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Quarta-feira, 30/12/2009 Algumas leituras marcantes de 2009 Luis Eduardo Matta Mais uma vez, venho, no apagar das luzes de mais um ano, dividir com os queridos amigos do Digestivo Cultural um pouco das minhas boas leituras dos últimos meses. Alegra-me saber que cada vez mais pessoas buscam as minhas relações de livros publicadas aqui no site, para escolher o que ler e o que presentear. Aproveito para pedir a todos minhas antecipadas desculpas pelo provável mau jeito com que os comentários possam ter sido escritos. Reconheço que sou um resenhista inepto. Adoro ler e falar de livros, mas me custa organizar essas ideias no texto escrito. Sempre acho que falei de menos ou que me escapou algum dado importante que merecia ser citado. De todo modo, a listagem serve para que os que não tiveram a oportunidade de ler os livros comentados possam conhecer, ao menos, uma breve introdução das suas tramas e, com isso, se aventurar a lê-los por inteiro. É o meu objetivo. Embora esteja saindo agora, na virada do ano, a lista ― que, como as anteriores, limita-se a sete livros, sem que haja qualquer caráter supersticioso nesta escolha ― está pronta desde o final de outubro passado e compreende os livros lidos no período entre novembro de 2008 e outubro de 2009. Os títulos, cujas leituras foram concluídas depois desta data, portanto, não entraram, embora tenha gostado bastante de alguns, como O português que nos pariu, Se eu fechar os olhos agora, Céu de origamis, A décima sinfonia, O analfabeto que passou no vestibular, e O símbolo perdido. Desde logo, dou o meu aval aos leitores para irem às livrarias comprá-los sem medo. * O chá do amor, de Jennifer Donnelly (Essência/Planeta, 2009, 584 págs.) ― Neste apaixonante romance histórico construído em torno da indústria do chá no final do século XIX, Fiona Finnegan é uma jovem operária da Burton Tea, uma megacompanhia de chá, que vive com dificuldade com a família num bairro modesto de Londres e acalenta com o namorado, Joe Bristow, planos de casar e abrir o próprio negócio. Apaixonados, os dois estão há anos juntando dinheiro com esse propósito até o dia em que a vida de Fiona começa a virar pelo avesso. Os pais são assassinados, o namorado se casa com outra mulher ― uma rival de Fiona, a quem ele engravidou ―, e a própria Fiona acaba se confrontando com William Burton, o poderoso e cruel dono da Burton Tea, sendo obrigada a fugir de Londres com o irmão mais novo, numa cena emocionante e fantástica, um dos pontos altos da trama, que deixa o leitor com o coração na boca. Os dois se instalam em Nova York, onde mora um tio de Fiona e, lá, ela, aos poucos, constrói uma fortuna em torno do negócio do chá. Anos mais tarde, Fiona se vê instada a retornar a Londres e acertar as contas com o seu passado ― em especial, com Burton e, sobretudo, com Joe. Tendo como pano de fundo a Londres assombrada por Jack, o estripador, O chá do amor é uma saga fantástica, que fala de amor, sofrimento, superação e reconstitui com minúcia o ambiente e os valores de uma época fascinante. * O mistério da torre negra, de Louis Bayard (Nova Fronteira, 2009, 320 págs.) ― Assim como O chá do amor, este O mistério da torre negra é um romance histórico, mas as semelhanças entre os livros param por aí. No lugar da Londres de Jack, o estripador, temos a Paris, do célebre detetive Eugène François Vidocq, fundador da Brigade de Sûreté ― a polícia civil francesa ―, e um enigma histórico: teria o delfim Luis Carlos, filho de Luis XVI e Maria Antonieta e herdeiro do trono francês, de fato, morrido, em 1795 aos dez anos, na sinistra Torre do Templo onde fora confinado pelos horrores da Revolução Francesa, como se acreditava? O aparentemente banal assassinato de um homem misterioso chamado Chrétien Leblanc, em plena rua, é o estopim para a investigação de Vidocq que não só acredita que o delfim está vivo, como está certo de que existe um complô para encontrá-lo ― e matá-lo. Misturando história e ficção com incrível habilidade, a trama de Louis Bayard é ambientada no período da Restauração, ou seja: nos anos seguintes ao fim do Império Napoleônico, quando os Bourbon voltaram a reinar na França. Destaque para a primorosa tradução de Luciana Persice Nogueira e a belíssima edição da Nova Fronteira, num esmerado trabalho capitaneado pela editora Cristiane Costa, cujo empenho em lançar esse livro no Brasil não pode deixar de ser louvado. * John Fante trabalha no Esquimó, de Mariel Reis (Calibán, 2008, 80 págs.) ― Por alguma razão intangível, os contos não gozam, no Brasil, do mesmo prestígio e popularidade dos romances ― e, fazendo um mea culpa, esta lista , predominantemente composta por narrativas longas, retrata, de certo modo, esta lamentável realidade. No entanto, a literatura brasileira foi pródiga em revelar, ao longo da sua história, excelentes contistas, alguns dos quais figuram entre os nomes mais respeitados das nossas letras. E essa tradição, felizmente, parece muito longe de perder seu fôlego, a julgar pelas novas vozes do conto que têm aparecido. É o caso, por exemplo, de, entre outros, Julián Fuks, Marcelo Moutinho e Ivana Arruda Leite. E é o caso de Mariel Reis, cujo trabalho mais recente, John Fante trabalha no Esquimó tive a alegria de ler neste 2009. Mariel increve-se na melhor linhagem dos escritores que extraíram de suas andanças urbanas ― no caso, o Rio de Janeiro ― e da observação constante do cotidiano, matéria-prima viva e riquíssima para a criação literária. Os dezesseis contos que compõem a obra talvez iludam o leitor mais incauto, já que a coloquialidade da prosa de Mariel pode transmitir a algumas pessoas uma impressão errônea de superficialidade, quando, na verdade, elas são como camadas superpostas que a leitura atenta se encarrega de remover uma a uma, revelando um complexo mosaico criativo, onde as impressões do autor, derivadas de sua sensibilidade e do olhar clínico sobre o mundo a seu redor, constroem narrativas multifacetadas, que registram fragmentos da realidade, exploram as emoções humanas e, sobretudo, dialogam com a literatura e o próprio ato de escrever. Destaque para o conto que dá nome ao livro e, também, para "A visita", "Jonas, a baleia" e "Estevão". * Na praia, de Ian McEwan (Companhia das Letras, 2007, 136 págs.) ― Ian McEwan já frequentou minhas listagens anteriores. Seu romance Reparação, a meu juízo, uma das obras-primas da literatura contemporânea mundial, foi uma das minhas leituras marcantes de 2007. Embora não tão ambicioso e profundo quanto Reparação, Na praia é um romance interessantíssimo e comovente. O foco principal da trama são os conflitos internos de um jovem casal de origens sociais distintas ― Florence e Edward ― em plena noite de núpcias num pequeno hotel numa praia inglesa próxima ao Canal da Mancha, no ano de 1962. Cada qual a seu modo carrega o peso dos rigores da repressiva moral herdada da época vitoriana, na qual se formaram, e que está prestes a ser aniquilada pela revolução sexual e comportamental que logo eclodiria, e transformaria radicalmente a sociedade ocidental a partir daquela década. Edward, arrebatado pelo desejo, sente-se ansioso e excitado pela consumação do seu casamento, ao passo que Florence, atormentada por um excesso de pudores, vê aflorar sua forte rejeição pelo sexo, que considera um ato nojento e indecoroso, a despeito do sincero amor que nutre por Edward. O resultado é, obviamente, catastrófico e marcará de forma indelével o destino dos dois. * El inquisidor, de Patricio Sturlese (Plaza & Janés(Argentina), 2007, 478 págs.) ― Raramente incluo algum título em língua estrangeira nas minhas listagens. Afora o risco de parecer pretensioso, pesa o fato de que a maioria das pessoas não é fluente em outros idiomas (e nem tem a obrigação de sê-lo). No entanto, tive de abrir uma exceção para El inquisidor, do jovem escritor argentino Patricio Sturlese. Trata-se de um thriller extraordinário e cativante, ambientado no seio da Igreja Católica no final do Século XVI. Durante uma audiência no Vaticano, o Inquisidor Geral da Ligúria, Angelo DeGrasso, é incumbido pelo papa e pelo cardeal Vincenzo Iuliano, Superior Geral da Inquisição, a localizar dois livros proibidos pela Igreja e tidos como satânicos: o Códex Esmeralda e o Necronomicón. A missão levará DeGrasso a uma viagem até Assunção, onde os livros estariam escondidos e durante a busca ele passará por uma intensa transformação interior, em que reavaliará sua fé, seus valores e o próprio papel da Igreja, a partir das reflexões suscitadas pelo seu mestre e tutor, o padre Piero DelGrande e, sobretudo, pela súbita e incontrolável paixão pela jovem e bela Raffaella D'Alema, filha do seu melhor amigo. O livro possui uma atmosfera tensa, pesada, bem construída, onde transitam personagens complexos e extremamente humanos na sua ambiguidade, a começar pelo próprio protagonista. Com suspense constante, alternando cenas fortes com outras, comoventes, e uma descrição primorosa dos ambientes, do vestuário e do pensamento no final do século XVI, fruto de uma acurada pesquisa histórica, El inquisidor é uma leitura imperdível. Atenção, editoras brasileiras: estão esperando o quê para traduzir e lançar este livro por aqui? * Millennium, de Stieg Larsson, trilogia composta por Os homens que não amavam as mulheres (Companhia das Letras, 2008, 524 págs.), A menina que brincava com fogo (Companhia das Letras, 2009, 608 págs.) e A rainha do castelo de ar (Companhia das Letras, 2009, 688 págs.) ― Quem disse que thrillers e "alta literatura" são inconciliáveis? O sueco Stieg Larsson jogou as três pás de terra que faltavam para sepultar de vez essa teoria furadíssima. A trilogia tem como ponto de partida a condenação de Mikael Blomkvist, editor e sócio da revista Millennium, por haver publicado uma reportagem considerada caluniosa contra o poderoso financista Hans-Erik Wennerström. Publicamente desmoralizado e em apuros financeiros por conta da fuga dos anunciantes de sustentavam a revista, Blomkvist recebe a enigmática proposta de desvendar o desaparecimento de Harriet, a neta favorita do industrial Henrik Vanger, ocorrido quase trinta anos antes. Para dar cabo da missão, ele contará com a ajuda da jovem hacker Lisbeth Salander, uma garota cuja aparência entre frágil e bizarra esconde uma personalidade destemida e atormentada e um senso desvairado de justiça. No segundo volume, será Lisbeth o centro da trama, ao ser acusada de, numa mesma noite, assassinar Nils Bjurman, seu execrável tutor e, também, o jornalista Dag Svensson e sua mulher, Mia Bergman, que estavam a um passo de denunciar uma rede de tráfico internacional de mulheres. O livro, o mais tenso dos três, termina de maneira repentina e deixa vários fios soltos, que só serão definitivamente atados ― numa história que flerta com a ficção jurídica e de espionagem ―, no terceiro volume, encerrando, de forma perfeita, redonda, uma autêntica trilogia, com tramas autônomas (à exceção do terceiro título, praticamente uma continuação do segundo) que, ao mesmo tempo, formam um único e grande ― em todas as acepções do termo ― romance. * Milamor, de Livia Garcia-Roza (Record, 2008, 208 págs.) ― Assim como Ian McEwan, Livia Garcia-Roza também já figurou numa relação de leituras marcantes ― mais especificamente na de 2006 com a coletânea de contos Restou o cão, título que me marcou tanto que até foi incorporado ao meu vocabulário (quando, diante de uma situação complicada, nada há mais a ser feito, costumo dizer, conformado: "restou o cão"). Desta vez Livia aparece com um romance. Milamor narra a história de Maria, uma mulher às vésperas de completar 60 anos e que, depois de uma vida entre dura, tumultuada e tediosa, descobre o amor na plenitude da maturidade. O livro traz a marca da prosa de Livia: sensibilidade, fluidez narrativa e um humor fino que, apesar da sutileza e despretensão, por vezes nos leva às gargalhadas; sobretudo quando Maria contracena com sua filha Maria Inês, com quem ela vai morar depois de enviuvar. Milamor foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2009. 2009, um ano "vampírico" Minhas leituras de 2009, no entanto, foram bem além desta lista e abarcaram várias vertentes literárias. Não fosse a minha idiossincrática insistência em enumerar apenas sete livros por ano e a minha incompetência para redigir resenhas minimamente legíveis, a relação seria bem maior. Por essa razão, não poderia encerrar esta coluna sem mencionar algumas experiências inusitadas e agradáveis pela literatura contemporânea, algumas das quais me abriram um precioso horizonte de leituras, que até então, por alguma razão que não sei definir, eu ignorava. Uma delas foi a ficção vampírica. Até 2008, confesso, minhas incursões nessa seara limitavam-se ao Drácula e a alguns títulos de Anne Rice e de um ou outro escritor. Nos últimos tempos, felizmente, tive a enorme satisfação de conhecer e estabelecer laços de amizade com alguns escritores brasileiros que vêm, ao longo desta década, dando relevo e visibilidade a este gênero historicamente menosprezado entre nós, como Kizzy Ysatis, André Vianco, Nazarethe Fonseca, Martha Argel e Giulia Moon. Kizzy Ysatis é autor de romances como O diário da sibila rubra e organizou, neste 2009, uma badalada antologia de contos vampíricos, lançada em agosto, intitulada Território V: vampiros em guerra (Terracota, 2009, 160 págs.), na qual figuram histórias assinadas por escritores como o próprio Kizzy Ysatis, Giulia Moon, Raphael Draccon, Flávia Muniz e este que escreve estas mal traçadas. André Vianco, o consagrado autor de Os sete e O turno da noite, dividiu comigo uma mesa no Café Literário da XIV Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em setembro, sobre literatura de entretenimento, mediada pelo escritor, professor e jornalista Felipe Pena. Vianco, com cerca de quatrocentos mil exemplares vendidos em uma década vem provar, com seus romances de terror e ação, que a ficção popular tem, sim, espaço entre os leitores brasileiros e que é perfeitamente possível reinventar, na literatura brasileira, gêneros consagrados na ficção estrangeira sem prejuízo da nossa identidade e da boa prosa. Nazarethe Fonseca reforça essa impressão com o sucesso que vem alcançando sua saga Alma e sangue composta, até o momento, pelos romances O despertar do vampiro (Aleph, 2009, 416 págs.) e O império dos vampiros (Aleph, 2009, 384 págs.). O primeiro teve a sua segunda edição esgotada rapidamente nas livrarias de todo o país e o segundo promete repetir o feito. Basta passar os olhos pelas sinopses dos livros e começar a lê-los para entender o motivo. As duas grandes responsáveis, contudo, por me aproximar, em 2009, da ficção vampírica foram, sem dúvida alguma, as escritoras Martha Argel e Giulia Moon, que lançaram, respectivamente, no segundo semestre os romances O vampiro da Mata Atlântica (Idea, 2009, 176 págs.), e Kaori ― perfume de vampira (Giz, 2009, 372 págs.). São livros tão bons e tão envolventes que fiz questão de mediar o bate-papo das duas durante o lançamento de seus livros no Rio de Janeiro, em outubro passado (foto acima). Martha Argel escreveu um terror clássico, envolvente, tenso na melhor acepção do termo, com a diferença que seu vampiro, Chico Justo, vive numa área preservada da Mata Atlântica, e aterroriza uma dupla de jovens cientistas que viaja até lá por conta de uma pesquisa sobre a fauna local. Lendo seu romance, chegamos à conclusão de que a mata tropical pode ser ainda mais assustadora e sombria como cenário de terror do que as míticas florestas da Transilvânia. O romance de Giulia Moon, por sua vez, possui, além do terror ― mais suave do que o de Martha Argel ―, um toque de sensualidade. A trama é ambientada paralelamente em duas épocas para contar, por um lado, a saga de Kaori, uma sedutora e bela jovem de pele perfumada no antigo Japão dos samurais, que acaba por ser vampirizada, e, por outro, o dia-a-dia de Samuel Jouza, um observador profissional de vampiros na São Paulo contemporânea. Em dado momento, a vida de ambos se cruza trazendo mais intensidade a uma trama desde o início, comovente e arrebatadora. Com os lançamentos e o êxito auferido pela trinca Martha-Giulia-Nazarethe, a literatura vampírica brasileira deu um salto considerável em 2009. Stephenie Meyer e Anne Rice que se cuidem. Luis Eduardo Matta |
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