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Quarta-feira, 1/7/2009
Jornalismo domina Feira do Livro de Ribeirão
Luiz Rebinski Junior

A programação do último fim de semana da 9ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, realizada de 18 a 28 de junho, endossou o crescente interesse, do mercado editorial e do público brasileiro, pela chamada literatura de não-ficção. Em um momento de contestação do trabalho jornalístico, autores que misturam a técnica investigativa da boa reportagem com recursos literários atraem cada vez mais a atenção do público.

Se a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) este ano tem Gay Talese, o grande nome do new journalism, pela cidade do interior paulista pisaram alguns dos melhores repórteres, que carregam no nome o status de autor, do país. De José Hamilton Ribeiro (nosso homem no Vietnã) a Fernando Morais (biógrafo sempre à procura da polêmica perfeita), passando por Zuenir Ventura (totem do jornalismo de ideias), a Feira de Ribeirão, com uma mescla inteligente de shows populares e eventos culturais, atraiu quase 400 mil pessoas (em uma cidade de 600 mil habitantes) para ver, ouvir e sentir literatura.


Zuenir Ventura no Salão de Idéias

É claro que nossa literatura não vive apenas de jornalistas com veleidades literárias. Representando a boa prosa, estiveram por lá Milton Hatoum, Cristovão Tezza, Márcio Souza, Marçal Aquino, Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony e Marcelo Rubens Paiva, entre outros. Um time da pesada de escritores já clássicos. Clássicos até demais. A lacuna na programação ficou por conta da nova geração de autores, desprezada pela organização. Dos rostos mais novos da nossa literatura, só se viu por lá Marcelo Mirisola, Michel Laub e Lourenço Mutarelli, que os mais ligados ao hype literário não chamariam de "novos".

Mas no último fim de semana do evento, quando este repórter sujou os sapatos na terra avermelhada de Ribeirão (eu pensava que esse tipo de piso era exclusividade do norte paranaense!), o assunto girou mesmo em torno das grandes reportagens, da relação do escritor/jornalista com seus personagens/fontes e, claro, do fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo.

Fernando Morais, em uma conversa no saguão do hotel, explicava-me como será o Projeto de Lei que vai assegurar o direito de qualquer cidadão, desde que o faça com respeito e método, de escrever sobre a vida de pessoas públicas. Chamada de "Lei das Biografias", o projeto tramita no Congresso Nacional e aguarda para ser votado pela Câmara de Deputados. Autor da biografia de Paulo Coelho, O mago, Morais, assim como outros biógrafos de peso, como Ruy Castro, teve um de seus trabalhos, Na toca dos Leões, proibido de circular a pedido de um deputado, citado na obra. Posteriormente o livro foi liberado. "Na época, fui impedido até mesmo de falar sobre o livro, sob pena de pagar R$ 5 mil toda vez que abrisse a boca", relembrou Morais indignado.


Fernando Morais

Já Guilherme Fiuza saciou a curiosidade de uma plateia que lotou os cinemas para ver um filme recheado de atores globais, mas que não havia lido o livro, Meu nome não é Johnny, em que a história foi originalmente contada. Em uma rápida enquete, em um salão lotado, o mediador do papo, o veterano jornalista Afonso Quartim de Morais, constatou aquilo que era fácil de constatar: as pessoas vão mais ao cinema do que leem ou compram livros (apenas duas pessoas no auditório tinham lido a obra). O que Fiuza achou normal, "pois isso não é um fenômeno apenas brasileiro", disse. Seu livro, que antes de virar filme já tinha uma carreira respeitável, para os nossos padrões, nas livrarias, com 10 mil exemplares vendidos, consolidou-se como best-seller depois que Selton Mello e Cléo Pires estrelaram Meu nome não é Johnny no cinema. Depois do filme, o livro vendeu outros 25 mil exemplares, já com os atores na capa, claro.

Jornalista oriundo da mídia impressa (trabalhou no Jornal do Brasil e n'O Globo), Fiuza revelou que, para fazer o livro, sua experiência como repórter investigativo e o traquejo para contar histórias, aprendido nas redações, foram essenciais. Um dos editores do site NoMínimo, que fez história na internet brasileira, o jornalista afirmou que a experiência na Web mostrou que não existe uma "linguagem da internet". "Isso não existe. As pessoas nos perguntavam 'e aí, qual vai ser a linguagem do site?'. A linguagem do jornalismo, do bom jornalismo, era o que respondíamos".

Horas depois, Marcelo Rubens Paiva, também jornalista, respondia insistentes perguntas que associavam sua literatura ao trabalho jornalístico. Sobre o diploma, assunto que permeou grande parte das discussões, Paiva fez duras críticas às faculdades de jornalismo e disse que jornalismo se aprende nas redações. "Na USP, onde estudei, não aprendi absolutamente nada de jornalismo. Nem pauta eu sabia o que era. Só fui conhecer a profissão nos lugares onde trabalhei, na Folha de S. Paulo, na TV Cultura etc.". Sobrou até para os professores de escolas de jornalismo. "No jornalismo, os melhores profissionais estão nas redações, não nas universidades. Na USP, quando estudei lá, meus professores eram todos acadêmicos que nunca entraram em uma redação".

Mas teve quem não gostou do domínio de temas jornalísticos nas mesas da Feira. Marcelo Mirisola, por exemplo, disse pouco se importar se o diploma é obrigatório ou não. Mas criticou a intromissão, na literatura, de jornalistas "que se dizem escritores". "Há muito jornalista que escreve biografia ou livro-reportagem e que se diz escritor. Essa ânsia por pesquisa está atrapalhando a literatura. O autor precisa viver, não pesquisar". Entre os jornalistas que não considera escritores, Ruy Castro foi o mais citado. "Em O anjo pornográfico, o Ruy Castro compra todas as versões do Nelson Rodrigues". Sobre sua literatura, Mirisola disse se orgulhar do fato de seus leitores confundirem, em seus romances e contos, o escritor e o personagem. "Se consegui botar essa dúvida no leitor, já me sinto satisfeito".

Com mais de 100 autores presentes em dez dias de evento, a Feira do Livro de Ribeirão conseguiu alcançar seu objetivo: tornar-se um evento nacional. O principal palco dos escritores, o Salão de Idéias, mesmo que tenha pecado pela falta de foco nos bate-papos, conseguiu suscitar boas discussões, botando o combalido jornalismo nacional no primeiro plano de um evento literário.

Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 1/7/2009

 

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