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Quinta-feira, 22/11/2001 Dependências Adriana Baggio Um dia ela ligou e falou que não queria mais. Tinha conseguido coisa melhor, sem as inconstâncias de um relacionamento onde não há compromisso. Ele ficou surpreso, depois preocupado e por fim conformado. Nem tentou fazê-la desistir de sua decisão, porque não poderia oferecer o que ela teria em outro lugar. Não tinha possibilidade de assumir um compromisso desse tipo com ela nem com ninguém. Nesse ponto ele era muito correto: não faria promessas que mais tarde não poderia cumprir. Apesar de ter sido uma relação curta, sem vínculos muito fortes, ele estava satisfeito com a maneira como as coisas aconteciam. Ela não tinha nada de excepcional, mas fazia tudo do jeito que ele gostava, e acreditava que a recíproca era verdadeira. Eles se davam bem, não havia cobranças desnecessárias e cada um cumpria sua parte no relacionamento. Por ele, a relação era satisfatória. Porém, o rompimento recente mostrava que não era bem assim. Antes que se desse conta do rumo de seus pensamentos, já estava procurando nas próprias atitudes o motivo que teria levado a moça a ir embora. Estava ressentido, um pouco magoado, e com o ego meio fragilizado. Nessas circunstâncias, era perigoso cair em auto-piedade, se apropriando de uma situação desagradável para padecer por outros recalques. Disse a si mesmo que seria ridículo ficar deprimido pelo fim desta relação, mas na verdade dependia mais dela do que imaginava. A gente se acostuma com uma pessoa, com seu jeito, adapta nossos hábitos a ela, e depois ela vai embora, sem mais nem menos. Quer dizer, não foi bem assim, ela deu motivos muito plausíveis, concretos. Não daria para acusá-la de falta de consideração. Ou melhor, talvez ela tenha tido só um pouquinho de falta de consideração, porque poderia ter dito a ele pessoalmente, e não pelo telefone, às vésperas do encontro semanal. Não era um bom momento para que isso tivesse acontecido. Não teria tempo de resolver as coisas práticas inerentes ao rompimento. No entanto, teria que dar um jeito. Já era tarde, ele estava especialmente cansado naquele dia, e a última coisa que desejava era um desgosto daqueles. Procurou relaxar e esquecer os problemas. Não iria adiantar nada mesmo se preocupar sem poder tomar nenhuma atitude. No dia seguinte levantou melhor, e a dimensão da tragédia diminuiu com a luz do sol. É impressionante como as coisas parecem piores à noite. Passou o dia bem, mas volta e meia pensava nela, e no que faria sem ela. Passados os primeiros momentos de sensibilidade, agora o que contava era a prática. E se tinha uma coisa da qual ele se orgulhava em seu temperamento era a praticidade. Como não conseguiria ficar muito tempo sozinho, teria que resolver logo essa falta. Passou a mão no telefone e percorreu a agenda em busca de inspiração para uma nova candidata. Não demorou muito para encontrar uma possibilidade interessante. Ligou e conseguiu marcar. A partir deste momento, ficou mais tranqüilo e satisfeito. Na data combinada, procurou se arrumar mais cedo para não atrasar. Não era bom fazê-la esperar, logo no primeiro dia. Também não queria deixar clara sua insegurança e dependência ao recebê-la apressadamente, com a angústia que caracteriza seus momentos de mudança. Deixou tudo em ordem, na medida do possível, é claro. Ficou pensando no que ela pensaria, se eles iriam se dar bem, ou se haveria algum atrito. Ficava ansioso com novas relações. Gostava mais quando não precisava falar muito sobre o que queria, mas isso só acontece quando já existe um certo tempo de convivência. Afastou os maus pensamentos. As referências eram boas, e a pessoa que indicou era de toda confiança. Perto da hora marcada, já tinha se arrumado e tomado o café da manhã. Quando a campainha tocou, atendeu a porta com um pouco de nervosismo e curiosidade. Lá estava ela, uma senhora baixinha, magrinha, com um rosto simpático. Cumprimentou Neves, sua nova faxineira, e andou com ela pela casa para mostrar suas dependências. Adriana Baggio |
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