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Segunda-feira, 4/1/2010 2009: intolerância e arte Gian Danton 2009 foi um ano de retrocessos e censuras e intolerâncias, mas também foi um bom ano, com bons filmes, bons quadrinhos e bons livros. No final, a arte parece ter vencido as hordas da irracionalidade. Uma das primeiras boas novidade de 2009 foi Up, a nova animação da Pixar. Atualmente, o nível das animações melhorou muito. A maioria dos estúdios faz filmes bons. Mas só a Pixar faz obras-primas: Toy Story, Wall-E e, agora, Up. Up, como Wall-E, é uma aula de como escrever um bom roteiro. O primeiro ato (que tem como objetivo mostrar quem são os personagens e o ambiente em que eles vivem, e que costuma ser chato) acaba sendo um dos melhores momentos do filme. A fórmula é a mesma de Wall-E: apelar para o lirismo. Assim, conhecemos um garoto apaixonado por aventuras, que conhece uma menina que compartilha da mesma paixão. E, numa bela sequência sem falas, vemos os dois crescendo, casando, envelhecendo, e sempre adiando os planos de sair em uma aventura. As cenas da gravata acabam sendo ótimas metáforas tanto da vida do casal quanto da evolução do tempo. Já velho, viúvo, nosso protagonista acaba embarcando nessa aventura ao fazer sua casa voar com balões coloridos. Não é necessário esperar a trama começar, no final do primeiro ato, para perceber que estamos diante de uma obra acima da maioria das animações produzidas por Hollywood. O restante não decepciona: o filme tem lirismo, emoção e muita ação. Todos os personagens são muito bem construídos; o velhinho, com voz de Chico Anysio na versão dublada em português, certamente é uma atração à parte. Também no cinema, tivemos o polêmico Watchmen. Não houve meio-termo: alguns odiaram, outros amaram. Watchmen é a história em quadrinhos mais reverenciada de todos os tempos. Escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, ela revolucionou o modo como eram vistos os heróis, introduzindo o realismo no gênero. Existiram várias tentativas de transformar a série em um filme, algumas das quais pretendiam reformular completamente a história, atualizando o contexto da guerra fria para os dias atuais, em que o inimigo é o terrorismo. Quem acabou conseguindo a façanha foi Zack Snyder, diretor de 300. Fã da série, ele fez uma versão tão fiel que parece decalcada dos gibis. Incrivelmente, algumas pessoas reclamaram das mudanças, como se fosse possível adaptar uma história em quadrinhos tão grande e complexa sem que algo se perdesse. As críticas mais sensatas vieram daqueles que acusaram o diretor de ter usado a história em quadrinhos como storyboard para o filme. De fato, alguns dos poucos momentos em que ele ousou inovar, como a sequência inicial, mostrando as mudanças no mundo a partir do surgimento dos heróis, ao som de Bob Dylan, se tornaram os melhores momentos da película. O final também, muito criticado pelos puristas, é, na verdade, mais crível que o final dos quadrinhos, inclusive do ponto de vista científico. Independente de outras questões,foi uma experiência interessante ver personagens de quadrinhos se movimentando na tela. Ainda na tela grande, uma boa surpresa foi o novo Jornada nas Estrelas, de JJ Abrams. É empolgante, respeita a série original, dá uma explicação convincente para um recomeço. Só faltou um pouquinho de filosofia, afinal a série original tinha muita filosofia e até filmes de sucesso conseguem ser filosóficos, como Matrix. Mesmo assim, é um belo filme, que não fez feio nos cinemas e acabou salvando uma franquia já quase morta. O filme conseguiu até o que parecia impossível: colocar outros autores para fazerem os papéis de Spock e Kirk e ainda assim agradar os fãs. Bastardos Inglórios foi, sem dúvida, um dos filmes do ano. Tarantino parece ter chegado à maturidade narrativa num filme que junta o que tem de melhor em toda a sua cinematografia e ainda acrescenta um fundo histórico interessante. A sequência mais memorável do filme é a primeira, em que uma calma conversa de um fazendeiro francês com um oficial nazista termina em um banho de sangue. Nessa cena, duas coisas se destacam: a ótima direção de Tarantino (quando a câmera começa a se movimentar em círculo ao redor dos dois homens, sabemos que algo vai acontecer) e o talento do ator Christoph Waltz, que faz o Coronel da SS Hans Landa. O charme desse personagem é um dos atrativos do filme. Onde Hans Landa aparece, ele rouba a cena. Na área de quadrinhos, tivemos alguns ótimos lançamentos nacionais, como 7 vidas (Conrad), de André Diniz e Antonio Eder, e Flores manchadas de sangue (Devir), do mestre Cláudio Seto, que morreu em 2008. Em 1968, Seto começou a publicar a revista O Samurai. Pela semelhança de temas, muitos hoje acham que se tratava de uma imitação do Lobo Solitário, de Kazuo Koike e Goseki Kojima, mas a maioria dos historiadores concorda que o trabalho de Seto é dois anos mais velho. Mesmo que não fosse pelo pioneirismo, Flores manchadas de sangue, álbum que reúne as melhores histórias do personagem, já valeria pela qualidade das histórias, belos e muitas vezes apavorantes estudos sobre a natureza humana. Mas nenhum ano é feito apenas de coisas boas. Se este ano não teve tsunamis, teve muita polêmica provocada por aqueles que acham que quadrinhos são feitos para crianças e não podem falar de assuntos mais sérios. A polêmica começou com a escolha do álbum 10 na área, um na banheira e ninguém no gol, para ser distribuído para bibliotecas de escolas públicas de ensino fundamental de São Paulo. O álbum não é destinado ao público infantil e a escolha foi infeliz, mas o governador José Serra preferiu jogar a culpa nos quadrinhos, dizendo que o álbum era de "mau-gosto". Motivados pela polêmica ou por questões políticas, começaram a pipocar supostas denúncias sobre quadrinhos impróprios que teriam sido comprados pelo MEC para escolas públicas de ensino médio (obras, portanto, voltadas para adolescentes, não para crianças). O principal alvo foi o quadrinista Will Eisner, cuja obra toda foi retirada das bibliotecas por causa de uma única sequência, em que uma garota levanta a saia para enganar um vigia. Posteriormente, o álbum O sonhador foi banido das escolas por causa de uma cena em que uma mulher aparece semi-nua. Eisner é um dos mais importantes artistas do século XX e sua obra é séria e profundamente humana. Mas os críticos só conseguiam ver a mulher com as costas de fora. Seria mais ou menos como banir a Bíblia das escolas por causa da sequência de Sodoma... O mais surpreendente é que essa polêmica toda aconteceu justamente nas escolas, local de onde se esperava um pouco mais de inteligência ao julgar uma obra. Claro que a polêmica não poderia deixar de respingar nos quadrinhos de banca e até Maurício de Sousa teve que vir a público se explicar. Primeiro por causa de uma tira do Chico Bento que foi adulterada (um palavrão foi colocado onde não existia) e colocada em um livro didático na Bahia. Posteriormente, outra polêmica, agora por causa de um personagem supostamente gay, que apareceu numa revista da Tina (voltada para o púbico adolescente). A sequência era muito sutil, mas causou a ira dos moralistas, esquecidos de que Maurício prima pela diversidade em suas revistas, com personagens negros, cegos, cadeirantes. "Uma posição vai se manter em todas as nossas produções: o respeito pelo ser humano, pela pessoa, e a elegância no trato de qualquer tema", declarou o quadrinista, numa comunidade oficial. Quem acompanhava o que acontecia com os quadrinhos já devia adivinhar que 2009 seria lembrado pelo caso da aluna da Uniban que foi hostilizada pelos alunos por causa de um vestido curto. Mais absurdo: o reitor, em vez de punir os agressores, resolveu expulsar a agredida. Isso numa faculdade, ambiente em que deveria prevalecer o bom senso, a inteligência e a tolerância para com as diferenças. No final, fica o desejo de que 2010 seja um ano um pouco mais tolerante. Gian Danton |
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