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Segunda-feira, 7/9/2009 As urbes e o pichador romântico Pilar Fazito Acho que antes de Eça de Queirós escrever A cidade e as serras, o tema campo versus cidade já deveria estar presente em todas as rodinhas sociais - dos intervalos de ópera, regados a casacas e charutos, aos convescotes em que mocinhas virginais exibiam seus vestidos róseos de tafetá. Sei lá... Vai ver que antes disso, talvez bem antes, Roma deve ter sido considerada uma megalópole em relação às aldeiazinhas espalhadas pelas planícies italianas. Roma, the big city. Roma, a grande urbe, com todos aqueles aquedutos, as enormes construções, os grandes anfiteatros e o senado. Bem, o senado é um caso à parte, e se nos debruçarmos sobre esse assunto vamos acabar considerando que as querelas romanas, ao menos, eram mais originais do que as de Brasília. Mas voltemos à vaca fria... Se a cidade é melhor ou pior do que as serras eu não sei. Mas um fato é incontestável: cidades grandes costumam fazer com que as pessoas entrem num ritmo mais rápido e intenso, um tempo diferente daquele de quem vive em lugares mais pacatos. Cidades grandes fazem com que as pessoas corram de um lado para o outro, preocupadas com a própria sobrevivência diária e acabem cegas em relação àqueles sentimentos que recheiam a lista de substantivos abstratos das aulas de gramática. Depois de um ano imerso no estilo de vida de uma megalópole, a gente passa a achar que solidariedade, inocência, paz, alegria, tranquilidade e outra série de termos parecidos não passam de clichês tirados de um filme romântico B, ou dos livros de cabeceira da Miss Universo, seja Pollyanna ou O pequeno príncipe. A situação, aliás, é ainda mais bizarra: a gente passa a ter vergonha de dizer que acredita no amor. Ao menos essa foi a impressão que tive após passar um tempo trabalhando em São Paulo. Tá aí uma cidade de que gosto. Eu poderia passar a semana inteira sentada no meio-fio da Avenida Paulista ou em qualquer estação de metrô, bater perna na Liberdade, despingolar no Jabaquera atrás de um sebo qualquer, flanar pela Vila Mariana, inspecionar cada prateleira da Livraria Cultura, ouvir concertos dominicais na Osesp ou dar comida aos pássaros no Ibirapuera. São Paulo é uma cidade que tem tanta coisa para ser vista, ouvida, lida e aproveitada que, para mim, parece insano o fato de os paulistanos não terem tempo para degustar a própria cidade. Mais insano ainda me pareceu o estilo de vida que muita gente leva ali. É o famoso métro-boulot-dodo francês que, traduzido, seria algo como metrô-trampo-"mimir". Não que em Belo Horizonte a gente não se entregue, vez por outra, a esse tipo de automatismo contemporâneo - BH também é uma grande cidade se comparada a muitas outras e não estamos livres disso. Sei que comparações não ajudam em nada, mas ainda assim elas são inevitáveis; e a questão é que, depois de conviver com paulistanos in natura, acompanhar seu cotidiano e observar seu desenvolvimento in loco, tive a impressão de que as pessoas que vivem ali sofrem de um mal terrível: a descrença coletiva. Talvez eu estivesse frequentando um meio muito particular: o de jovens na casa dos 30, empenhados em progredir profissionalmente, formar patrimônio e consolidar o próprio nome. O fato é que, em diversas ocasiões, me senti meio pateta, até um pouco "caipira" - no sentido pejorativo do termo, para a infelicidade de quem não conhece o mundo caipira - ao falar de amor. Em círculos e grupos distintos, minha espontaneidade foi minguando enquanto ouvia meus interlocutores parolarem com augusta distinção sobre a condição humana e a inexistência do amor. Para não caírem na falta de modos, retribuíram-me com um cordial e piedoso "ingênua". Só faltou o tapinha sobre o cocoruto. Pois eu fiquei com isso na cabeça por um tempo. Quer dizer que o amor seria tal qual Papai Noel, o Coelho da Páscoa e a gorda aposentadoria? Ou seja, não existem? Como todo mineiro é mesmo desconfiado, comecei a desconfiar dos meus interlocutores. Todos estavam na mesma condição solitária. Mais do que solteiros, estavam sozinhos. E com uma ponta de mágoa em seus discursos; algo como "o amor tem que me provar que ele existe". O que não faz a coerção social? Apesar de desconfiada, eu mesma já estava entregando os pontos e me achando uma tolinha, até então. Minha passagem por São Paulo estava me deixando uma pessoa mais triste nesse sentido; até que passei por um muro na Vila Mariana e fui salva pelo pichador romântico. Em meio ao caos urbano, uma singela interjeição me restituiu, em dose única, toda a capacidade de sonhar, de acreditar em anjos, fadas e pirilampos. Não é engraçado que logo na cidade dos descrentes alguém se lembre de lembrá-los sobre a importância do amor? Pois eu concordo com o pichador romântico. O amor é mesmo importante. Aliás, importantíssimo; deixar de acreditar no amor é algo muito sério e nocivo para todos e, principalmente, para um artista, porque, simplesmente, ele deixa de criar, de produzir, de inspirar os outros, de respirar. O mundo fica mais cinza, mais triste e entediante. Desconheço o nível de descrença dos romanos medianos, mas posso afirmar que todo o legado artístico deixado pela cidade que escreve AMOR ao contrário só se tornou possível graças a esses históricos "ingênuos". Quanto ao pichador romântico de São Paulo, mais do que uma lenda urbana é alguém que teve a coragem de nadar contra a maré. Normalmente, sou contra pichações. Mas essa até que me fez um bem danado. Só posso agradecer a esse super-herói dos tempos atuais e gritar a plenos pulmões: "o amor é importante, porra!". Pilar Fazito |
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