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Quarta-feira, 11/11/2009 Ruy Castro n'O B_arco ― parte 1/2 Rafael Fernandes Em julho deste ano Ruy Castro ministrou um curso sobre biografias no Espaço O B_arco, em São Paulo. Na ocasião disse que estava adorando a oportunidade. E não estava sendo demagogo. Afinal, a partir da próxima segunda-feira (16/11) volta ao mesmo local, agora falando sobre Bossa Nova. O B_arco (Brasil Arte Contemporânea) é um centro cultural localizado no bairro de Pinheiros. Segue um tendência interessante dos últimos anos na cidade: locais agradáveis que oferecem cursos ligados às artes. No curso sobre biografias, as exposições de Ruy Castro deixaram ainda mais claro seu árduo trabalho e a seriedade e comprometimento com os fatos. A seguir, alguns dos pontos de suas "aulas". Aspectos gerais e preparação Para Ruy, fazer uma biografia não se trata, de forma alguma, do que o biógrafo "acha", mas sim da apuração dos fatos. Ele acredita que os biógrafos não têm o tempo, nem o espaço, muito menos o direito de fazer suposições. Além disso, acha importante "ocultar" a presença do biográfo. Em suas palavras ele "não existe, é um vidro entre o leitor e os fatos". Prefere esse gênero porque acredita ter dificuldade em criar tramas que não existem, além de ter fascínio por "desencavar" histórias que aconteceram. Mesmo quando faz ficção não consegue se desvencilhar da realidade. Considera que na biografia o desenvolvimento do texto equivale à montagem no cinema, ou seja, é um processo posterior. Na coleta das informações opta por não usar equipe. Acha que a parte mais gostosa é apurar ― "a graça está em descobrir". Também porque crê que o livro é dele e está na cabeça dele. Ainda que não seja ficção, ele sabe o que quer e o que precisa. E muitas vezes as pesquisas em relação a um determinado fato histórico podem levar a outras descobertas de um período (como comportamento, política, roupas etc.). Biografias nas quais personagens pensem ou sintam podem ser uma "fria" ― a não ser que eles contem para outra pessoa. João Gilberto, por exemplo, comentou com cinco pessoas suas influências e a origem da batida da bossa nova. Sua irmã também o ouviu regularmente estudando no banheiro. Da mesma forma, não se deve reproduzir diálogos por aproximação. Citou uma certa revista que, em suas palavras, "inventa absurdos e quer que as pessoas acreditem". Para manter as informações "vivas" ele faz backups, imprime e sempre lê e relê o tempo todo. Afirma que tudo deve estar inteiro na sua cabeça. Não começa a escrever antes de terminar a apuração. Sabe que isso aconteceu quando faz para ele mesmo uma pergunta difícil, que ele não saiba responder. Se não existir tal pergunta, esse processo está finalizado. Em geral, faz entrevistas com cerca de duzentas pessoas por livro. Já o número total de entrevistas por empreitada pode chegar a mil. O primeiro encontro com um entrevistado é casual, com Ruy tomando nota das informações. Não há nenhuma gravação. E logo que chega em casa ele coloca tudo no computador. Ele afirma que em Carmen, por exemplo, cada um dos anos de 1938 a 1940 tinha três arquivos contendo entre quarenta e cinquenta mil caracteres. Fontes, informações e desafios Se ele "compra" a história de uma fonte, não atribui a ninguém. Ou seja, não entrega essa fonte. Assim, se após a publicação do livro alguém resolver abrir um processo, a "bomba" explode nas mãos dele, Ruy. Com as informações "melindrosas" tem o cuidado de ligar novamente para a fonte cerca de seis meses depois e perguntar as mesmas coisas. A intenção é comparar e notar se saem as mesmas respostas. Sobre a pergunta mais difícil que já fez, afirmou ser à Elza sobre o suposto estupro de Garrincha em sua filha. Procura escrever as biografias com riqueza de informações, como descrever um certo ambiente com detalhes. Ficou quase um ano para descobrir a marca da escarradeira que ficava no jornal do pai de Nelson Rodrigues. Brincou e disse que quando encontrou foi como a sensação de um gol do Brasil em Copa do Mundo. Dessa forma também foi possível descrever o assassinato do irmão de Nelson. Conseguiu isso por ter acesso aos autos do processo através da ajuda, em suas palavras, "do grande criminalista Dr. Evandro Lins e Silva, que era "foca" do Diário Carioca quando aconteceu o crime, em 1930, e cobriu o julgamento". Uma de suas artimanhas é a de se colocar certos desafios ao começar um livro. Em Anjo Pornográfico foi reconstitiur a noite de estreia de Vestido de Noiva: o antes, o durante, o depois, a plateia, o palco, backstage, ensaios, o que aconteceu com as pessoas envolvidas etc. Com Ela é carioca, pelo livro ter verbetes mais conhecidos do leitor (como Leila Diniz, Tom, Vinicius etc.), o desafio foi ganhar o leitor na primeira frase dos desconhecidos, além de escrever algo de diferente nos chavões. Para Carmen ele queria responder para si mesmo "quando ela se tornou Carmen?". O que aconteceu na sua vida e em seu desenvolvimento para isso? Acabou descobrindo que um dos motivos foi ter vivido a infância e adolescência num momento de transformação da Lapa (no Rio), que estava se tornando um bairro diverso e urbano. A escrita Na hora de escrever, Ruy Castro segue uma linha cronológica. Começa por antes de o personagem nascer: por pais, avós e até bisavós. Isso para não perder informações importantes que podem de alguma forma ter influenciado o personagem. Um exemplo é a importância da República Velha para entender o contexto do Brasil que Nelson Rodrigues vivenciou. Essa regressão pode ser um problema na leitura, já que Ruy acredita que o leitor médio quer reconhecer o que já sabe. Uma informação nova pode "ofendê-lo". Portanto, ele aposta sempre na boa informação e em contar boas histórias. Uma amostra da importância disso é que muita coisa aconteceu cerca de dez antes de João Gilberto gravar "Chega de saudade". Tanto que a gravação da música está registrada já quase na metade do livro homônimo da canção. Sobre seu estilo, pensa que as biografias que escreve parecem "romances" por causa da bagagem acumulada ("livros, poemas, letras, quadros, conversas..."). Mas nunca por trair a informação. Ele pode até fazer uso de técnicas e macetes para intrigar o leitor, mas sempre usando os fatos coletados. Como no final de Anjo Pornográfico: "matou" Nelson antes e depois publicou a crônica dele sobre o anjo da morte. Mas isso é apenas um recurso literário que não prejudica a qualidade da informação. Quando está escrevendo, acorda às sete horas da manhã e escreve até de madrugada, até cansar. Numa biografia acha interessante "botar o herói no chão, tirar do pedestal" e ver se o biografado continua sendo uma pessoa extraordinária. Revelar coisas horríveis e no final você ainda gostar do personagem. Mas, novamente, sem nunca prejudicar a informação. Por fim, acha que é muito mais fácil fazer uma biografia para derrubar do que para enaltecer. Notas do Autor ― Fica um agradecimento especial ao próprio Ruy pelos papos antes e depois do curso e por dois adendos importantes ao texto. ― Em breve a segunda parte deste texto, com informações do escritor sobre cada uma de suas biografias. Para ir além Curso "Chega de Saudade ― A História da Bossa Nova". A partir do dia 16 de novembro de 2009, das 20:00 às 22:00hs. Espaço O B_arco. Rua Dr. Virgílo de Carvalho Pinto ― Pinheiros, São Paulo/SP. Informações no (11) 3081-6986. Rafael Fernandes |
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