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Terça-feira, 7/7/2009 Michael Jackson, destinado ao eterno Jardel Dias Cavalcanti A notícia da morte de Michael Jackson caiu como uma bomba sobre a cabeça de seus milhares de admiradores. Preparando-se para uma nova turnê de aproximadamente 50 shows que realizaria na Inglaterra, é inacreditável que ele parta justamente quando retomava a cena depois de vários anos longe dos palcos. Michael Jackson está morto: a imprensa do mundo todo não consegue falar de outra coisa. O fato é elevado à categoria de tragédia. E é mesmo uma grande tragédia a inusitada morte, aos 50 anos, do mais genial e amado músico pop do planeta. Lágrimas, desespero, susto, angústia e, mais que tudo, descrença: são os sentimentos causados pela perda de Michael Jackson. Sentimentos justificados, dada a dimensão que o cantor ocupa na vida dos amantes da música pop e sua importância no meio musical que revolucionou. "Eu sempre quis ser capaz de contar histórias que venham da alma. Gostaria de sentar em volta da fogueira e contar histórias para as pessoas ― fazer com que vejam imagens, fazê-las chorar e rir, levá-las emocionalmente a qualquer lugar. Sempre quis possuir essa habilidade. Sem roupas, sem maquiagem, sem nada, apenas você e sua voz, capaz de conduzi-los a qualquer parte e transformar-lhes as vidas, mesmo que seja por alguns minutos." Essas palavras de Michael Jackson resumem o que ele desejou e acabou alcançando. No palco, Michael Jackson geralmente ficava frente a frente com pelo menos 50.000 fâs que gritavam ininterruptamente, levados às lágrimas e ao desespero, todos querendo tocá-lo como se ele fosse um deus. O corpo frágil dançava na intensidade da música, sua voz aguda e exuberante entoava notas perfeitas. Entre o astro e o público corria sempre uma energia elétrica tão poderosa que se tornava quase visível. Para que essa afetividade pudesse existir, Michael trabalhava com disciplina e dedicação notáveis na produção de suas músicas. Essa qualidade foi registrada, por exemplo, por Quincy Jones, que produziu o álbum Thriller, vendo o cantor no estúdio de gravação dar o melhor de si e exigir de todos ao redor que dessem também o seu melhor, num infatigável trabalho de fazer e refazer cada nota das músicas que eram gravadas. Michael sempre trabalhou duramente para enquadrar seus discos nos elevados padrões que impôs a si mesmo. Seu comportamento profissional jamais teve algo de infantil ou acidental. Era completamente devotado ao trabalho, entregando-se de corpo e alma aos seus projetos. Grande criador de letras, foi também um grande criador de imagens e narrativas. Todos os cineastas que trabalharam com ele, seja Spike Lee ou Martin Scorsese, relataram sua participação efetiva na criação de seus vídeos. Michael Jackson criou, para a música "Thriller", o mais famoso videoclipe da história do pop, que é um verdadeiro curta-metragem, talvez o mais dispendioso da história, mobilizando 20 artistas, 18 bailarinos profissionais e o diretor de cinema John Landis. Com perspicácia comercial, foi o primeiro a vender para a MTV um videoclipe e o The Making of Thriller para a TV a cabo. O "rei do pop" sempre teve propósitos claros para sua carreira artística. Tinha plena consciência de sua capacidade de comover até ao êxtase, sabia da dádiva que era ter uma voz capaz de atingir profundamente a alma das pessoas. E quem consegue ficar sem se emocionar diante da delicadeza quase feminina de sua voz? Acrescente-se a isso a capacidade de se entregar à dança, sendo notável seu envolvimento total com o que faz. Diferente dos passos mecânicos, ensaiados à exaustão pelos bailarinos de Madonna e por ela mesma, Michael Jackson desde a mais tenra infância dançava com uma naturalidade e inventividade únicas e isso ficava visível a todos que o assistiam fascinados. Observar imitadores de Michael Jackson dançando é doloroso, dada a grande distância entre o criador e seus imitadores (que merecem ser louvados pela homenagem sincera que fazem ao mestre). Há um preço a se pagar pela genialidade. Doar-se plenamente a uma existência artística acaba por afastar o artista do convívio humano tradicional. Sabemos das várias relações fracassadas que os artistas mantêm com as pessoas, que em geral não suportam o mergulho da mente criativa na criação. Esse mergulho exige do artista um tempo próprio, diferente do tempo das vidas comuns, e gera a consequente diferença existencial que impede relações humanas tradicionais. Por isso, Michael jamais foi uma aberração, como dizem os mal-informados, apenas existia num registro diferente do das pessoas normais com suas vidas prá lá de conformadas. Inclusive, creio eu, essa vida como obra de arte é o que incomodava as pessoas comuns que transformavam as opções de Michael em fofoquinha de frustrados. Caetano Veloso, que gravou "Billie Jean", uma das mais famosas músicas de Michael Jackson, comentou a morte do rei do pop com a seguinte observação: "Os talentos artísticos extraordinários frequentemente coincidem com vidas torturadas e enigmáticas. Michael era um desses talentos imensos". Anos antes, Caetano já sintetizara sua admiração pelo cantor: "Tudo em Michael Jackson é feito de matéria pop: sua grande música, sua grande dança, sua vida mínima. Em nossos dias só ele tem a mesma carga de popismo de Marilyn ou Elvis ou Elizabeth Taylor. Perto dele, Madonna parece uma mera teórica." Para Michael, era seu trabalho que importava, antes de tudo e apesar de tudo. Quando perguntado sobre por que demorou 5 anos para fazer seu álbum Bad, Michael respondeu que "o trabalho deveria ser tão próximo da perfeição quanto fosse humanamente possível". Foi assim que o cantor sempre se relacionou com a matéria mais importante de sua vida: sua arte. O resto, era performance, transformação de todos os seus gestos em arte. Um dia antes de morrer, Michael visitou uma loja de brinquedo, talvez em busca de presentes para seus filhos Michael Jackson Jr., Prince e Paris, mas só comprou livros sobre pintura renascentista. Talvez seja isso que ele queria fazer em tudo, inclusive no seu próprio corpo, atingir aquela beleza ideal que o renascimento procurou, mas que só a arte pode proporcionar, pois a natureza não é mais que um rascunho diante da genialidade dos grandes artistas. Cada um de nós está com o coração partido, já que cada vez que um grande artista morre o mundo deixa de ser reinventado. Ficamos imaginando quantas novas melodias embalariam nossos sonhos, seriam fundo para nossos amores, se acomodariam à nossa solidão, ampliariam nossa sensibilidade, e, com a morte de Michael Jackson, elas deixaram de vir à vida. Estamos mais pobres, pois perdemos uma riqueza que deixou de existir e perdemos outras riquezas que viriam a existir. Michael Jackson nasceu para ser eterno, e agora, mais do que nunca, cumpriu-se seu destino. Nota do Editor Leia também: "Michael Jackson: a lenda viva". Jardel Dias Cavalcanti |
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