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Terça-feira, 1/9/2009
Cigarro, apenas um substituto da masturbação?
Jardel Dias Cavalcanti

Freud dizia que o cigarro é apenas o substituto da masturbação. Numa civilização repressora dos instintos sexuais, que prefere investir sua energia libidinal mais no trabalho que no prazer, o stress gerado pela ausência de uma satisfação plena criaria uma tensão que deveria ser sublimada de alguma forma.

A masturbação seria o calmante necessário para essa energia reprimida e acumulada dentro do corpo do homem impedido pelo "princípio da realidade" de ter tanto prazer quanto desejasse.

Mas como nossa cultura culpabiliza este ato solitário (mais barato e mais seguro que uma prostituta, mas menos prazeroso que o amor pago ou não pago), resta ao homem o estravazamento no vício (cigarro, drogas e bebida), na neurose ou na violência. Quem não consegue liberar a tensão de alguma forma, termina com um câncer inusitado (somatização) ou comendo feito um maluco (principalmente chocolate e gordura) e morrendo por doenças ligadas ao consumo destes alimentos.

O uso do cigarro seria uma das saídas mais decentes. O vício seria, portanto, apenas uma forma de se compensar instintos latentes que os costumes de um mundo civilizado empurram para as regiões misteriosas do inconsciente. A satisfação gerada pelo cigarro produz uma sensação de libertação desta tensão entre desejo e insatisfação. Essa sensação é similar ao relaxamento gerado pelo orgasmo.

Há explicações químicas para o prazer gerado pelo cigarro. Segundo a médica Paula Basinelli, "se fumar não fosse prazeroso, ninguém o faria. O fato é que o cigarro se firma cada vez mais como uma das drogas mais eficazes para combater a ansiedade e depressão, estados emocionais típicos do nosso estilo de vida". "A nicotina ativa neurotransmissores no cérebro responsáveis pela liberação de substâncias como a Dopamina e a Serotonina, que são poderosos antidepressivos", explica a cardiologista Jaqueline Scholz Issa, autora do livro Deixar de fumar ficou mais fácil. Para Basinelli, "a dupla Dopamina + Serotinina parece mesmo imbatível. A primeira dá sensação de alegria, felicidade e bem-estar. Já a Serotonina é um estimulante que dá coragem, bom humor e controla o apetite. Perfeito, não?".

Mas há questões que vão além da química. O cigarro tem um valor cultural que ultrapassa a leitura simplória do vício causado pela nicotina ou pela leitura freudiana da questão. Desde o glamour dos fumantes no cinema, quando o fumante de tabaco se eleva à condição existencial de uma personalidade psicológica intensa, até à ideia de um companheiro para a solidão, o cigarro ocupa nossas vidas há séculos fazendo parte de rituais sociais significativos para nossa convivência sócio-cultural.

Uma vez perguntaram a Freud por que ele fumava tantos charutos se sabia que o cigarro era apenas um substituto das frustrações. Ele respondeu peremptoriamente: "Às vezes, um cigarro é apenas um cigarro".

Sim, é possível, caro Sigmund. No vício ou uso do cigarro (pois há usuários, como eu, que não são viciados) há implicações de várias naturezas. Entre elas, uma que está sendo desrespeitada atualmente ao se colocar o fumante quase que na posição de um criminoso social: a liberdade do cidadão de fazer o que quiser com sua própria vida, dedicando-se a um prazer de livre escolha.

Junto a essa proibição, o controle sobre a propriedade privada dos bares, impedidos de permitirem o uso do cigarro (mesmo em fumódromos). Como alertou João Pereira Coutinho, no seu artigo publicado no caderno "Ilustrada" da Folha de São Paulo, do dia 18/08/09, "proibir o fumo em lugares fechados, como bares ou restaurantes, é um ataque à propriedade privada e à liberdade de cada proprietário decidir que tipo de clientes quer acolher no seu espaço. O mesmo raciocínio aplica-se aos clientes, impedidos de decidir livremente onde desejam ser acolhidos".

O que se deve garantir é o direito do cidadão em decidir que bar ele quer frequentar; se odeia cigarro, ele é livre para que procure um bar de não fumantes. Quem está desrespeitando a lei é o Estado, que deveria ser processado pelos donos de bares. Se o cigarro fosse um produto proibido, como a maconha o é, aí, sim, o Estado poderia impedir os bares de liberarem o fumo, mas sendo livre o uso de cigarro (e outros entorpecentes como o uísque, vodka, cerveja etc.) é incoerente a sua proibição em estabelecimentos particulares.

É incoerência dizer que o cigarro mata num país onde os índices de criminalidade são terríveis, onde a poluição ambiental e sonora e a química dos enlatados envenenam diariamente as células de nossos corpos tornando-os propensos, por isso, ao câncer. Mas... outro dado médico: viver em uma cidade poluída é mais arriscado que fumar um maço de cigarros por dia? Segundo o Dr. Alessandro Loiola: "Fique sabendo que o risco de câncer associado à poluição é 100 vezes menor que o risco trazido pelo cigarro. Largue este hábito maldito agora".

E o excesso de trabalho a que é submetido o trabalhador mal pago do terceiro mundo? Doenças na coluna, nas mãos, nas pernas, tensões do trânsito, alimentação pobre, lazer precário e noites mal dormidas (em São Paulo, para se chegar ao trabalho a classe pobre e média acorda às 5 da manhã e chega em casa às 9 da noite ― perde-se quatro horas da vida dentro de ônibus lotados, que não andam, às vezes tendo-se de fazer o trajeto de pé). Consequência: morte tão lenta quanto a causada pelo cigarro.

Se pensarmos em termos freudianos, o cigarro, como a prostituta, tem uma função social bem positiva. Se a prostituição fosse proibida, com certeza o número de estupros aumentaria substancialmente. Com a proibição ao cigarro o nervosismo vai subir, pois está se criando uma espécie de proibição moral ao se demonizar o fumante. A culpa gerada pelo fato de se ser usuário do pequeno cilindro de fumo e fumaça vai levar muitas pessoas a abandonarem o vício e o grau de stress vai explodir em vários lugares como consequência disso.

Quantos casamentos, quantas amizades, quantas relações empregado-empregador continuam a existir apenas porque se pode acender um cigarro e pensar dez vezes antes de se explodir com alguém?

Mallarmé dizia que entre ele e o mundo deveria existir uma leve cortina de fumaça, esta produzida pelo charuto que sempre carregava e que pode ser visto no seu belo retrato pintado por Manet. Talvez o primeiro retrato existencialista da história. Nessa afirmação do poeta francês está implícita também uma concepção de poesia e arte apenas como sugestão, como a imagem das coisas tornadas indefinidas por causa da fumaça do cigarro.

Eu tenho uma amiga, Vreni Widmer, que se mudou da Suíça para o Brasil, que sempre acende um cigarro, apenas um, no fim do dia, reservando esse momento ritual para repensar a vida diariamente. O cigarro sendo o elemento que faz sua ligação com as correntes subterrâneas do seu ser.

Já outra querida amiga, que é cantora, a Marie Irene, tem sentido como positiva a ausência de fumo nos bares em que ela canta, pois sua voz melhorou significativamente e está livre daquele cheiro horrível de cigarro que fica encrustrado na roupa de quem frequenta ambientes com fumantes.

Eu sou um fumante irregular. Se estou em um bar bebendo posso acender um cigarro e fazer dele uma companhia agradável, que aumenta meu prazer e relaxamento nesse raro momento de lazer. Se me sento para escrever e me sinto bloqueado, um cigarro pode ser o disparador das frases que sucessivamente vão acontecer em seguida. Também posso ficar meses sem fumar, como agora, sem o mínimo incômodo.

Não me irrito com a presença de fumantes em bares, restaurantes, reuniões. Ao contrário, a presença do cigarro dá um charme ao ambiente e a quem estiver fumando. Sempre deixo cigarros e charutos em casa para visitas poderem se deliciar com o prazer do fumo.

No entanto, o beijo feminino cheirando a cigarro me incomoda um pouco. Não vejo sentido no uso do cigarro numa ocasião tão especial como o encontro amoroso. O cigarro impede a absorção do cheiro natural da pele, elemento que aguça nossa sensibilidade erótica. Também me causa estranheza o prazer do cigarro após o ato amoroso, já que deveríamos estar bastante relaxados. Para algumas pessoas, o cigarro pós-ato é um ampliador do prazer que se acabou de ter; para outros, o cigarro antes da relação seria uma espécie de calmante para se entrar de forma segura na aventura das trocas afetivo-sexuais. A cada um seu prazer e sua dor.

Eu tive uma namorada que fumava bastante e o quanto isso era charmoso é indescritível. Que classe a menina tinha ao portar um cigarro na mão e levá-lo à boca! Essa imagem vale por todos os prazeres que se pode ter. Como a imagem de uma grande obra de arte, esta imagem não abandonará nunca a minha mente.

Mas o charme não é comum a todos os fumantes. Há aqueles que nem conseguem segurar direito o cigarro e o tragam de uma forma tão nervosa e desajeitada que o tornam o gesto de fumar insignificante. O fumante charmoso é aquele que leva o cigarro à boca e o traga como se estivesse tendo uma grande ideia ou movendo o universo no seu gesto.

O ex-fumante é um chato, mas não deixa de ser também um sujeito que teve uma melhoria significativa da saúde. Segundo pesquisas médicas, ao se largar o cigarro em poucos dias nota-se uma melhora do paladar, da tosse, da capacidade física, do olfato, da potência sexual e da autoestima. Em seis meses melhora-se a circulação sanguínea e o risco de infecções respiratórias. Em um ano cai 50% o risco de morte por problemas vasculares. Em dez anos reduz-se o risco de morte por câncer pulmonar.

As doenças geradas pelo cigarro são apenas o sinal da vingança do corpo contra o espírito liberto pela tragada do cigarro. Sendo sublime e terrível, segundo uma famosa frase do escritor Oscar Wilde, "o cigarro é a forma perfeita de prazer: elegante e jamais satisfaz".

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 1/9/2009

 

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