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Segunda-feira, 6/7/2009
A graça da coisa
Pilar Fazito

Confesso: por quase dez anos tenho sido uma internet addicted ou, em bom português, uma viciada em internet. Não dos que perdem noites de sono e permanecem 24h em frente à tela do computador, mas dos que acabam ficando mais conhecidos no mundo virtual do que no real, seja por fazer amizades virtuais ou por mostrar seu serviço na Web. No meu caso, ambos. Talvez isso tenha a ver com a minha maior facilidade em me expressar por escrito, em vez de oralmente ― e daí vem minha rejeição a telefone, celular e minha preferência por cartas, pombo-correio, e-mail, bilhetes e telegramas. Foram quase dez anos de vida mais bem sucedida na internet do que fora dela e eu poderia continuar dessa forma ad infinitum, mas, de repente, essa ciranda virtual perdeu a graça. E foi assim, de uma hora para outra.

Ainda tenho vasculhado cá dentro o motivo dessa perda de cor. Não sei se foi a decadência dos blogs, se foi a decadência do Orkut... Não sei se é o bombardeamento de informações cada vez mais vazias, o que tem feito o jornalismo parecer um fofocário em tempo real. Só sei que a cada dia está mais difícil permanecer mais de vinte minutos conectada ininterruptamente. Vinte minutos é o tempo que se leva para conferir a caixa de e-mails, ler o horóscopo do dia e, se for o caso, procurar alguma receita gastronômica. Já quando arrisco a conferir os posts do Twitter, aí é que tenho vontade de desligar tudo de uma vez e ir viver.

Minha irmã era monitora do laboratório de computação científica na universidade quando a internet ainda era um projeto tosco, mais conhecido como BITNET. O grande barato era a possibilidade de falar com pessoas desconhecidas, que viviam em lugares distantes e até falavam outro idioma. Até então, isso não acontecia nem mesmo pelo 145, serviço telefônico do disque-amizade. E como não existia TV a cabo, para ouvir alguém de outro país, só mesmo sintonizando o rádio AM com um bombril na antena para captar programas da União Soviética ou da Alemanha. Minha irmã chegava em casa contando sobre as pessoas que havia conhecido via BITNET e aquilo era empolgante.

Quando eu entrei na faculdade, a BITNET já havia se tornado internet e os laboratórios de computação viviam repletos de alunos que, entre as impressões de um e outro trabalho, gostavam mesmo era de matar aula para conversar demoradamente nas virtuais salas de bate-papo, ou chats. Pensando bem, era uma cena surreal e patética: um monte de gente preferia conversar com suas respectivas telas a virar para o lado e puxar assunto com o colega.

Dos chats, a internet passou a ser usada como fonte de pesquisa, até que surgiram os blogs. E aí foi outra febre. Eu entrei nessa onda um pouco atrasada, mas ainda fiz parte da época áurea dos blogs ― na internet o tempo passa rápido, então dizer que participei da primeira geração de blogueiros tem o mesmo efeito de dizer que participei do panelaço pelas Diretas Já, em Brasília.

O legal dos blogs naquela época era que eles ainda não existiam em número astronômico, então os blogueiros tinham mais facilidade em se visitar uns aos outros e "conhecer" melhor o estilo e a produção escrita de cada um. Além disso, muitos mantinham blogs temáticos, o que ajudava a associar o nome à "marca" e divertia bastante os leitores. Todo mundo que participou de blogs lá pelos idos de 2001 deve se lembrar, por exemplo, do Caderno Mágico do Denis; do sarcófago do Matusalém Matusca, a múmia da internet; do Blog de Deus, hilário; do De que jeito?; e do Jesus me chicoteia, ativo até hoje.

Nessa época, eu mantinha a personagem da Caipira Atormentada e embora não tivesse nenhuma pretensão de angariar leitores, mas apenas cultivar o exercício da escrita, até que o contador de acessos chegou a registrar um número considerável.

O engraçado era que esses blogueiros acabaram formando uma rede que se comunicava tanto pelos posts dos blogs quanto pelas caixas de comentários de leitores. Era comum um post polêmico causar uma discussão que se arrastava por mais de 200 comentários, o que deixava lento o carregamento da página. Então, o Orkut surgiu e concentrou essa gente toda e outras pessoas que, até então, sequer usavam a internet. Tudo girava em torno de comunidades temáticas, fóruns de discussão e testimonials. A ideia era inovadora e não demorou para se tornar popular. Os blogs foram esvaziando e muitos fecharam por falta de motivação.

As discussões via Orkut até eram interessantes no início, mas depois começaram a descambar para a retórica vazia e idiotizante. É que, de repente, os usuários estavam mais preocupados em contabilizar o número de "amigos" e competir entre si pela suposta popularidade virtual. Além disso, a falha do Orkut era que não havia muito controle das páginas pessoais: qualquer um pode adicionar o outro e vasculhar suas mensagens. Por muito tempo, mantive perfil no Orkut sem o menor interesse. Protelei o "orkuticídio" ao máximo por insistência de amigos do mundo real que diziam ser mais fácil me encontrar na web. Eu devia ter interpretado essa afirmação como um sinal de que algo não ia bem. Mas não me dei conta disso na época.

Um dia, ouvi um sujeito em uma palestra dizer que não tinha Orkut. Isso era quase como dizer que não tinha televisão, ou celular. A plateia achou estranho, mas ele falou que não fazia falta, que vivia bem sem o Orkut e que podia ser encontrado na vida real através dos trabalhos que realizava na universidade em que trabalhava. Na boca do outro, as coisas sempre parecem mais simples e aquelas palavras, para mim, soaram leves como a promessa das asas da liberdade. No mesmo dia, cometi o orkuticídio e dei um basta naquilo que, às vezes, me fazia sentir como se possuísse um chip sob a pele ou como se fosse rastreada por satélite.

Por um bom tempo, fui resistente aos convites de outras redes sociais, mas acabei me rendendo ao Facebook e ao odioso Twitter. O primeiro é um Orkut melhorado, já que a gente tem mais controle sobre os próprios dados, sobre quem nos adiciona e sobre nossa página pessoal. Já o segundo é o "muro das lamentações" da internet. Apesar do potencial de divulgação de informações úteis em tempo real, o que se vê ali, geralmente, é um festival de reclamações e notas mal-humoradas em 140 caracteres, atualizadas de segundo a segundo. Em menos de dez dias de uso, eu já havia cometido o "twitticídio". Depois ressucitei por insistência de amigos. Mas a cada dia tem sido mais difícil e broxante acompanhar aquelas frases chatas, procurando uma pérola em meio a tanta inutilidade. É bem verdade que, vez por outra, a gente acaba achando, mas o preço tem sido alto.

Penso cá comigo se devo sair de vez desse Twitter ou se devo dar mais uma chance, limando todo mundo cujos comentários irritam ou entediam ― e olha que nessa leva iriam pelo ralo muitos conhecidos e amigos. Outra saída seria criar outro perfil para manter só aqueles que falam coisas interessantes, mas isso daria um trabalho dobrado para manter essa vida virtual da qual ando me cansando.

O fato é que a internet tem perdido a graça. Não sei se é o Twitter, não sei se são as notícias do Uol e do Yahoo!, não sei se são os blogueiros que envelheceram ― ou que não cresceram. Não sei se o mundo ficou mais cinza depois que o Michael Jackson partiu, levando consigo o moonwalk ― o que será de nós sem o moonwalk? Pode ser tudo isso. Pode não ser nada disso. Vai ver sou eu que finalmente resolvi desligar esse computador e ir regar as plantas.

Pilar Fazito
Belo Horizonte, 6/7/2009

 

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