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Sexta-feira, 14/8/2009 Vou tentar não ser piegas para falar de amigos Ana Elisa Ribeiro Dia desses foi Dia do Amigo. Só descobri porque recebi mensagens de celebração. Enrubesci porque eu não sabia. A sensação de vergonha cedeu e deu lugar a um conforto muito grande. Mesmo que isso seja apenas uma "gracinha" (e nem acho que seja), duas pessoas se preocuparam em enviar mensagens para mim. Duas pessoas. Na verdade, três, porque um dos remetentes era um casal. E nem me interessa se as mensagens foram "gerais" ou não. Interessa que estive nas listas de duas pessoas. E preciso dar o braço a torcer: não enviei mensagem a ninguém. O casal amigo enviou um torpedo. Feliz Dia do Amigo. Meu coração teve um sobressalto bom. Eu estava muito longe de casa, em terra estranha, comendo mal e dormindo fora de hora, com saudades da minha cama e do meu travesseiro, quando o celular vibra, depois de um longo silêncio. Os amigos queriam me abraçar à distância ou expor seu apreço por mim. Minha resposta imediata foi um sorriso aberto, alienado, gostoso. Os olhos se afogaram um pouco. Não pude responder pá pum porque ficaria muito caro, mas arremessei meus agradecimentos pelo ar, pensei muito nos meus amigos, desejei muitas coisas boas a eles e guardei a mensagem. Quando cheguei em casa, corri ao e-mail e enviei logo um agradecimento efusivo, embora conciso. De outro lado, minha amiga de infância (de infância mesmo, da vida inteira) mandou uma mensagem por e-mail para lembrar dos amigos. Fiquei feliz também. Naquela mesma semana, tive a rara oportunidade de falar com ela sem pagar interurbano. Não conseguiríamos nos encontrar pessoalmente, mas foi reconfortante falar-lhe ao telefone de tão perto, com tempo, trazendo à tona nossas vidas atuais e nossos planos para o futuro próximo. O Dia do Amigo misturou-se às mensagens e à minha saudade e virou uma salada de coisas infinitamente valiosas. Dessas que a gente custa a perceber. E tem sido um exercício diário (aeróbico, quase) tentar expressar às pessoas que realmente interessam o meu apreço por elas. Não é fácil, não é rápido. E não que a gente não queira, mas é que a gente não se dá conta. É ignorância, desinvenção. Infelicidade. Naquela mesma tarde, reencontrei, pelos corredores de uma escola, vários ex-professores e colegas de profissão. Uma delas, muito alegre, me veio contar que conhecia minha amiga (a mesma do telefonema) de outros Carnavais, que coincidência boa, quanta coisa a dizer, que pessoa boa, que figura ótima. E mais uma professora se juntou à roda para dizer que também conhecia minha amiga. De repente, minha memória foi lá no baú dos meus melhores dias e buscou uma reminiscência muito delicada. Eu e minha amiga morávamos lado a lado, em casas grandes, ainda com muros baixos. No meu quintal havia cães e grama, além de uma pequena piscina de lona. No quintal dela havia grama e uma pintangueira carregadinha. Os muros que separavam nossos lotes se desencontravam em algum ponto e ali havia uma fresta. E era assim: a gente subia na pia do banheiro, assobiava de um jeito especial, corria para o buraco do muro, sentava de perna cruzada e batia papo até a mãe chamar. Era isso a nossa primeira infância, quando o assobio ainda não podia chamar para a rua. Minha amiga não sabe, mas há pouco tempo resolvi enfeitar de verde a frente da minha casa, além de atender às normas da Prefeitura. Plantei grama, arbustos, bambus, beijinhos, crótons e achei que ainda faltava uma árvore. Fui à flora, andei, andei, pedi informações e escolhi: uma pitangueira jovem. E ela cresce lentamente, com pitanguinhas que ameaçam vingar. O casal de amigos quer ter um bebê. Ficam esperando a melhor hora, o momento menos complicado, um esquema mais confortável, mas nunca dá. A gente fica tão preocupado em planejar tudo que se esquece de deixar espaço para os de repentes. Esse bebê já entrou na minha lista de amigos, mas eles precisam saber que minha falta de mensagens não quer dizer grande coisa. Essas três ou quatro pessoas a quem eu enviaria mensagens carinhosas estão sempre em minha mira, naquelas lembranças mais suaves. Nem sempre eu fui legal com elas, nem sempre fui carinhosa, nem sempre consegui enxergar que sofriam ou que estavam frágeis. Quantas vezes falei sem parar e nem perguntei "e você?". É desses arrependimentos que não quero padecer. As frestas no muro são, hoje, apenas imagens de algo que estará sempre lá, para a gente poder conversar e contar segredos, todo dia. Ana Elisa Ribeiro |
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