|
Terça-feira, 17/11/2009 PMDB: o retrato de um Brasil atrasado Diogo Salles Sir Ney, por Millôr Fernandes Dentre as suas inúmeras particularidades, o Brasil sempre me chamou a atenção para uma em especial: a de ser o eterno "país do futuro". Não me entenda mal, sempre amei meu país, mas nunca compreendi bem se isso era só um nacionalismo capenga ou se era uma espécie de síndrome de vira-latas com o sinal invertido. Quantas gerações nasceram debaixo desse mantra? Nem sei dizer. Sei que todas elas cresceram e amadureceram com a percepção de uma realidade diferente. E, ainda assim, a esperança continuava se renovando a cada filho nascido aqui. Acontece que, nos últimos anos, esse sentimento vem ganhando força de uma outra forma: pela primeira vez, o mundo lança um olhar diferente (curioso, talvez) para o Brasil. Agora, sob o título de "país emergente", de signos imageticamente poderosos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, somos vistos por outra perspectiva aos olhos estrangeiros. Por outro lado, nossas últimas manchetes desconstroem toda essa imagem que o Brasil quer forjar no exterior: o presidente do Senado mandando seu amigo desembargador expedir um mandado de censura prévia ao jornal O Estado de S. Paulo, um helicóptero abatido a tiros por traficantes no Rio de Janeiro e uma aluna de minissaia sendo ameaçada de estupro por um batalhão de homo sapiens numa universidade em São Paulo. Isso sem falar que a mesma universidade, quando resolveu expulsar alguém, expulsou a aluna. Não adianta esconder: antes de ser qualquer coisa, o Brasil é o país da contradição, é um conjunto de oxímoros. Se de um lado, estamos conquistando nossa cidadania internacional (nas palavras do presidente), de outro, o nosso noticiário político-policialesco desmente tudo, desencavando fósseis de nossa mentalidade retrógrada, provinciana. O mundo lá fora está querendo saber: "que país é o Brasil?". Talvez já tenha passado da hora de nos fazermos a mesma pergunta. É inquestionável o fato de que o Brasil mostrou um amadurecimento institucional importante desde o impeachment de Fernando Collor em 1992. De lá para cá, adquirimos uma estabilidade que nunca havíamos experimentado ― principalmente no aspecto econômico. Como já escrevi aqui, por pior que sejam as crises econômicas, elas vêm e vão, e a roda continua girando. Nossa crise, como frisei, é sempre política. Outro dia, Lula, em uma de suas divagações à imprensa, comemorava o fato de o Brasil não ter "trogloditas de direita" na disputa presidencial. É uma constatação óbvia, mas o presidente fez questão de esquecer que os "trogloditas" ficaram todos empilhados entre seu partido e o PSDB, já que nunca tiveram grandes chances de chegar ao poder desde a queda da ditadura militar. E de 1994 para cá não vemos um candidato de direita com qualquer chance de chegar sequer ao segundo turno. Assim, PT e PSDB (ambos com origens na esquerda), se tornaram os partidos hegemônicos no Brasil. E, assim que chegaram ao poder, migraram para o centro, com o PT se transformando numa espécie de centro-esquerda (muito mal ajambrada, por sinal) e o PSDB num partido de centro, ou centro-direita. Hoje, a polarização entre os dois partidos é bastante clara no discurso, mas tal debate não se confirma na prática. O que ambos justificam como "pragmatismo", numa ampla "coalizão", é na verdade uma gosmenta geleia partidária, com aluguel de ideologias para todos os gostos. Se os tucanos se aliaram ao DEM (ex-PFL, ex-Arena), os petistas se aliaram ao PP (dos mega-reaças Maluf e Severino Cavalcanti) e ao PR (ex-PL). No jogo bruto de "alianças espúrias" com os "trogloditas de direita", deu empate. No jogo retórico, ambos apontam o outro lado como "amigos dos banqueiros" ― mais um empate (bom para os bancos, que continuam lucrando). No jogo do "caixa dois" eleitoral e nos milionários contratos arranjados com as empreiteiras, adivinhe só, jogo empatado mais uma vez. Pois é, PT versus PSDB é mesmo um clássico eletrizante. As militâncias que me desculpem, mas foram dois governos que se complementaram ― muito mais do que ambos os lados gostariam de admitir. Depois de 15 anos, para mim, ficou tudo muito claro: um lado privilegia reformas estruturais e puxa a sardinha para as "empresas parceiras", garantindo-lhes robustos contratos. O outro, puxa para as centrais sindicais, aninhando-a na burocracia estatal e investindo mais forte em programas sociais. O resultado é que o poder se reveza entre a "turma dos amigos do PT" e a "turma dos amigos do PSDB". Lula e FHC governaram o país por quatro mandatos. Só que, para isso, não abriram mão da "Realpolitik" ― que aqui ficou conhecida como "governabilidade". Se os "troglôs" não dispõem mais de força política própria e se conformaram em ser meros coadjuvantes, quem seria capaz de patrocinar essa governabilidade postiça do governo petistucano? Eis que chegamos ao PMDB, o partido que explica nossa forma de fazer política como nenhum outro: vazio de projetos para o país, lotado de projetos pessoais. O partido que antes brandia a bandeira da oposição à ditadura militar e agora não quer largar o osso. Quem ambiciona o poder, buscará inevitavelmente essa aliança. A razão é muito simples e estratégica: as bancadas do PMDB são sempre as maiores no Congresso e em Assembleias locais e, portanto, necessárias para se obter a tal "governabilidade". FH e Lula aprenderam isso na marra. Quando não há um candidato próprio, os peemedebistas posicionam suas diferentes facções ao lado dos candidatos mais fortes e apenas esperam despontar o vencedor. Assim, sem precisar fazer muito esforço, estarão no poder, qualquer que seja o resultado. Do outro lado do balcão, ele estará sempre de braços abertos para fechar um ótimo negócio. O preço? Cargos, verbas, emendas, e o que mais houver na "agenda pragmática". Esse é o modelo PMDB e, consequentemente, o modelo do Brasil: personalista, clientelista, fisiológico, atrasado. Se o apoio não pode ser negociado, a saída é comprá-lo com nacos do estado. Aqui, arrota-se meritocracia, mas pratica-se o mais desavergonhado compadrio. No jogo da "brodagem" não há perdedores. Todos levam o seu. Se algo der errado, basta justificar que todos jogam o jogo, assim, não haverá condenações. Quem questionar, será cooptado. Quem recusar a cooptação, será intimidado. E quem não se intimidar ― se tiver sorte ―, será apenas expurgado. Assim, o PMDB tem sido o fiador da manutenção do status quo há 15 anos, perpetuando um sistema de troca de favores que sempre contou com a rubrica presidencial. Mesmo assim, as críticas eram tímidas, fragmentas. Só que, em 2009, dois fatos contribuíram para uma reviravolta nesse quadro. O primeiro foi a entrevista de Jarbas Vasconcelos à Veja. As comportas foram abertas (e as palavras sempre pesam mais quando vêm de alguém de dentro do partido). O segundo foi a eleição de José Sarney para a presidência do Senado Federal ― que a revista britânica The Economist classificou como "vitória do semifeudalismo". Mesmo já tendo 50 anos de semifeudalismo nas costas, só agora Sarney ganhou os holofotes que merecia, se tornando o porta-retrato do nosso atraso, amarelado pelo tempo. Atos secretos, loteamento de cargos, nepotismo, funcionários fantasmas, desvios de verbas da Petrobras para a sua "Fundação Sarney" e uma infinidade de escândalos fizeram dele o grande personagem político do ano. Quando Sérgio Buarque de Holanda descreveu, ainda em 1936, a figura do "homem cordial" em seu livro Raízes do Brasil, jamais poderia supor que fosse existir um ator tão apropriado para interpretá-lo. And the Oscar goes to: Sir Ney! Mas o PMDB não é só o coronelismo de Sarney, não. É a impunidade de Jader Barbalho, é o caciquismo de Orestes Quércia, é a homofobia de Roberto Requião, é o puxasaquismo de Sergio Cabral Filho, é o cinismo de Renan Calheiros, a lista não tem fim. E tanto PT quanto PSDB sabem que, sem o PMDB, o país fica ingovernável, mas não percebem que, com ele, também fica ingovernável. Infelizmente, os ventos não sinalizam que vá haver alguma mudança de direção na agenda política. José Serra e Dilma Rousseff, os candidatos petistucanos mais bem posicionados nas pesquisas, já fecharam com o PMDB. Quer dizer, cada um fechou com o seu naco do partido. Assim, ficou fácil predizer que, qualquer que seja o vencedor das eleições de 2010, lá estará o mamute peemedebista, retroalimentando uma base cheia de apetites por cargos, verbas e favores. E o Brasil ainda continuará imerso em seu pântano político, comprando (e vendendo) facilidades (e amigos). Não sou tão catastrofista a ponto de dizer que a situação (e a oposição) só vai piorar com o tempo. Só espero que, no futuro, haja um mínimo de espírito público na política (que hoje é zero). Pena que, se isso ocorrer mesmo, nossa geração não estará mais aqui para ver. Faço votos para que os futuros eleitores do Brasil encontrem uma maneira diferente de encarar a política: espero que troquem a atual obediência pela vigilância, espero que transformem o atual medo dos poderosos em cobrança por mais respeito com o dinheiro público. Não somos nós que devemos temer os governantes. São eles que devem nos temer. Enquanto não formos capazes de compreender isso, não seremos "o país do futuro". E, parafraseando Millôr, enquanto tivermos essa cara de PMDB, continuaremos condenados à esperança. Diogo Salles |
|
|