover um lançamento. Dave Allen também escreveu algo nesse sentido. Já Scott Perry fez o contraponto, defendendo o formato álbum: os fãs querem um pacote de músicas de uma vez e, afinal de contas, é importante que o artista apresente suas ideias dentro de um contexto e que esteja cercado de certa "mitologia" ― algo que o conjunto de canções pode trazer. Nota do Autor Em breve a parte 3 ― e final ― desta série de textos. Rafael Fernandes |
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