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Terça-feira, 20/10/2009 DVDteca Arte na Escola: uma luz no fim do túnel Jardel Dias Cavalcanti O acesso à arte e ao conhecimento relativo a ela é ainda raro no Brasil. Pode-se dizer que é quase impossível. Bons museus existem apenas nas grandes cidades, exposições internacionais são raras, livros são caríssimos por causa das suas ilustrações coloridas. E mesmo um conhecimento especializado tem ainda engatinhado, se comparado ao produzido na Europa e Estados Unidos. Salvo o acesso à internet, muitas vezes uma ferramenta simplificadora do saber, de que outra forma um professor de artes (ou educação artística) pode adquirir um conhecimento de qualidade? Se pensarmos em professores da rede pública, a situação chega a ser calamitosa. Com o salário desumano que o Estado lhes paga (forçando-os a ter uma dupla jornada de trabalho para sobreviver, roubando-lhes o tempo que deveria ser usado para estudar) como comprar livros, pagar viagens para a visitação a exposições, comprar catálogos nessas mesmas exposições ou sair do país em busca de uma cultura mais ampla? No que diz respeito especificamente à história e à prática da arte brasileira a situação piora, pois não temos museus espalhados pelas cidades do interior que preservem e divulguem a nossa arte (geralmente guardada a sete chaves em coleções particulares), cursos de graduação em história da arte são raros (impossibilitando um maior número de pesquisas críticas de qualidade sobre nossa arte), e as publicações são mínimas. Dentro desse quadro pessimista, eis que brilha uma luz no fim do túnel. O Instituto Arte na Escola tem produzido em DVD um material de primeira grandeza sobre arte brasileira, englobando uma perspectiva metodológica a um conhecimento de alta qualidade. Um esforço louvável que deveria ser apoiado por todas as instituições interessadas na educação escolar e na ampliação da sensibilidade do povo brasileiro. A qualidade do material organizado nos DVDs Arte na Escola é inquestionável: trata-se de um momento raro do encontro entre uma estratégia pedagógico-educacional e um conjunto de conhecimentos de nível altíssimo produzido para facilitar o acesso dos professores e alunos ao mundo da arte, principalmente a arte brasileira, seja ela do passado (caso do vídeo sobre Aleijadinho, por exemplo,) ou contemporânea (caso do vídeo sobre Leonilson, Mira Schendel ou sobre Arte Conceitual). Distribuído junto aos DVDs (que comentaremos abaixo), o Arte na Escola publica um caderno-libreto com uma metodologia de ensino baseada na ideia do professor propositor, aquele que não é indiferente à tarefa do ensino nem autoritário quanto aos caminhos que a educação artística deve tomar. Baseado no conceito de "rizoma", que "se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga" (Deleuze-Guatarri), o libreto traz um mapa potencial de estratégias bastante ousadas para o uso didático dos DVDs. Partindo dos conceitos de "arte e cultura", passa-se ao "processo de criação", "materialidade", "mediação cultural", "linguagens artísticas", "saberes estéticos e culturais" e "patrimônio cultural". A partir dessas linhas mestras, que funcionam em total liberdade de encontro e desencontro, anexam-se ainda questões relativas a relação público-obra, suportes, sistemas simbólicos, procedimentos técnicos, memória, ação criadora, história, sociologia e estética da arte. Além deste mapa riquíssimo em sugestões de entradas para se conhecer a arte, o libreto retoma as questões desenvolvidas no interior de cada DVD, a partir do mapa, com uma ficha técnica com informações sobre temas e artistas abordados, uma sinopse do conteúdo, o debate teórico muito bem amparado em bibliografia especializada sobre as questões que ele trata, propondo, ainda, um conhecimento a partir da pesquisa dos próprios alunos, que são levados à empreenderem sua própria poética, criando portfolios que não só são um relato do conhecimento adquirido, mas uma proposição estética do próprio aluno. Dois outros elementos importantes são agregados aos DVDs: um glossário e uma bibliografia especializada no tema que os DVDs tratam. No glossário sobre Arte Conceitual (tema de um dos DVDs), por exemplo, podemos ver os verbetes "ready-mades", "arte conceitual", "arte postal", "livro-objeto". Explicações para uma terminologia que facilita ao professor e ao aluno melhor se relacionar com um tema tão complexo como a arte contemporânea. A bibliografia tem caráter acadêmico, sendo ela nacional e internacional (em traduções), imprescindível a todo educador que queira navegar tranquilamente no mundo da arte. Por exemplo, podemos citar alguns dos livros importantes para se conhecer a arte conceitual como Arte contemporânea, de Michael Archer, O sistema dos objetos, de Baudrillard ou A invenção de Hélio Oiticica, de Celso Favaretto, dentre outros. Há ainda uma boa relação de sites onde se pode pesquisar arte em geral. Quanto aos DVDs propriamente ditos, devemos elencar seus valores. Eles formam um conjunto, por enquanto, de mais de 150 DVDs, com uma temática ampla, privilegiando ora a apresentação da obra individual dos artistas, como, para ficar em alguns exemplos, Cildo Meireles, Leonilson, Ianelli, Anita Malfatti, Ligya Clarck; ora desenvolvendo uma reflexão sobre temas como "arte contemporânea", "arte conceitual", "vídeo-arte" etc. Os formatos dos documentários são também bastante variados, respeitando a estética de cada artista, como se pode ver, por exemplo, na diferença entre o tratamento que é dado à obra de Hélio Oiticica e à obra de Mira Schendel. Criados a partir de uma séria pesquisa documental, que engloba visitas a museus e acervos importantes, entrevistas com os artistas comentando sua própria obra, análise de críticos, historiadores da arte e curadores renomados, os DVDs são também uma importante fonte documental para a implementação de pesquisas sobre a história da arte brasileira. Este último elemento merece outra consideração. O relato dos próprios artistas (que falam amplamente sobre seu processo de criação) além de ser um documento para a história é também uma verdadeira reflexão sobre o processo criativo de cada um deles. Dessa forma, servindo de exemplo sobre um grande número de possibilidades poéticas abertas aos alunos, tanto no que diz respeito às técnicas quanto à abertura da imaginação e da sensibilidade do espectador. A existência desta DVDteca tem suas razões de ser. Há alguns dados, retirados do site do projeto Arte na Escola, que explicam os objetivos da Instituição: "O Instituto Arte na Escola tem como missão incentivar o ensino da Arte por meio de formação contínua do professor do ensino básico, investigando e qualificando processos de aprendizagem, por meio de ações de Educação Continuada, Midiateca e Comunicação e conta com a Rede Arte na Escola para ampliar suas ações e multiplicar resultados. Esta Rede ― presente em todas as regiões do país ― é constituída por 53 Pólos Arte na Escola, formada por universidades conveniadas ao Instituto Arte na Escola. A Rede Arte na Escola beneficia anualmente cerca de 30 mil professores, que por sua ação atingem milhares de alunos do ensino Infantil, Fundamental e Médio da rede pública brasileira". Outra ação implementada pelo Instituto Arte na Escola é o Prêmio Arte na Escola Cidadã, que "identifica, reconhece e divulga o trabalho pedagógico do professor com projetos de qualidade no ensino das linguagens da arte, com ênfase na ampliação do repertório dos alunos e no comprometimento com sua formação cultural, visando a construção da cidadania e a transformação social". Um fato notável dessa natureza não deveria ser desconhecido de quem se preocupa com os rumos da educação neste país, principalmente os que são educadores da arte. Parabéns e vida longa ao Arte na Escola: é o mínimo que se pode falar nesse momento, por sua existência num país tão carente de projetos sérios e de alta qualidade. Nota do Autor Este texto é dedicado às professoras Carla Galvão e Maria Irene, que têm tornado uma realidade o Arte na Escola no curso de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina. Jardel Dias Cavalcanti |
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