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Quinta-feira, 30/7/2009 Meu eu escritora Taís Kerche Eis aqui um exercício de metalinguagem. Escrever sobre o ato de escrever. O meu ato de escrever. Tão particular e tão íntimo. Pura introspecção cheia de prazer. O Word aberto, uma tela branca e os dedos no teclado. Tudo parece quieto, mas, na realidade, a mente está a mil por hora, procurando um começo, um meio e um fim. Coesões e coerências. De preferência em períodos curtos, leves, sonoros. Adjetivos, substantivos, vírgulas, sujeitos, conjugações verbais. Tudo isso pensado automaticamente, rapidamente, artisticamente. Mas nada se inicia sem os fones de ouvido que reproduzam alguma música estimulante, que combine com o astral do dia ou com o tema do texto. Sem eles não há jeito de encontrar o ritmo da escrita. Da música clássica, passando pela bossa nova, chegando num chorinho e, uma vez ou outra, até um rock, para estimular algum lado meu um pouco mais agressivo. Só depois de colocados é que a mente se liberta para dedilhar no teclado as primeiras frases das primeiras ideias que vão surgindo aos poucos. Sinto que a música tem o poder de isolar a minha mente do mundo externo. E o mundo das ideias vai ganhando espaço no mundo das letras. Mas, antes de colocar os fones, leio alguns textos. Na realidade, alguns trechos de textos. Principalmente dos meus. Este ato é uma forma de me reencontrar com o meu eu escritora. Afinal, desenvolvemos muitos "eus" nessa vida, e o escritora acaba perdido em algum canto, deixado de lado por alguns dias ou às vezes horas e, dependendo da fase, por meses. Ao reler meus textos, acabo o achando, o tiro do canto e o coloco na ativa, intensamente, mesmo que esteja em um dia preguiço ou em outro mais ansioso. O importante é tirá-lo da inércia. Também procuro ler alguns trechos de outros escritores a fim de buscar inspiração. Ao observar outros tipos de escrita, outras maneiras de abordagem de temas, acabo me entusiasmando com as possibilidades criativas e tento colocar a minha em prática. Não tenho nenhum escritor obrigatório, prefiro os cronistas e colunistas. Simpatizo com textos que abordem temas do cotidiano com uma linguagem leve e despretensiosa. Que me inspirem a olhar para o meu dia a dia e ver nele prosa e poesia. E assim tentar colocar um pouco de literatura nos meus textos. São tópicos de parágrafos, desenvolvimentos, releituras diversas. E o texto vai surgindo na tela do computador. Não me imagino escrevendo numa máquina, como faziam antigamente. E olha que esse antigamente não é tão antigamente assim. Num parágrafo só, são tantas as mudanças, tantos os períodos feitos e desfeitos, tantas as ideias rejeitadas, outras aceitas e lapidadas que eu gastaria algumas centenas de celulose para escrever os caracteres exigidos para uma coluna. O texto se desgastaria em minha mente de tanto relê-lo. Acúmulo de lixo, gasto de fitas, dedos cansados. Tudo isso e texto nenhum. Vitoriosos são os escritores que a tinham como único recurso. Hoje, basta um backspace, uma mudança de cursor ou um selecionar e deletar que tudo pode ser rearranjado, reescrito, repensado. Parágrafos mudam de lugar sem problema algum. Adjetivos surgem e desaparecem num piscar de olhos. E ao mesmo tempo em que me encanto com as facilidades, penso em como serão as exposições literárias daqui a algum tempo. Que tipo de museu teremos? Vira e mexe vamos a lugares onde estão expostos manuscritos de Guimarães Rosa, Machado de Assis, Clarice Lispector e outros. Rasuras, recortes, rearranjos textuais são identificados e com eles a possibilidade de tentar imaginar como era o raciocínio daquele escritor. As ricas edições e apontamentos de cada um. Os escritores pós-Windows não terão isso, talvez só aqueles mais conservadores. Pelo pouco que sei de informática, os computadores não deixam resquícios e neles editamos o tempo todo e deletamos tudo se for preciso. Dessa forma, sou editora de mim mesma. Um dos meus hábitos é deixar o texto descansar por um ou dois dias. Ele fica lá, quieto, guardado, supostamente pronto. Passado o vício da leitura, o retomo. Releio e acrescento aqui, apago dali, desenvolvo um pouco mais acolá. Até sentir que, sim, vale a pena soltá-lo no mundo. Mesmo que o resultado não tenha sido o que o meu eu escritora esperava. Talvez o meu eu assistente administrativo tenha gostado, mas o meu eu escritora é autocrítico demais para gostar completamente. Ele se lembra que há sempre algo a melhorar, mas que isso vem com o tempo e com o exercício da escrita. No meio dessa confluência verbal, às vezes se faz necessário alguns goles de café com leite, minha bebida preferida. Gosto de tomá-la numa caneca, para mantê-la numa temperatura agradável. Se o texto for denso, trabalhoso, daí não há como não preparar algo para acompanhar. Torrada, pão francês, bisnaguinhas com requeijão, bolacha recheada, alguma fruta e, claro, chocolate. Afinal, sou mulher, e mulher adora chocolate. Já é um clichê. São opções alimentícias que variam conforme a despensa, o dia, o clima, o tema ou o prazo. É nesse contexto que o texto se faz. Um computador, uma escritora com fones de ouvido, uma caneca de café com leite à sua esquerda, algumas janelas do Word abertas com outros textos de sua autoria, mais outras da internet com textos de outros. O som gostoso do teclado, algumas paradas para mudança de cursor, outras para o copie e cole de parágrafos que insistem em mudar de lugar. E, claro, como um amigo inseparável, como um bichinho de estimação, o dicionário. Taís Kerche |
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